Partir
“Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
‘Navegar é preciso; viver não é preciso’.
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso. (…)”*.
Ainda preciso navegar mais, Pessoa. A dor de me perder é grande e o medo, maior ainda. Não à toa a famosa frase foi dita. E não por você, mas por Pompeu no primeiro século antes daquele denominado Cristo. Ela foi dita aos marinheiros medrosos que se recusavam a embarcar para a guerra. Eu me sinto como eles, mas como Pompeu também. E como você. Todos os medos e desejos existem e, no final das contas, a gente embarca. O peito pequeno, apertado, a respiração curta e forte. Mas não tem jeito senão navegar.
E que delícia se perder em um mar de ouro, num horizonte sem fim e sem começo. Eu olho o mar e ele me devora. O “navegar” começou e eu nem me dei conta.
*Trecho do poema “Navegar é preciso” de Fernando Pessoa.