Goethe, a noite, o Coliseu, o ir
Há dias que estou com vontade de escrever, mas tudo tem sido tão louco e corrido que vou deixando a vontade escorrer por entre os dedos, até que se torne um uma ideia vaga.
Eu também tentei prever o futuro para encontrar uma viagem e não encontrei.
Queria fazer um relato de viagem para a Patrícia, mas acho que nem tão cedo vou poder fazer isso. Não com novas-histórias-minhas.
A fim de me voltar um pouco pra dentro e, quem sabe, viajar por aí, retomei a leitura de Goethe em sua Viagem à Itália — deixada de lado por tantos meses. Li exatamente a parte em que estava em Roma e durante o carnaval. Imediatamente quis escrever à Patrícia sobre lembranças que não são nossas, mas que também são — de muitas formas.
Sabe o fascínio por caminhar à noite em Roma? Temos companhia:
“Não se tem ideia da beleza de um passeio por Roma à luz do luar até que se tenha feito a experiência. Tudo o que é particular e único é engolido pelas grandes massas de luz e sombra, e apenas as imagens maiores e mais gerais se apresentam ao olho. (…) O Coliseu oferece uma vista particularmente bela. (…) É sob essa iluminação que se deveria ver o Panteão, o Capitólio e outras grandes ruas e praças. Assim, o sol e a lua, do mesmo modo que o espírito humano, têm aqui uma ocupação muito diferente daquela que têm em outros lugares, aqui, onde à sua vista oferecem-se massas colossais e ainda assim bem formadas.”
Ainda bem que a gente conseguiu deitar na calçada para olhar o Coliseu. Ainda bem que o Pantheon era destino certo. Ainda bem que a gente tinha o Tevere, o atrás do Tevere, as estrelas, os porcos, a birra.
É tanto o meu medo de não partir que eu sacudo qualquer resquício de memória, conto histórias que ninguém quer ouvir e torço para que elas ganhem vida novamente. Tenho medo de me tornar uma romântica que faz apologia ao passado. Mas como não ser nem um pouquinho assim? Seu presente do aniversário de 30 anos ainda me olha todos os dias e sussurra que o mundo é meu e todos os caminhos aguardam a peregrinação. Será que ainda dá tempo? Eu tenho certeza que sim. A gente só não sabe quando e como essas coisas podem acontecer.
Voltando ao Goethe e sua viagem, quando ele estava deixando Roma em direção à Napoli, ele diz a um amigo:
“estou à mercê de forças colossais, que me empurram de um lado para o outro, sendo portanto extremamente natural que eu não saiba sempre onde me encontro.”
É mais ou menos isso que acontece. A nossa miudeza é tão grande que às vezes a gente nem sabe se está no lugar certo. E acho também que nem sempre é para saber.
“Conta-se a história de um marinheiro, o qual, surpreendido por uma tempestade à noite no mar, retornava à casa. Seu filhinho, colado a ele, perguntara: ‘Pai, o que é aquela louca luzinha ali, que ora parece estar sobre nós, ora abaixo de nós?’. O pai prometeu-lhe a explicação no dia seguinte, quando então se descobriu que se tratava da chama do farol, que o olho, oscilando para baixo e para cima por causa do balanço selvagem das ondas, vê ora em cima, ora embaixo.
Também eu levo meu barco pelo mar sacudido por violentas comoções em direção ao porto, mantendo nítido no olhar o brilho do farol. Ainda que sua luz também me pareça mudar de lugar, chegarei por fim na outra margem, recuperando-me da jornada.
Cada partida faz reviver outras despedidas anteriores, apontando também involuntariamente para as que se darão ainda no futuro. A mim me acomete agora, mais forte do que antes, a necessidade de observar que nós simplesmente fazemos coisas demais, empreendemos demais, para viver; penso nisso porque agora Tischbein e eu voltamos as costas a tantas maravilhas, até mesmo ao nosso bem guarnecido museu particular. Lá se encontram três cabeças de Juno, uma ao lado da outra, para comparação, e nós as abandonamos como se ali não houvesse nenhuma.”
Eu nem preciso dizer o quanto esse trecho cai como uma luva em relação às nossas vidas. Nós fazemos coisas demais para viver e sempre deixamos coisas demais para continuar vivendo. E isso está longe de ser ruim. Quando deitamos na calçada do Coliseu, esquadrinhamos com o olhar novos destinos de partidas e chegadas sob a luz de um monumento que agora é uma recordação — bem doce, bem bonita, imensa.