O distanciamento necessário…

Gilberto Miranda Junior
Filosofando na Penumbra
4 min readDec 12, 2022

Diversos processos em escala global nos afetam diretamente, mas fogem de nossa percepção imediata individual. A cada momento sentimos e vivenciamos a precarização de nossas vidas, a fragilidade de nossas relações, a insegurança sobre o futuro, mas todas essas sensações, por mais vivas e preocupantes, acontecem alheias à nossa consciência sobre as forças que atuam para que vivamos seus efeitos.

Há quem diga que estamos em crise. Mas crise, ao que sabemos, trata-se de um ponto de inflexão, um estado temporário que marca uma ruptura e que abre novos caminhos… O que vivemos não parece ser uma crise, portanto: é um estado crônico, permanente, uma convulsão que nunca se resolve ou vai para algum lugar, seja melhor ou pior. Não parece haver um ponto culminante, mas um eterno e agonizante adiamento, enquanto a anomia toma conta de todos nós…

É clara a sensação de futuro roubado. Não adiado ou demorado, mas interrompido, cindido, furtado no emaranhado de forças que concorrem entre si e em conjunto para hegemonizar a exploração máxima de toda a vida, inclusive e, principalmente, a humana. O conjunto destas forças se convencionou a chamá-lo de NEOLIBERALISMO, apesar de serem frutos de um processo histórico. Essas forças poderiam ser independentes, mas oferecem entre si uma retroalimentação em escala que desemboca na desesperança generalizada que vivemos e caracteriza em conjunto a categoria que nomeia.

Se hoje vivemos a culminância da mercantilização do mundo da vida e das relações sociais; se hoje não há relação que não seja mediada ou formatada pelo consumo, não é possível desvincular este fato da crescente privatização e mercantilização do que considerávamos bens públicos ou serviços essenciais. Se nos parece comum ou corriqueiro a extração de valor pelos bancos e grandes corporações de toda atividade social (não só de produção, mas de circulação e consumo), não deveria nos espantar a crescente e onipresente financeirização da vida e de toda produção. Por fim, se estamos sujeitos à superexploração e nossa vida social está submetida à disciplina do mercado, é perfeitamente normal que passemos a nos definir como empreendedores de nós mesmos, proprietários de nosso capital humano, esperando que cada ação nossa traga algum tipo de retorno, seja com a família, amigos ou horas de lazer.

Essa transmutação da realidade em um presente eterno gera a desesperança que vivemos, rouba nossos futuros possíveis, mas, mais do que tudo, tem o potencial de criar respostas muito mais problemáticas e distópicas. Enquanto alguns de nós parecem esperar o limite da ruptura na esperança de novas formas de relações de poder ou produtivas, outros tantos parecem querer precipitar o caos para oportunizar um retorno a um passado idealizado que lhes resgatem uma falsa sensação de ordem e previsibilidade. Os reacionários despertaram e eles tem um plano: dividir e hierarquizar.

Você poderia dizer: “mas a sociedade já não está dividida e hierarquizada atualmente?” — Sim! — eu responderia. Mas os reacionários, por diversos motivos, pensam não ser o bastante. Mais do que isso: acham que a sociedade se dividiu e se hierarquizou sem preservar o poder e a influência que eles sentiam possuir em algum momento da história. Por isso seria hora de resgatar as estruturas anteriores, restabelecer a “ordem natural” e submeter todos a ela.

É preciso que falemos sobre isso. Mas para isso é necessário um certo distanciamento da vida diária, do imediato e do cotidiano. A muitos de nós isso é quase impossível, mas tentarei articular algumas reflexões que possam explicar ou abrir discussões a esse respeito.

Esse espaço é para isso. E é urgente que o façamos. Precisamos construir a nossa soluçao, senão seremos levados pelos acontecimentos numa avalanche terrorista de extrema-direita que já está sendo articulada em nível mundial. Aqui no Brasil a ânsia totalitária está longe de se resumir a Bolsonaro, embora tenha dado suas caras através do bolsonarismo. Para além do bolsonarismo e do cristofascismo neonazista, a tecnocracia distópica quer o crescimento do consenso em torno da ideia de feudos autoritários comandados por CEOs, onde sua única participação como cidadão será retirar-se de um feudo para outro. O mais surreal disso tudo é que eles tem tudo para unir forças e já se uniram nos EUA em torno da Alt-Right e supremacistas brancos.

Vamos aos trabalhos…

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Gilberto Miranda Junior
Filosofando na Penumbra

Licenciado em Filosofia, estudou Ciências Econômicas e participa como pesquisador do CEFIL (Centro de Estudos em Filosofia), registrado no CNPQ e ligado à UFVJM