Como os animais podem ajudar a cura em hospitais

Terapia Assistida por Animais (TAA) já é realizada em espaços de saúde de outros Estados do Brasil

Maria Antonia M. Fiorini
Fio da meada
7 min readNov 28, 2016

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O cachorro é o animal mais utilizado na Terapia Assistida por Animais

Cada vez mais presentes no cotidiano do brasileiro, os bichos de estimação também podem ser autorizados a entrar em ambientes hospitalares no Rio Grande do Sul. O Projeto de Lei 347/2015, em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, proposto pela deputada Regina Becker Fortunati (REDE), permite a visitação de animais domésticos e de estimação em hospitais privados e públicos cadastrados no Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado.

Há cada vez mais brasileiros com animais em casa. Pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2013, aponta que 132 milhões de pessoas possuem pelo menos um pet. A proposta da deputada, se aprovada, permitiria que esta relação se estendesse aos hospitais. Segundo a bióloga Fabiene Bittencourt, os bichos, de um modo geral, melhoram o bem-estar das pessoas. Eles são carentes de atenção e necessitam de convivência com o ser humano, pois buscam uma relação de afeto recíproco. “Às vezes, é muito melhor pensar naquele carinho que só ele sabe dar”, conta ela. Assim, o bicho passou a ser usado também como instrumento no tratamento de doenças, dando origem à Terapia Assistida por Animais (TAA).

A terapia alternativa é comprovada cientificamente e realizada por profissionais da saúde de acordo com a patologia que está sendo tratada. Ela pode ser feita semanalmente, de forma individual ou em grupo. “É uma técnica que beneficia não só o paciente, mas todos que estão envolvidos na relação humano-animal”, conta Denise Seixas, terapeuta ocupacional e membro da Associação Gaúcha de Atividade e Terapia Assistida por Animais (Agata). Os benefícios vão da saúde física, mental até a emocional, promovendo maior afetividade nos vínculos sociais, melhora na qualidade de vida e da autoestima do assistido. Segundo a bióloga, os hormônios do estresse como o cortisol diminuem nas pessoas quando há presença de um pet. “A emoção de revê-lo e provocar uma reação nele já resulta no bem-estar da pessoa”, afirma a bióloga.

Fundada em 2011, a Agata é uma iniciativa de profissionais da saúde que deseja divulgar e proporcionar para a população do Rio Grande do Sul os benefícios e efeitos da interação humano-animal por meio de modalidades terapêuticas humanizadas. Atualmente, a associação realiza somente atividade assistida por animais pois trabalha com voluntariado. Ela ainda conta com alguns profissionais de saúde que auxiliam na ação. Já a TAA é exclusivamente realizada por esses especialistas. Bernardette Serra, médica psiquiatra que trabalhou com a terapia, ressalta a importância da presença de um profissional da saúde e outro especializado em comportamento animal no tratamento. Ela diz não haver riscos, mas deve-se ter alguns cuidados para evitar acidentes. “Pacientes com iminência à agressividade ou que tenham atitudes que assustem o bicho devem ser evitados”, revela a médica. Algumas situações contraindicam o trabalho como alergia a pêlos, problemas respiratórios, medo por parte do paciente ou qualquer condição que coloque em risco o co-terapeuta e o assistido. “Geralmente o medo por parte do enfermo pode ser trabalhado”, esclarece Denise.

Na casa Menino Jesus de Praga, localizada em Porto Alegre, mensalmente, a Agata trabalha com um grupo infantil especial. Na atividade, é utilizado um pet por criança, ambos acompanhados de dois adultos. Os exercícios proporcionados aos alunos são de dessensibilização, toque em diferentes texturas, reconhecimento de partes do corpo, incitamentos de fala e memória e estímulos motores como jogar bolinha. “Essas práticas estimulam a socialização, promovem a recreação e diminuem o estresse”, conta Denise. A única diferença da terapia para a atividade é a presença de um profissional da saúde.

A TAA ainda só é praticada em clínicas ou casas dos pacientes. A inserção da terapia nos hospitais do Rio Grande do Sul caminha lentamente. O objetivo do PL 347/2015 é manter o vínculo afetivo com os bichos, possibilitando que os seres humanos que se encontram em estabelecimentos de saúde possam ter a oportunidade de estender a convivência com todos os seus entes. “Como podemos privar a convivência dos animais com seres humanos só porque eles se encontram em determinadas condições?”, questiona Regina. Além disso, locais públicos como shoppings centers já recebem pets. “Por que, então, não podemos vê-los nos estabelecimentos de saúde?”, indaga também a bióloga.

O projeto de lei não fala em TAA, mas Regina garante que ela está ligada intrinsecamente com a visitação. “Se o espaço de saúde disponibilizar um lugar específico, ele vai ter que contar com alguém que entenda do assunto”, afirma a deputada do REDE. Por ser de um partido de menor representatividade na Assembleia, os projetos demoram a ser votados. “Não tenho chance de levá-los adiante”, lamenta. No momento, a proposta está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), já obteve um parecer favorável e, conforme a deputada estadual, na próxima reunião de líderes, o presidente do CCJ pediria preferência para entrar na ordem para ser apreciado.

