Banheiros inseguros

Localizados em lugares escuros e rodeados por árvores, são alvos fáceis de assaltantes e vandalismo no centro da Capital

Fernanda de Souza
Fio da meada
6 min readJun 28, 2016

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Utilizados diariamente, os sanitários são uma alternativa para os cidadãos, que dividem o espaço com moradores de rua. Uma das principais reclamações feitas pelos usuários é em relação à insegurança destes ambientes. Instalados em lugares movimentados, os banheiros dos Terminais Parobé e Conceição são considerados os mais perigosos. Visando diminuir os índices de roubos aos frequentadores e funcionários, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) resolveu reduzir o período de funcionamento destes ambientes, que anteriormente ficavam abertos 24 horas. “Por enquanto, não existe previsão de abertura 24 horas, por questões de segurança”, diz Otamar Osório Bauler, da Divisão de Limpeza e Coleta do DMLU.

Mesmo sem estatísticas para comprovar o argumento, os comerciantes afirmam que a providência adotada não reduziu os casos de roubos, mas prejudicou os trabalhadores que não possuem outras alternativas durante a noite, já que os estabelecimentos onde trabalham, como as bancas de vendas de frutas, ficam abertas 24 horas, e os sanitários fecham às 21h. Até o dia 15 de janeiro deste ano, na região central, eram oferecidos à população nove banheiros públicos, distribuídos em parques, viadutos e terminais de ônibus. Atualmente, apenas oito estão disponíveis. O sanitário localizado junto à avenida Paulo Gama, de responsabilidade da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smam), foi demolido por não fornecer condições de uso. Segundo o DMLU, que oferecia mão de obra e insumo para a atividade do banheiro, não existe previsão para a construção de um novo prédio no local.

Durante a visita da reportagem a todos os oito sanitários disponíveis à população, foram encontrados ambientes limpos e em plenas condições de uso. No Parque Farroupilha, por exemplo, existem dois banheiros, um próximo à João Pessoa e outro nas imediações da Osvaldo Aranha. O funcionamento de ambos é das 8h às 20h. Cercados de moradores de rua, os dois sanitários da Avenida Borges de Medeiros possuem o mesmo período de atividade dos instalados no Parque Farroupilha. Ailton Marculino da Silva trabalha no banheiro da Avenida Borges de Medeiros há quatro anos e já viu pessoas sendo roubadas no entorno do lugar. A falta de policiamento efetivo preocupa o funcionário. “Às vezes passam alguns policiais, mas é complicado porque quando não passam ficamos com medo, a segurança é pouca”, diz, em tom assustado.

O sanitário da Praça da Alfandega, segundo o DMLU, tem o seu horário de funcionamento estipulado entre 8h e 20h, incluindo domingo. Porém, durante a visita da reportagem realizada em um domingo, o mesmo se encontrava fechado. Viviane Silva trabalha na Praça como gari. Durante o seu expediente, presenciou assaltos nos arredores dos banheiros, onde, segundo ela, geralmente as vítimas são mulheres e os roubos ocorrem com maior frequência no período da manhã e da noite. Perguntada a respeito da segurança, Viviane questiona o trabalho da polícia. “Raramente vejo policiamento no local e quando passam, muitas vezes não fazem nada”, declara.

Segundo a Brigada Militar, não existem dados específicos sobre as ocorrências nas cercanias dos banheiros públicos do centro da Capital. “Não existem pesquisas ou qualquer estudo neste sentido na Brigada Militar, mas tem-se que estes locais sofrem com o vandalismo e são comumente frequentados por moradores de rua. Neste cenário, aparecem as oportunidades para crimes, contudo não são significativos na área do batalhão”, afirma Marcus Vinicius Gonçalves, tenente-coronel do nono Batalhão da Polícia Militar.

Os sanitários do Terminal Parobé oferecem riscos aos frequentadores por estarem instalados no subsolo da plataforma. Uma escadaria mal iluminada dá acesso a um corredor estreito. José de Moura, de 65 anos, trabalha no local há 15. Segundo Moura, são assaltados tanto homens quanto mulheres, mas 95% das vítimas testemunhadas por ele são homens. Para o trabalhador, não existe um período certo para os assaltos ocorrerem. Além de roubos, Moura também presenciou agressões. Denise Garcia, sócia do Bar e Lancheria do Irmão, situada na Praça Parobé, concorda com a declaração de Moura. Segundo a comerciante, além de assaltos, ocorrem tumultos no ambiente. Denise, ainda garante que a partir dessas confusões uma vítima é abordada.

De acordo com o tenente-coronel Marcus Vinicius, os policiais que atuam em locais com banheiros, praças, rodoviárias, entre outros ambientes públicos, mencionam que as vítimas geralmente não frequentam estes locais, por isso, desconhecem os perigos e circulam sem os cuidados mínimos de proteção. O curto tempo de detenção dos criminosos também é um fator prejudicial à segurança. “Um sujeito foi flagrado roubando no entorno da UFRGS. Foi preso pós-fato duas vezes e em nenhuma ficou encarcerado, o que vai acontecer? Vai roubar de novo”, afirma.

