Retrospectiva sobre o uso de ambientes virtuais de aprendizagem

Bruno Oliveira
Educação, Finanças & Tecnologia
5 min readMar 8, 2020

Este texto tem como objetivo realizar uma resenha do artigo “Educational virtual environments: A ten-year review of empirical research (1999–2009)” (Mikropoulos e Natsis, 2011). A dupla de autores realizou uma revisão em 53 pesquisas empíricas sobre aplicações educacionais utilizando realidade virtual (RV) em ambientes virtuais de aprendizado (AVA) na penúltima década (1999–2009).

O artigo contém 12 páginas e foi publicado em 2011, no Journal of Computers & Education, e divide o conteúdo em uma introdução, metodologia, resultados, discussão e conclusão. Na introdução, os autores esclarecem alguns de suas posições e conceitos: (i) tecnologias de RV podem ser exploradas pedagogicamente pois permite criar ambientes virtuais, utilizar diferentes canais multissensoriais para interação, além de permitir a imersão do usuário no ambiente virtual e manipular objetos em tempo real; (ii) ambientes virtuais de aprendizado (AVA[1]) são ambientes virtuais (com ou sem o uso de RV) com um modelo pedagógico definido, com um ou mais objetivos didáticos de prover experiências aos usuários que dificilmente seria possível no mundo real; (iii) tecnologias da informação não causam diretamente a aprendizagem, mas podem suportar (através de suas características específicas) algumas tarefas e estas podem causar o aprendizado. As características dos AVAs (com RV) que são úteis para corroborar com as seguintes características do processo educacionais são as experiências de primeira ordem[2], semântica natural, mudanças de tamanho/escala, transdução[3], reificação[4], autonomia e senso de presença.

Neste ponto da introdução, já é possível verificar que o autor retoma parte do debate entre Clark (1994) e Kozma (1991), e se posiciona afirmando que as mídias de realidade virtual, ainda que não causem em si um impacto isolado, podem sim influenciar no processo de aprendizagem e passa a destacar as características essenciais desse tipo de mídia que colabora positiva para o processo educacional, em especial, dentro dos AVAs.

Dentro da perspectiva de método e mídia, os autores, no capítulo de metodologia, deixam claro que a revisão da literatura envolve não só as características da RV em AVAs, com os contextos educacionais e as teorias de aprendizagem empregadas nas pesquisas. Também apresentam os critérios para seleção de artigos (excluíram artigos que não incluem dados empíricos, que não falam de educação formal, que falem de realidade aumentada, salas de aulas virtuais etc.) e chegaram a um total de 53 artigos científicos. A maioria dos artigos seguem alguma linha construtivista e aprendizagem, então os autores não focaram em destrinchar os detalhes da teoria pedagógica de cada um deles, mas tentaram verificar se seguiram sete princípios propostos por Jonassen (1994, apud Mikropoulos e Natsis, 2011): (a) providenciar múltiplas representações da realidade; (b) foco em construir conhecimento, não em reproduzir; (c ) contextualizar ao invés de instruções abstratas; (d) prover o mundo ao real, ao invés de instruções sequenciais; (e) incentivar a prática reflexiva; (f) habilitar contexto e conteúdo; (g) suportar construção colaborativa de conhecimento através de negociação social, sem competição.

Já na definição da metodologia, é possível verificar a indissociabilidade da mídia tecnológica e o método instrucional e, principalmente, a proximidade que as mídias de realidades virtuais possuem com as práticas educacionais construtivistas, mostrando como as suas características, apontadas na introdução, conseguem se relacionar com os princípios construtivistas destacados neste capítulo de metodologia.

Em termos de contexto educacional, a maioria dos artigos (75%) refere-se à ciência, tecnologia e matemática. E isso ocorre, provavelmente, pois as escalas de tempo e espaço nessas áreas são muito diferentes das que experimentamos no nosso dia a dia — alguns fenômenos não são observáveis, muitos conceitos abstratos e é difícil entender algumas magnitudes; o que são situações bem endereçadas pelas características da realidade virtual. Em termos de ganhos de aprendizagem, os artigos focaram em ganhos cognitivos, como compreensão, conhecimento, aplicação e análise. Dois estudos (3%) não reportaram nenhum tipo de ganho (os estudos reportaram maior ganho em satisfação em aprender, do que na aprendizagem em si) e outros três estudos (5%) reportaram perdas de aprendizagem ao utilizar ambientes virtuais. Todos os demais estudos reportaram ganhos significativos de aprendizagem.

Em termos dos recursos únicos das AVAs (já identificados na introdução), os autores vão destacando em cada um dos artigos da revisão, qual foi a característica mais explorada, de acordo com o contexto educacional e objetivos didáticos:

Por fim, o trabalho de Mikropoulos e Natsis (2011), mas do que focar no que já foi feito, é uma busca de perspectivas e visões do que pode ser feito com realidade virtual na próxima década. Desse modo, aponta o construtivismo como principalmente abordagem pedagógica e mostra que as características das AVAs podem influenciar positivamente o processo educacional, já que a imersão (Chris Dede apud Mikropulous e Natsis, 2011) das tecnologias VRs podem trazer benefícios para educação em três formas: múltiplas perspectivas, aprendizado situacional e transferência. Outra conclusão relevante dos autores foi o papel importante que o conceito de “presença” parece exercer em uma AVA, mas também tenta fazer uma possível confusão que a maioria das pessoas faz desse conceito e do conceito de imersão. Imersão estaria relacionado a tecnologia e ao uso que esta faz dos canais de percepção dos usuários. Presença está mais relacionado a experiência subjetiva de cada pessoa que estivesse imersa no ambiente. Os conceitos de imersão e presença são apontados pelos autores como algo que deve ser estudado cada vez na próxima década para melhorar cada vez mais o uso de RV na educação.

Referências

CLARK, Richard E. Media will never influence learning. Educational Technology. Research and Development, v. 42, n. 2, p. 21–29, 1994.

KOZMA, Robert B. Learning with media. Review of Educational Research, v. 61, n. 2, p. 179–211, 1991.

MIKROPOULOS, Tassos A.; NATSIS, Antonis. Educational virtual environments: A ten-year review of empirical research (1999–2009). Computers & Education. V. 56, p. 769–780, 2011.

[1] No artigo, os autores usam o termo EVE (Educational Virtual Environments), mas o termo AVA me parece ser mais usado na língua portuguesa

[2] Experiências de primeira ordem incluem navegação livre e perspectiva em primeira pessoa dentro do AVA

[3] Transdução implica em conduzir informações de um meio para o outro (real x virtual) para que um fenômeno seja passível de observação entre os diferentes meios

[4] Reificação implica na transformação de ideias abstratas em representações perceptíveis e materiais

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Bruno Oliveira
Educação, Finanças & Tecnologia

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.