Arte como suporte para a alfabetização visual

Natalia Pery
FJORD Fala
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5 min readJul 31, 2017

Por meio da arte, somos muito mais capazes de ver o mundo com o máximo potencial que ele tem a oferecer. Não é questão apenas de ver, ouvir, sentir e tocar, mas também de saber o contexto histórico, conhecer o artista e o que ele ou ela quer comunicar. É só assim que somos, de fato, impactados e transformados pela arte.

O estudo prático da arte também nos dá muitas ferramentas de expressão, o que nos torna mais corajosos para experimentar e desenvolver nosso lado criança, mais abstrato, inconsciente e subjetivo.

“Entremos aí em pleno domínio da filosofia. Não aspira ela a compreensão da realidade e o sentido da vida? A arte nada ensina a não ser a significação da vida, diz-nos Henry Miller.”— Aloisio Magalhães artista visual, grande pensador e criador do design brasileiro, em frase utilizada para seu livro experimental, Improvisação Gráfica.

Sabendo profundamente como obras são feitas, por quem e a qual período da história pertence, respondemos muitos ‘porquês’ sobre coisas que, provavelmente, não tínhamos pensado antes. É uma sensação que nos transporta para outro degrau e nos traz um novo ponto de vista, de onde podemos ver as coisas de cima. Tão importante quanto saber o contexto, é tornar-se mais perceptivo e aprender a reconhecer pequenos detalhes em emoções, o que nos ajuda a empatizar e nos relacionar com pessoas.

Aprender arte é descobrir a história do mundo e desenvolver sua própria opinião sobre os fatos, relacionando a eles, os aspectos visuais. Como consequência, evoluímos nosso intelecto e senso crítico.

Quando digo ‘arte’, não é apenas aquela clássica europeia, padrão do ensino da academia de belas artes, mas também a história da arte e design ancestral e primitivo, de diversos outros continentes, como América Latina, África, Ásia e Oceania.

Como sabemos, no funcionamento do nosso regime capitalista o caminho educacional passa longe da educação artística propriamente ensinada. Arte desenvolve senso crítico, o que não faz parte dos interesses do poder público. Dessa maneira, é importante que as pessoas estejam focadas em papéis específicos que façam crescer mais e mais a economia. Nossa cultura é uma grande máquina de trabalhadores e consumidores.

A arte aplicada como linguagem visual traz uma gramática para formas e determina códigos visuais. Dessa maneira, trazemos a ideia de uma alfabetização visual, ressaltada pela tecnologia, caminhando em conjunto da linguagem verbal com o objetivo de desenvolver a leitura, criando textos visuais. Nesse aspecto, a arte tem um papel muito importante na educação visual.

Pensar visualmente é uma habilidade que pode ser aprendida e melhorada, uma vez que a linguagem visual existe muito antes da linguagem escrita.

Imagem de pintura neolítica da Serra das Capivaras, Piauí, Brasil.

Pinturas rupestres e também hieróglifos egípcios costumavam comunicar por meio de desenhos e signos. Esses desenhos tinham significados para dizer algo para alguém (discurso). O alfabeto latino que conhecemos hoje foi iniciado e evoluído pelos fenícios, seguido pelo alfabeto grego.

A arte aplicada como linguagem visual traz uma gramática para formas e determina códigos visuais. Dessa maneira, trazemos a ideia de uma alfabetização visual.

Desde o descobrimento da linguagem escrita, imagens e textos fizeram da comunicação algo muito mais rico e eficiente. Por meio de estudos da comunicação de códigos, como a semiologia e a semiótica, é possível descobrir o melhor caminho para o nível de sofisticação da comunicação que temos hoje. Por exemplo, o sistema analógico (fotografia, ilustração, infográficos) proposto por José Luis Carames Lage, tem grande valor referencial por fixar um momento que pode ser interpretado de diferentes maneiras, como uma foto de alguém deitado no chão, que pode significar morte, cansaço, ou um acidente. A foto precisa de um título para dar suporte ao significado.

Além disso, o sistema linguístico, outro também muito eficiente, representa uma sequência lógica de palavras ou parágrafos para ser composto, mas é ainda muito pobre em semântica. Um outro exemplo, novamente proposto por Lage, diz que ler que um cadáver está ensanguentado é menos agressivo do que ver a foto de tal cena. Então, um texto escrito tem significado apenas quando o leitor o traduz em imagens, sinais e sons.

No atual sistema educacional brasileiro, o estudo da arte é um pré-requisito na composição das matérias escolares, depois da implementação revolucionária de Paulo Freire e Mae Barbosa, logo após o fim do governo de Getúlio Vargas. Apesar disso, ensinar arte é ainda uma tarefa difícil. Uma das razões é que a maioria dos professores não estão preparados para passar o conhecimento adiante. Porém, com a introdução da educação artística em escolas brasileiras nos anos 70, a liberdade de expressão pelo ensino da arte teve seu ápice. As aulas eram voltadas a trabalhar a sensibilidade do aluno, valorizando as emoções, a imaginação e libertando pouco a pouco as pessoas do antigo sistema opressor.

A arte ainda nos mostra que somos frágeis, efêmeros e temporários, mas também reaviva a existência humana e suas duas dimensões de conhecimento, o estético (bom, mau, belo, prazeroso, desprazeroso) e o ético (certo e errado).

Resumindo

Em outras palavras, destaco abaixo como a arte poderia nos ajudar a evoluir na perspectiva crítica em relação à linguagem visual, tanto aplicada ao design, como na percepção de cada indivíduo para com o mundo:

  • Expandir referências com o intuito de experimentar mais;
  • Ver como pessoas de outras culturas se expressam visualmente em seu dia-a-dia e o que os fazem pensar de maneira nem melhor, nem pior, mas diferente;
  • Melhorar nossa capacidade em fazer empatia, por adquirir contexto;
  • Refinar e evoluir esse ‘alfabetizado visual’;
  • Traduzir estilos visuais contemporâneos;
  • Usar de maneira eficiente e integrada a linguagem visual e escrita;
  • Compreender que criar discurso por meio da linguagem visual, é uma condição humana.

Como conclusão, se a linguagem visual é sobre aprender uma maneira de se comunicar, todos os seres humanos têm essa capacidade em sua essência. A arte está em todo o tipo de sociedade e no nosso dia-a-dia, mas também nos mantém fora do piloto automático, que nos dá de volta a ‘percepção’. Afinal, qual a melhor maneira de aprender se não enxergando com os olhos, mãos e ouvidos?

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Natalia Pery
FJORD Fala

Pensamentos em Novas Economias, Ecofeminismos e Gine-Ecologia Natural.