O texto ainda prevê o agendamento da visita que deve ser acompanhada de algum familiar ou pessoa que esteja acostumada a manejar o animal. Segundo Regina, deve-se oferecer meios para que a visitação aconteça de forma absolutamente segura. “Isso faz com que quem esteja dentro do hospital também receba um tipo de assistência”, pondera ela. Além disso, o transporte dentro do ambiente hospitalar deve ser feito em caixas específicas de acordo com o tamanho da espécie.

O PL 347/2015 não permite o ingresso dos bichos nos setores de isolamento, quimioterapia, transplante, assistência à pacientes vítimas de queimaduras, central de material e esterilização, Unidade de Terapia Intensiva (UTI), área de preparo de medicamentos, farmácia hospitalar e áreas de manipulação, processamento, preparação e armazenamento de alimentos. “As restrições foram pensadas no contexto todo que a gente conhece e sabe como funciona”, revela Regina. Devido a uma exigência da Organização Mundial da Saúde (OMS), a lei propõe a determinação de um local específico dentro do hospital para o encontro entre o paciente internado e o animal de estimação. O projeto de lei deixa livre para que o estabelecimento coloque suas regras para abrir espaço e viabilizar a TAA. A bióloga Fabiene acredita que se deve ter um bom senso para permitir a entrada dos pets nesses locais. “Cada um vai ter as regras de acordo com o que convier”, ressalta ela.

No Hospital Albert Einstein em São Paulo, a TAA acontece em uma sala específica. A OMS ainda exige uma autorização expressa para a visitação, expedida pelo médico do paciente internado. Do pet, a OMS requer verificação da espécie e laudo veterinário atestando as boas condições de saúde, acompanhado da carteira de vacinação atualizada e autenticada por veterinário com registro no órgão regulador da profissão.

Apesar do projeto ainda estar em tramitação na Assembleia, em outubro de 2015, Rejane Chili, internada com câncer em fase terminal, recebeu a visita do seu cão de estimação no Hospital Ernesto Dornelles em Porto Alegre. O caso foi registrado pela imprensa na época. O encontro, autorizado pelo Grupo de Cuidados Paliativos do hospital, seria realizado em uma sala específica, mas o cachorro localizou a dona antes, subindo até na maca em que ela estava.

Ao mesmo tempo em que o número de pets é alto nos lares brasileiros, ainda há preconceito na questão de convivência. O aspecto sanitarista de garantir todas as condições para que exista um ambiente asséptico, isento de qualquer possibilidade de contaminação, leva a entender que os animais podem ser portadores de germes e bactérias, dificultando a terapia para humanos. Os médicos gaúchos, segundo a terapeura ocupacional Denise Seixas, têm restrições com cães. “Eles dizem que passam doenças e oferecem riscos a população”, lamenta. Normalmente, esse ponto de vista é de quem possui distanciamento com bichos pois pode ter vivido uma situação traumática que levou a ter essa postura, compreende Regina.

A deputada estadual acredita fielmente que a TAA melhoraria o Sistema Único de Saúde (SUS). O tratamento seria mais rápido pois diminuiria a frieza dos ambientes hospitalares e estreitaria o vínculo de afeto e carinho. “O paciente passa a ser cuidado e não tratado”, pondera Regina. Pelo aumento na rapidez do processo, o custo consequentemente fica baixo. Outro ponto benéfico da TAA é o comprometimento do paciente com a vida, já que está levando com ele outro ser vivo. O animal transmite pelo olhar um estímulo que faz o sistema imunológico funcionar de forma a estimular a recuperação do paciente, criando, assim, uma expectativa para sair do hospital. A mente humana é o somatório de condições e situações, não permitindo se compartimentalizar, portanto, a terapia envolve tanto a parte psicológica como a física. “O psicológico reflete no físico”, constata Regina.

A falta de formação profissional específica dos especialistas da saúde para fazerem uso dos animais impede o avanço da prática. Qualquer pessoa que for trabalhar com a TAA precisa ter formação nessa área. Segundo a médica Bernardette Serra, que já utilizou a terapia no tratamento de pacientes, no Brasil ainda há poucos cursos específicos no campo e geralmente tem duração de dois a três dias. O Instituto Nacional de Ações e Terapia Assistida por Animais (Inataa), em São Paulo, realiza um curso avançado para as áreas de saúde e exige dos alunos conhecimento básico e de preferência, já ter trabalhado com a terapia. As turmas são restritas pois há poucos interessados. Apesar de poucos recursos, a médica acredita que se está no caminho certo.

Se o projeto de lei for aprovado, todos os estabelecimentos passam a reconhecer a TAA por meio da visitação no seu recinto. Nessa trilha, é preciso fazer com que as chefias e as gerências entendam que esta é uma possibilidade de melhora do paciente que está aguardando sair do ambiente hospitalar. A deputada estadual ainda sugere que os hospitais tenham um responsável pelo trânsito entre os pacientes e os bichos. Ela diz ter um trajeto a ser ainda a ser percorrido. “No final, os benefícios serão muito maiores que as dificuldades”, acredita Regina.

Procurado pela reportagem, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (CREMERS) preferiu se manifestar por meio de nota sobre a possibilidade de introdução de qualquer outra terapia. Segundo a Resolução 1982/2012 do Conselho Federal de Medicina, novas intervenções terapêuticas, antes de sua aplicação, devem ser consideradas como experimentais. “Apesar de haver relatos de benefícios do convívio com animais, necessita-se ainda de comprovação e condições de infraestrutura para sua implementação nas instituições hospitalares do Brasil”, afirmou o conselho no texto.

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