Choaching… Por que?

Gilberto Miranda Junior
Filosofando na Penumbra
3 min readMar 29, 2016
Toda divulgação sobre Coaching envolve a ideia de superação e conquista como resumo de sucesso

A febre moderna de hoje é ser ou usar os serviços de um coach. Um coach é um “profissional” que assessora as pessoas a atingirem suas metas pessoais ou profissionais, sejam elas um novo amor, a compra de uma Ferrari ou aquela sonhada promoção. Em suma, quase um guru moderno, porém laico.

Repletos das ferramentas e técnicas, o que importa é o que aparece, o que pode ser visto e o que está na superfície, independente do que se reprime, sublima, escamoteia. Andam até unindo coaching à PNL (Programação Neurolinguística). Mentoring e Aconselhamento são outros nomes também utilizados, mas cada vez mais o Coaching parece estar tentando se especializar e se desvincular dos nomes ambíguos que usam. De qualquer forma, está no cerne de sua atuação tornar deletério o que não serve. A busca é sempre pelo que serve… O mundo para o coaching é um mundo servil. Experimentá-lo ou mesmo experimentar-se se constitui total perda de tempo.

Eu, com meus quarenta e tantos, acreditava que viver fosse errar, aprender, experimentar os contrários e promover constantemente sínteses nas relações que estabelecemos com o mundo e com os outros. Hoje, isso se chama atrasar-se. E as pessoas não querem perder tempo vivendo, conhecendo o outro, compartilhando incertezas e construindo ora de forma compartilhada, ora por momentos solitários e reflexivos, nenhum caminho possivel. Às favas com o possível. As pessoas querem caminhos prontos, técnicas e ferramentas para se chegar logo lá… Não olham mais na janela, não sentem mais o vento no rosto ou cada sutileza do verde em cada folha perdida pelo caminho. Elas querem apenas chegar lá e fazendo tudo certinho, em um caminho reto em busca do inexorável.

Por incrível que pareça a própria vida passou a ser meio para uma vida projetada, para uma outra vida, e com isso negamos a vida presente e transformamos tudo o que nos circunda em meios. Nada vale por si mesmo, tudo é meio, servil…

Ainda eu, com meus quarenta e tantos, pensava que à certa altura, envelhecendo, seria a hora de tomar algum caminho mais reto, menos turbulento e adquirir da vida a sabedoria para se desviar menos, sem desaprender a sentir o vento no rosto ou ver as sutilezas das tonalidades e sabores do caminho. Ou seja, a hora de unir as vantagens de todos os desvios e da experiência. Viver é saber que o próprio caminho, enfim, é o sentido. Ele vale por si mesmo… Ledo engano… Ao mesmo tempo em que constato tal coisa vejo uma enxurrada de jovens se enveredando por essa “profissão do futuro” que forma pessoas encravadas em um não-ser crônico, vivendo seus projetos e seus futuros em um mundo servil à suas técnicas e ferramentas infalíveis.

A questão, por mais surreal que possa parecer, não abrange somente classes altas e aspirantes a executivos. O músico Criolo, grande intérprete da estética da periferia de São Paulo, captou esse espírito Coach nas quebradas mais insuspeitas e nos legou versos antológicos em sua música “Esquiva da Esgrima”:

Hoje
Não tem boca pra se beijar
Não tem alma pra se lavar
Não tem vida pra se viver
Mas tem dinheiro pra se contar
De terno e gravata, teu pai agradar
Levar o teu filho pro mundo perder
É o céu da boca do inferno esperando você
É o céu da boca do inferno esperando

E eu, ainda do alto de meus quarenta e tantos, lembro de Ulisses em sua viagem à Ítaca depois da Guerra de Tróia. Ele não foi um Coachee nem um Coach; foi um líder que descobriu por seus próprios erros que o caminho valia mais do que a chegada. Mas Ulisses, com todos os seus ardis, dissimulações e artimanhas ficou ultrapassado pelos Coach. Abnegação e sacrifício sao vistos como desnecessários para uma vida que sequer é considerada vida antes de se chegar ao que se pretende. E onde chegar? Parece que se esquecem que a única chegada certa para todos nós é a inexistência.

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Gilberto Miranda Junior
Filosofando na Penumbra

Licenciado em Filosofia, estudou Ciências Econômicas e participa como pesquisador do CEFIL (Centro de Estudos em Filosofia), registrado no CNPQ e ligado à UFVJM