TIBURI e KATAGUIRI— O Paradoxo da Tolerância

Gilberto Miranda Junior
Filosofando na Penumbra
4 min readJan 27, 2018
Marcia Tiburi se recusa a participar de um programa de rádio tendo como convidado Kim Kataguiri

Assisto, entre constrangido e estupefato, muitas pessoas dando opiniões pessoais sobre a decisão de Márcia Tiburi em se retirar de um programa de rádio quando a produção convidou, sem avisá-la, o líder do MBL, Kim Kataguiri, para participar de um debate. Basta uma pequena busca no Youtube ou no Google constata-se que a grande maioria dos posts e vídeos relacionados ao tema gira em torno de ataques contra ela: “Fugiu do Debate”, “Quem é o fascista? (em alusão a seu livro ‘Como Falar com um Fascista’)” e outros títulos, não só questionando sua atitude, como desaprovando sob todos os adjetivos depreciativos possíveis.

Márcia fez uma carta pública ao apresentador do programa tentando explicar seus motivos. Os mais fortes, penso, centram-se na falta total de ética do apresentador em não avisar aos participantes quem estaria lá em um momento tão delicado em que todos estavam digerindo as repercussões da iminente condenação (em um processo repleto de suspeitas) de um líder político da envergadura de Lula. Outro motivo forte, e a meu ver legítimo e reforçado pelo primeiro motivo, diz respeito ao tipo de discurso que caracteriza a atuação política de Kataguiri à frente do Movimento Brasil Livre. Usando das mesmas táticas do conselheiro da campanha presidencial de Donald Trump (Roger Stone — que podemos conhecer com mais profundidade sua ligação com a extrema-direita e até com a Ku Klux Klan em um documentário da Netflix chamado “Get Me Roger Stone”), o Think Tank liderado por Kim levou à excelência a criação e o uso de Fake News para formar opinião, desacreditar e assassinar reputação de desafetos e apoiar políticos (corruptos ou não) com potencial de levar à cabo a consolidação de sua ideologia de Estado Mínimo e Livre Mercado. Pérolas como nazismo ser de esquerda, cotas serem racista, negros e mulheres serem vitimistas e arte contemporânea ser de esquerda e promover a pedofilia, deram o tom da polarização extrema e da animosidade que grassa em nossa sociedade, onde todo tipo de diálogo é interditado para a imposição acrítica de sua ideologia voltada a atender aos interesses do capital internacional e de seus financiadores (Atlas Network, Intituto Millenium, irmãos Kock, etc…).

Quando Tiburi responde àqueles que apelam para seu livro “Como Conversar com um Fascista” com o intuito de cobrá-la ter ficado no programa e “dialogado” com Kataguiri, ela nos lembra com propriedade o tom irônico ao estilo do pensador dinamarquês Soren Kierkegaard que deu ao título de seu livro. Porém seria preciso lê-lo para entender isso. Sendo o título do livro uma ironia kierkeggardiana, trata-se exatamente de um discurso contrário ao pensamento, ou seja, um suposto manual de como conversar com um fascista sendo que o autor sabe muito bem a impossibilidade de qualquer diálogo com um fascista. Eis, pelo título e de como ele foi feito, a dica sobre seu conteúdo.

Particularmente gostaria muito de ver um debate entre Tiburi e Kataguiri. Mas é uma covardia ao extremo querer empurrar de supetão um intelectual com a produção de Márcia para qualquer tipo de diálogo saudável com um ideólogo virulento, intransigente e que tem um exército de zumbis a seu dispor para distorcer, editar vídeos e viralizar qualquer coisa que o favoreça e destrua seu interlocutor no segundo seguinte ao término da conversa. Para não dizer que eu esteja exercendo futurologia, no mesmo dia o Senador Roberto Requião era outro convidado do programa que, ao término de seu debate com Kataguiri, o Youtube ‘bombou’ com vídeos editados repletos de títulos sugestivos como: “Kataguiri dá aula de economia para esquerdista Requião”, ou “Kataguiri destrói o Estatista Requião”, “Requião trucidado por Kim”, “Requião é um Canalha”, etc… Não é necessário dizer que o abismo intelectual entre ambos é flagrante e que Kim, mesmo desfilando aquele discurso decorado, circular e sem o mínimo de rigor intelectual, não conseguiu rebater o fato de que não há crescimento econômico e nem geração de riqueza na história mundial sem que houvesse a ação do Estado na economia.

O mais curioso desse episódio é que uma leva de liberais “isentões” que sempre estão atacando o chamado “politicamente correto” passaram a clamar por diálogo, livre debate de ideias e tolerância, quando diante da própria manifestação daquilo que discordam concorrem com a criação de espantalhos e qualificações depreciativas, fazendo a mesma coisa que dizem discordar: impedindo e silenciando a manifestação do outro — e isso não se trata de ironia.

Vale lembrar, para todos os efeitos, o famoso Paradoxo da Tolerância de Karl Popper, um liberal convicto, quando esclarece que tolerar a intolerância não diminuiu a intolerância. Ou seja, ser tolerante com o intolerante irá gerar, fatalmente, aumento sistemático da intolerância como um todo. De fato trata-se de um paradoxo, pois silenciar o intolerante à força tem como resultado possível a criação de uma panela de pressão ideológica que pode explodir a qualquer momento.

De qualquer forma, Marcia Tiburi não silenciou Kim Kataguiri. Ela se recusou a lhe dar palco por seu intermédio. Melhor seria que ela pudesse se recusar antes de ir. Sua saída abriu brechas para ser atacada, como está sendo, pois a máquina de distorção virulenta de seu grupo ideológico não a perdoará. Kim, tampouco, precisa de Tiburi para continuar desfilando suas distorções e ataques desonestos na internet. Ele continua fazendo o que sempre fez com a maestria de um bom lobotomizado pelas Think Tanks neoliberais espalhadas pelo mundo afora. Tudo continua na mesma…

Gilberto Miranda Junior é Licenciado em Filosofia, estudou Ciências Econômicas e participa como pesquisador do CEFIL (Centro de Estudos em Filosofia), registrado no CNPQ e ligado à UFVJM.

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Gilberto Miranda Junior
Filosofando na Penumbra

Licenciado em Filosofia, estudou Ciências Econômicas e participa como pesquisador do CEFIL (Centro de Estudos em Filosofia), registrado no CNPQ e ligado à UFVJM