Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel: Introdução

Janos Biro Marques Leite
Filosofia fictícia
4 min readMay 8, 2023

Este é um resumo de um livro publicado pela Editora Expressão Popular em 2010. Metade do livro contém a Introdução à Crítica da filosofia do direito de Hegel, de Karl Marx, e a outra metade contém um prefácio chamado “Nas trilhas da emancipação”, escrito por Celso Frederico.

No texto de Celso Frederico, o autor reafirma a importância da “centralidade do presente” na metodologia de Marx. Marx fez a crítica da intelectualidade alemã de sua época, que ele via como refugiada na especulação filosófica por estar impedida de fazer política. Em sua perspectiva política, ao escrever a crítica da filosofia do direito de Hegel, Marx viu um antagonismo entre sociedade civil e o Estado: “O Estado é uma alienação da sociedade civil: os indivíduos em vez de exercerem diretamente o poder de decisão, alienam esse poder para a esfera estatal”.

Neste momento, Marx defendia uma democracia direta, onde a sociedade civil toma o poder do Estado: “Tratava-se assim de suprimir o Estado e não as classes sociais, já que o texto, refletindo o desconhecimento da economia política, não tratou de esmiuçar as diferenças e antagonismos existentes no interior da sociedade civil”. Apesar disso, Marx usa pela primeira vez a palavra práxis e convoca o proletariado para uma “revolução radical”, que se torna viável no encontro entre a filosofia (o cérebro da revolução) e o proletariado (o coração da revolução).

Entrando no texto de Marx, vemos como ele considerava a Alemanha como anacrônica:

A história é sólida e passa por muitas fases ao conduzir uma forma antiga ao sepulcro. A última fase de uma forma histórico-mundial é sua comédia. Os deuses da Grécia, já mortalmente feridos na tragédia Prometeu acorrentado, de Ésquilo, tiveram de morrer uma vez mais, comicamente, nos diálogos de Luciano. Por que a história assume tal curso? A fim de que a humanidade se separe alegremente do seu passado. É esse alegre destino histórico que reivindicamos para os poderes políticos da Alemanha.

A filosofia alemã até então havia criticado o mundo, mas faltou criticar a si mesma. A revolução alemã foi teórica, começa na reforma protestante e termina na filosofia. A reforma luterana libertou as pessoas da opressão da religião externa, mas transformou a religiosidade em dominação internalizada. “Libertou o corpo dos grilhões, prendendo com grilhões o coração”. Assim, a tarefa da filosofia passou a ser a luta contra a religiosidade internalizada: “Já não se tratava mais da luta do leigo com o padre fora dele, mas da luta contra o seu próprio padre interior, a sua natureza clerical”.

O que impediu a filosofia alemã de realizar uma revolução radical é que as revoluções necessitam de um elemento material:

A teoria só é efetivada num povo na medida em que é a efetivação de suas necessidades. Corresponderá à monstruosa discrepância entre as exigências do pensamento alemão e as respostas da realidade alemã a mesma discrepância da sociedade civil com o Estado e da sociedade civil consigo mesma? Serão as necessidades teóricas imediatamente necessidades práticas? Não basta que o pensamento procure se realizar; a realidade deve compelir a si mesma em direção ao pensamento.

Portanto, a Alemanha “acompanhou o desenvolvimento dos povos modernos” somente quanto à “atividade abstrata do pensamento”, recebendo os problemas do mundo moderno sem receber os benefícios: “Por isso, a Alemanha se encontrará, um belo dia, no nível da decadência europeia sem que jamais tenha atingido o nível da emancipação”. A Alemanha combina as “deficiências civilizadas do mundo político moderno, de cujas vantagens não desfrutamos, com as deficiências bárbaras do ancien régime”.

Como a Alemanha representa a deficiência da atualidade política, ela “não conseguirá demolir as específicas barreiras alemãs sem demolir as barreiras gerais da política atual”. Para fazê-lo, ela precisa sonhar com a emancipação humana universal, e não com uma revolução parcial:

Para que a revolução de um povo e a emancipação de uma classe particular da sociedade civil coincidam, para que um estamento [Stand] se afirme como um estamento de toda a sociedade, é necessário que, inversamente, todos os defeitos da sociedade sejam concentrados numa outra classe, que um determinado estamento seja o do escândalo universal, a incorporação das barreiras universais; é necessário que uma esfera social particular se afirme como o crime notório de toda a sociedade, de modo que a libertação dessa esfera apareça como uma autolibertação universal.

Esta classe seria, portanto, o proletariado, descrito como “uma classe com grilhões radicais”, que possui “um caráter universal mediante seus sofrimentos universais”. A injustiça cometida contra o proletariado não é uma injustiça particular, “mas a injustiça por excelência”:

Quando o proletariado anuncia a dissolução da ordem mundial até então existente, ele apenas revela o mistério de sua própria existência, uma vez que ele é a dissolução fática dessa ordem mundial. Quando o proletariado exige a negação da propriedade privada, ele apenas eleva a princípio da sociedade o que a sociedade elevara a princípio do proletariado, aquilo que nele já está involuntariamente incorporado como resultado negativo da sociedade.

Ao gestar o proletariado, a sociedade moderna gesta, então, o fim de sua própria estrutura. Marx conclui dizendo:

Na Alemanha, nenhum tipo de servidão é destruído sem que se destrua todo tipo de servidão. A profunda Alemanha não pode revolucionar sem revolucionar desde os fundamentos. A emancipação do alemão é a emancipação do homem. A cabeça dessa emancipação é a filosofia, o proletariado é seu coração. (…) Quando estiverem realizadas todas as condições internas, o dia da ressurreição alemã será anunciado pelo canto do galo gaulês.

Referência:

MARX, Karl. Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel: introdução. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

Originally published at http://contrafatual.com on May 8, 2023.

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Janos Biro Marques Leite
Filosofia fictícia

Graduado em filosofia, escritor, tradutor e criador de jogos.