Capital Cultural

Bruno Oliveira
Educação, Finanças & Tecnologia
4 min readSep 12, 2019

Por que algumas pessoas são mais importantes que outras?

A ideia criada pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu busca explicar como a escola, ao não levar em conta o capital cultural de alunos vindos de diferentes meios sociais, ajuda a manter essas diferenças e estratificar a sociedade. Esse conceito vai complementarmente de encontro com a visão de educação de Anísio Teixeira, sua Educação Nova pregava o ensino público, gratuito e de qualidade para todos (que é parte da ideia do ensino publico brasileiro hoje). Na visão de Anísio, a educação deveria ser democratizada, e servir como meio para que qualquer um, com seu próprio esforço, pudesse usá-la para ascender socialmente e se tornar um cidadão melhor.

Se é arte não é para todos, se é para todos não é arte —a polêmica questão de Schoenberg

Para Bordieu, só passar mesmo conteúdo para todos os alunos não significa educar todos igualmente, cada aluno traz sua própria bagagem cultural que define maior ou menor facilidade no aprendizado de uma determinada coisa. A cultura é o conjunto de valores e significados que servem de referência a um determinado grupo de indivíduo. Para Bourdieu, a cultura, em uma sociedade desigual, serviria como moeda (capital) para acentuar as diferenças socioeconômicas entre as classes, favorecendo as classes dominantes — a cultura se transforma em instrumento de dominação.

Há, inclusive, imposição de cultura. As classes dominantes impõe (arbitrariamente) sua cultura, atribuindo-a um valor incontestável, para alguém da periferia aparentemente um rapper da comunidade tem menos valor cultural do que um músico bachiano. Como o acesso de parte da população é mais restrito a esta cultura considerada como boa, o aprendizado destas pessoas se torna mais difícil.

Não é exagerado dizer que o ensino é, em parte, um fator de inércia — Bordieu

Desta forma, a escola estruturalmente marginaliza os estudantes com menor “capital cultural” (pelo menos em relação a cultura que é tida como boa). A escola não é um ambiente familiar para parte de seus alunos. Uma criança que possui capital cultural se sente bem na escola, pois normalmente o modelo de lidar com o conhecimento é semelhante as experiências e vivências culturais que tem com seus pais e com a sua vida — para as outras, há uma lacuna, onde caso não haja um esforço gigantesco ou uma ajuda dos professores em construir esse processo de aprendizado, vai gerar problemas na educação desse indivíduo.

Pedagogia racional

Em resumo, eu acredito que precisamos pensar em formas mais contemporâneas de ensinar ou, em outras palavras, encontrar maneiras de ensinar os contemporâneos. Habermas (talvez, na minha opinião, o pensador contemporâneo mais relevante vivo nos dias de hoje) menciona que a racionalidade se refere à maneira como os sujeitos falantes e atuantes adquirem e usam o conhecimento.

Bourdieu propõe que o planejamento e a implementação das atividades educativas devem possibilitar que o maior número possível de estudantes tenha acesso a todas as formas de cultura “[…] desde a frequência aos museus até o manejo de noções e técnicas econômicas e a consciência política”, passando pelas artes e literatura: a chamada pedagogia racional.

Nesse ponto, mais do que aulas exuberantes com rajadas de alta cultura que não fazem sentido para a maioria dos estudantes, os professores devem investir em outras táticas de construção de alicerces culturais para que o conteúdo faça sentido para seus receptores. Por exemplo:

a. Melhorar os processos de ensino e aprendizagem
b. Condições para acesso a cultura
c. Levar para a escola o capital cultural não obtido
d. Não julgá-las apenas com avaliações

“No estado atual da sociedade e das tradições pedagógicas, a transmissão das técnicas e dos hábitos de pensamento exigidos pela educação nos remete primordialmente ao meio familiar. Portanto, toda democratização real supõe que os ensine ali onde os mais desfavorecidos podem adquiri-los, quer dizer, na escola; que se amplie o domínio do que pode ser racional e tecnicamente adquirido através de uma aprendizagem metódica em prejuízo do que é abandonado geralmente à sorte dos talentos individuais, ou seja, de fato, à lógica dos privilégios sociais […]” (Bourdieu, Passeron 2006, p. 110).

Não dá pra ficar sempre só colocando fogo em colchão, temos que tentar ser propositivo de vez em quando

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Bruno Oliveira
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Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.