O limão, os sentidos, o italiano

Leticia Lyra Acioly
Filhas da Memória
Published in
2 min readNov 21, 2020
Imagem: https://i.pinimg.com/originals/3d/bb/0d/3dbb0d28dd3b8a2e53a467172146b05b.jpg

Um pouco antes de te cortar pensei em como a sua forma me agrada: esse bico bem desenhado do seu umbigo, essa cor amarela quase florescente, um farol que ilumina os dias pasteis.

Assim que passei a faca te dividindo em duas partes e espremi uma delas sobre a carne crua que temperava para o almoço, o seu cheiro invadiu o ambiente, o seu óleo hidratou as minhas mãos e eu desejei que o seu perfume não saísse mais de mim.

Todos os meus sentidos foram preenchidos nessa ação corriqueira, e não só os cinco sentidos, mas também aqueles outros que criamos e que nos diferenciam dos outros seres vivos. Quando eu tenho você entre as mãos não há como não sentir saudade, não há como não recordar os dias mais doces, as descobertas mais bonitas, o cheiro da promessa de vida.

“Tudo com limão fica melhor!”, foi o que pensei antes de lavar as mãos, lamentando por tirar com sabão o cheiro que invadia os pulmões. Mas não tem problema, esse limão alimenta a alma muito mais que tempera a comida, ou melhor, também tempera a comida quando alimenta a alma.

Esse ano atípico serviu pra muitas coisas: eu criei, me apaixonei, me organizei, me desorganizei, me reorganizei e, acima de tudo, realizei sonhos que estavam guardados na gaveta do “quando tiver um tempo”. Essa ação contínua do realizar envolve muita paciência, responsabilidade e, sobretudo, uma boa dose de ansiedade.

Um desses sonhos era estudar mais a língua italiana e, por que não, ensiná-la… Um dos motivos que mais me anima nesse projeto é pensar que eu posso tentar transmitir pras pessoas um pouquinho da alegria que é estudar e conhecer outra cultura, outras formas de olhar o mundo e de querer experimentá-lo.

Sabe quando você olha pra uma pessoa e pensa: “eu sei exatamente o que você tá sentindo”? É como se vocês falassem a mesma língua, soubessem ler os gestos e se aproximassem um do outro por códigos que nos fazem nos reconhecer em meio a multidões.

E por que não fazer isso com um bom tempero de limão, colocando pra marinar e perfumando tudo aquilo que toca e por onde passa? Quando comecei a organizar as aulas de italiano, pensei nesses momentos salpicados com pequenas alegrias que descobri no meu próprio mergulho na língua e na cultura italiana. São pequenas joias; histórias, curiosidades sobre o pensar e o agir que me modificaram tanto. É como o Goethe disse a respeito da sua viagem à Itália:

“Embora eu siga sendo sempre a mesma pessoa, creio ter mudado até os ossos.” (Goethe in Viagem à Itália, 1999).

Aqui fica um convite pra esse mergulho temperado ao limão que nos modifica tanto e que nos aproxima daquela essência que habita os sonhos e nos convida sempre a atravessar.

--

--

Leticia Lyra Acioly
Filhas da Memória

Amante amadora do mundo da arte, arquiteta e urbanista por insistência, entusiasta de idas ao bar e apaixonada pelos meus amigos. https://linktr.ee/alyraleticia