Edgar Santos trabalha para a prefeitura da Capital há 28 anos. Atualmente, está responsável pela limpeza do banheiro masculino que fica na Avenida Independência, próximo ao Hospital Santa Casa de Misericórdia. Dentro do sanitário, o funcionário nunca presenciou assaltos, somente no entorno. Com período de funcionamento também das 8h às 20h, a falta de iluminação preocupa. Santos já entrou em contato com a Secretária Municipal de Obras e Viação (SMOV) para tentar solucionar o problema, mas sem êxito. Ele faz um apelo: “Estamos pedindo urgentemente, imediatamente lâmpadas, porque a noite é ainda mais perigoso”. Embora já tenha presenciado assaltos próximo ao sanitário, Santos alega que o local é o menos visado pelos assaltantes. Para ele, o Terminal Parobé é o mais perigoso, isso porque já trabalhou no banheiro durante três anos.

Apreensivo, Santos se recorda de uma cena assustadora no antigo ambiente de trabalho. Era um dia como qualquer outro. Filas de usuários esperando uma vaga para a utilização do banheiro, coisas para limpar, cansaço, chegada e saída de ônibus. Mas de repente toda a rotina mudou. A tranquilidade e a exaustão deram lugar ao medo. Uma colega de trabalho de Santos foi esfaqueada dentro do sanitário feminino. Na época, o banheiro ficava aberto 24 horas.

A funcionária, cujo nome prefere não divulgar por questões de segurança, limpava o chão no período da noite, quando uma mulher entrou para utilizar o sanitário. Preocupada com a segurança da usuária, a trabalhadora pediu para que a moça voltasse depois, já que o chão estava molhado e poderia ser perigoso para ela. Irritada com a situação, a mulher saiu. Minutos depois, voltou ao banheiro portando uma faca. Sem receios, começou a esfaquear a funcionária nas mãos e na barriga. Para se desvencilhar da agressora, a trabalhadora, desesperada, tentou correr. No corredor estreito, acabou batendo o braço na chave geral de luz, deixando tudo escuro. Ao ouvirem os gritos e com a falta de iluminação do Terminal, os fiscais de ônibus desceram as escadas para verem o que estava acontecendo. Foi neste momento que depararam com a funcionária sendo atacada. Graças à chegada dos fiscais, a agressora não matou a trabalhadora. Abalada com a situação, a mulher pediu demissão.

Em função do episódio, o DMLU reduziu o horário de funcionamento para que esses tipos de agressões não voltem a acontecer. Atualmente, o sanitário funciona das 6h às 21h. “Graças a Deus nunca aconteceu nada comigo”, lembra Santos. Durante seus três anos de trabalho no Terminal Parobé, Santos procurou não se intrometer nas discussões que ocorriam a sua volta. “Eu não provocava e não provoco, fico quieto. Se viessem lá, eu virava as costas, era cego, surdo e mudo, não vou morrer por um celular”, afirma.

Outro sanitário considerado perigoso por parte dos usuários e funcionários é o instalado no Viaduto da Conceição. Este também teve seu horário de funcionamento reduzido. Atualmente abre das 6h às 21h. De acordo com Eva Pereira, que trabalha há seis meses no banheiro feminino, os assaltos ocorrem no entorno do local, mesmo com o policiamento.“Existe policiamento efetivo, mas mesmo assim, não diminui os assaltos, pois quando a polícia não aparece os assaltantes voltam de novo”, declara.

Segundo os trabalhadores dos sanitários, a cada seis meses os funcionários recebem orientações por parte do DMLU, na Azenha. As recomendações são referentes ao comportamento dos funcionários para com os usuários. Em casos de assaltos ou brigas dentro do sanitário, a ordem é para que os trabalhadores não tentem ajudar a vítima. Só após a ocorrência poderão entrar no banheiro para ver o que foi danificado e posteriormente fazer um relatório que será encaminhado à diretoria. Ao receber, o relatório a diretoria do DMLU vai até ao banheiro para acompanhar o trabalhador na realização do boletim de ocorrência. Somente após estes procedimentos os objetos danificados poderão ser repostos.

Durante as entrevistas, houve depoimentos contraditórios por parte de duas funcionárias dos sanitários da Avenida Independência e Terminal Parobé. Ambas afirmaram que os banheiros onde trabalham são seguros, porém as declarações foram desmentidas por seus colegas. Santos, por exemplo, comenta que até mesmo Yeda Luz, que também trabalha no local, estava com medo. Acrescenta ainda que não há horário para os assaltantes agirem. Para o tenente-coronel Marcus Vinicius o principal agravante da falta de segurança nesses locais é que as vítimas não procuram a ajuda da polícia. Em consequência dessa atitude, as autoridades desconhecem os casos relatados e não podem controlar a criminalidade.

Fernanda De Souza

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