O Rebu foi feita para quem tem cacife

Quem perdeu o começo, perdeu tudo. O Rebu se apresenta como novela, o que é um erro: o termo é antiquado demais para um produto que se aproxima muito mais de uma série

Bruno Viterbo
Ficção brasileira
5 min readAug 13, 2014

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Já se passaram 18 capítulos (ou episódios). É a metade de uma trama complexa, cheia de mistérios e personagens nebulosos — tal qual a imagem na tela. O Rebu chega ao meio de sua exibição sem ter a repercussão que merece. Quem assiste, sabe que é o produto de maior qualidade exibido este ano. Ou até mesmo nos últimos anos. Pelo menos até agora.

A cada episódio são mostrados os possíveis motivos para o assassinato de Bruno Ferraz (Daniel de Oliveira). Todos ali tem um motivo, maior ou menor, para ter cometido o crime. Desde um crime passional ou queima de arquivo, o fato é que não há santo naquela festa.

As pistas são dadas aos poucos. Os personagens suspeitos “jogam” com os investigadores Pedroso (Marcos Palmeira) e Rosa (Dira Paes), especialmente Braga (Tony Ramos), dono de um cinismo terrível, e Gilda (Cássia Kis Magro). Enquanto isso, Angela (Patrícia Pillar) anda às voltas com o Pedroso, e o roteiro deixa no ar uma suposta aproximação entre os dois. Seria uma estratégia para Angela sair do foco?

São muitas as perguntas. E Osvaldo (Julio Andrade), que tem problemas psicológicos graves? E Alain (Jesuíta Pedrosa), que entrou de penetra na festa? Até aqui, os 18 episódios não deixam absolutamente nada claro sobre o suspeito. O que é ótimo, aguçando a curiosidade. Alain foi preso acusado de ser o assassino. A polícia encontrou a carteira de Bruno na casa do rapaz. Mas, como ela apareceu ali?

As cenas vão se intricando de maneira que, quem perdeu o primeiro episódio, não tem como assistir mais. A edição é totalmente não linear, mesclando cenas e pontos de vista das personagens na festa, no dia seguinte com a investigação e com flashbacks que explicam algumas motivações pessoais. Posto isso, O Rebu, definitivamente, foge de todas as convenções de um folhetim clássico.

O produto se apresenta como “novela”. Novela das onze. No entanto, o que se vê é a estrutura de uma série. O Rebu poderia muito bem ser reduzida: os 36 capítulos previstos dariam uma série de 18, já que o tempo de arte não ultrapassa 30 minutos. Seriam 18 episódios de aproximadamente uma hora, comuns às séries.

Os ganchos finais do primeiro bloco e do final do episódio são matadores. Seja por um gesto, uma frase ou uma simples risada irônica, a construção dos capítulos é tão incrível, que é impossível ficar sem reação e sem vontade de assistir o próximo.

Duas cenas já marcaram a trama: a discussão sem pudores de Braga, Gilda e Angela e o desespero de Osvaldo ao fazer uma freira de refém, no auge de sua loucura. O Rebu tem entregado atuações incríveis — não podíamos esperar menos de um elenco genial.

Durante os capítulos, O Rebu se vale das redes sociais para mostrar os comentários sobre o decorrer do caso ou das selfies postadas na festa. Digo que a novela fala melhor de tecnologia do que a tecnológica Geração Brasil. Mesmo com um recurso simples, O Rebu reflete uma sociedade ávida por acontecimentos. Seja um beijo de Duda (Sophie Charlotte), seja um porre de Vic Garcez (Vera Holtz, ótima na personagem) ou a repercussão do assassinato.

Imagino que se O Rebu se apresentasse como série, teria muito mais repercussão e, consequentemente, audiência. A impressão é que o termo “novela” para um produto melhor apurado é completamente antiquado. Há um ranço de preconceito, já que fãs de séries torcem o nariz para novelas (o que, definitivamente, não é o caso deste escriba). Mesmo que as novelas de outros horários já apostem em novos ritmos e uma fotografia mais elaborada, O Rebu tem qualidades que diferem o produto das outras novelas.

A fotografia marcante de Walter Carvalho tem enfrentado críticas por ser escura demais, afastando o telespectador — e, em algumas vezes, dando até sono devido o horário de exibição. Uma injustiça sem tamanho com um trabalho marcante. O Rebu carrega consigo uma embalagem única, exclusiva. Assim como a maioria das séries. Assim como visto em O Canto da Sereia e Amores Roubados.

Seu conteúdo não linear também foge à esse exclusivismo. Por esses motivos insisto em dizer “episódios”, e não “capítulos”. Se há algo de novela em O Rebu são alguns diálogos e expressões exageradas, comuns aos folhetins.

O Rebu é o ápice do que a Rede Globo ofereceu de qualidade em seus produtos. No elenco e na direção, profissionais oriundos de Avenida Brasil, O Canto da Sereia e Amores Roubados. Porque essa receita que atingiu altos números de audiência não se repete agora? Mais uma pergunta sem resposta.

A audiência não vai crescer. A repercussão se dará pela qualidade do produto.

O Rebu foi feita para quem tem cacife — e inteligência — para acompanhar.

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Bruno Viterbo
Ficção brasileira

Redator, às vezes fotógrafo (como na foto ao lado) e às vezes jornalista. Mas sempre encontrando tempo para assistir alguma coisa (boa) na TV.