Como equilibrar razão e emoção — e outras lições de uma designer visual apaixonada por letras

Natalia Pery
FJORD Fala
Published in
9 min readAug 5, 2019

Tassiana Nuñez Costa, visual designer da Fjord Paris e tipógrafa, fala sobre corpos óticos na web, o papel do designer visual em projetos, e a importância de manter a flexibilidade no processo de design.

Tassiana e a Thelo, tipografia de sua autoria.

Por influência de sua mãe, linguista nascida na Argentina, Tassiana cresceu no Brasil, em um ambiente bilíngue. Apaixonada por outros idiomas, descobriu na tipografia uma forma de expressar de maneira gráfica a linguagem escrita. Nasceu no Rio de Janeiro, mas já viveu em Nova Deli, Cidade do México e Paris, onde mora até hoje.

Entrevistei a Tassiana em abril de 2018. Nesse meio tempo, muita água rolou e esse material ficou maturando para ser degustado hoje, com classe, por vocês.

Enjoy!

Natália Pery: O que a levou a se tornar uma Designer Visual?

Tassiana Nuñez Costa: Eu cresci no Rio e tive duas influências que me fizeram escolher estudar design gráfico. Uma delas foi na minha adolescência. Meu pai trabalhava numa empresa na área de patrocínios e marketing e, com isso, eu tive muito acesso a espetáculos de teatro e dança e a publicações que me marcaram, como o livro A Herança do Olhar: O Design de Aloísio Magalhães. Essas experiências abriram minha cabeça e comecei a entender que queria fazer alguma coisa ligada à estética , mas ainda não sabia muito bem o quê. Outra influência foi o fato de a minha mãe ser linguista, o que me fez crescer com esse amor pelas línguas. Cheguei a pensar em fazer comunicação. Na faculdade, acabei decidindo fazer design porque uma pessoa da minha sala se inscreveu. Eu li a descrição do curso e pensei “acho que é isso!”.

Com o tempo, fui me dando conta de que o design gráfico é uma expressão visual da linguagem, o que, mais tarde, me levou para a tipografia.

Ainda na faculdade, desenvolvi bastante a expressão audiovisual. Descobri a fotografia e o vídeo e a influência que eles tinham na mensagem escrita. Estes foram meus primeiros passos em direção ao design de interação.

Nessa época me mudei para a Cidade do México, o que abriu muito as minhas perspectivas sobre o design. Ali, tive o meu primeiro emprego, no Museo de Arte Carrillo Gil, onde trabalhava em colaboração com um estúdio que nos ajudava a criar os materiais visuais. Eu cuidava da parte de comunicação visual das exposições: convites, programação, os textos da cenografia, pôsteres que ficavam na fachada do museu. Alí eu também trabalhei com uma redatora que conhecia muito de tipografia e, a partir daí, fui desenvolvendo esse amor pelo tema.

De cara, a cultura mexicana, super expressiva visualmente e muito presente na paisagem urbana, me fez sentir em casa. Mas, com o tempo, fui vendo que era diferente: no México há uma conexão com as culturas pré-colombianas que nós não temos no Brasil. É algo tão enraizado e presente que você vê a influência na comida, nos tecidos, no falar das pessoas, nas inúmeras palavras de origem nahuatl. Tudo aquilo fazia parte de uma realidade que eu nunca tinha vivido antes.

Em Paris, fiz uma pós em Criação e Novas Tecnologias, onde desenvolvi um projeto de augmented reality (realidade aumentada) aplicada à leitura. A proposta do projeto era de criar uma experiência de leitura híbrida, através de um marcador de páginas eletrônico, que adicionava uma camada de informações virtuais a um suporte de leitura de papel. Como se um livro de papel pudesse ter hyperlinks.

Foi trabalhando com a forma do texto digital que fui sendo levada a fazer uma segunda pós em Desenho de Tipos.

NP: E como você busca dar razão às suas decisões de design e tipografia em um projeto? O trabalho do designer visual implica em colocar muita emoção no que faz, não é?

TNC: O equilíbrio entre a emoção e a razão é o conflito eterno do designer. Não importa a área do design, a gente tem sempre aquele lado problem solving mais racional, que gosta de justificar as coisas por a +b, argumentar, identificar bem o problema e responder de forma precisa.

Na tipografia, por exemplo, eu estudei como desenhar uma fonte para tela. Nesse caso, foi importante entender o que já tinha sido feito, como outros designers acharam soluções para esse desafio e como eu poderia usar as limitações técnicas do suporte digital para fazer escolhas formais interessantes nos desenhos das letras. Ao mesmo tempo, eu não acho bom quando a gente aplica métodos de forma totalmente cega, replicando o que foi feito em projetos passados, do tipo “ok, agora vamos fazer entrevistas com usuários, depois vamos fazer uma jornada, encontrar as soluções e pronto, é assim que se faz design de serviços”. Os designers de serviço também têm que fazer uso da sensibilidade e do lado emocional e intuitivo. Por isso é importante a gente ter pessoas com diferentes bagagens e histórias numa mesma equipe. Pessoas que olham para o todo e pessoas que olham mais para o detalhe. É sempre bom a gente saber navegar entre esses dois aspectos para criar algo realmente pertinente.

Só se cria algo realmente interessante com muita experimentação, teste e vísceras. Se fizermos aquela coisa muito “by the book”, a gente pode até resolver alguns problemas, mas você talvez vá omitir algo ou deixar passar ideias preciosas que fariam toda a diferença para o seu produto vingar ou não. É o famoso Love Index™️ da Fjord, precisa ter um quê de love.

Só se cria algo realmente interessante com muita experimentação, teste e vísceras.

Nosso trabalho acaba misturando tudo e às vezes é difícil separar a vida pessoal do trabalho. Se você não está motivado, não tem como aquilo funcionar. Há pouco tempo, li uma entrevista que falava sobre falência motivacional. Empresas que, antes de falirem economicamente, tiveram uma falência motivacional dos empregados. Isso porque, a partir do momento em que as pessoas não estão mais motivadas, não têm mais empatia, as equipes não funcionam direito. Não tem mais liga e aí o bolo não cresce!

A partir do momento em que as pessoas não estão mais motivadas, não têm mais empatia, as equipes não funcionam direito. Não tem mais liga e aí o bolo não cresce!

NP: E, no intuito de manter a motivação, quais são as perspectivas para o designer visual crescer como profissional?

TNC: Aqui no estúdio de Paris vejo muitos perfis diferentes, alguns que gostam de se especializar em uma coisa só e outros que são mais abertos. Eu me vejo mais nesse perfil misto. Gosto muito de service design e de pesquisa. Eu gosto de poder participar da parte mais estratégica e pensar o serviço, assim como adoro pensar em representações visuais que tornem as ideias tangíveis O maior desafio é justamente sintetizar e traduzir o material intelectual da pesquisa com visuais que façam sentido.

Sobre os caminhos de evolução para um visual designer, aqui na Fjord Paris nós não temos um Visual Design Lead oficial, mas o time tem pleiteado isso e organizamos semanalmente encontros do nosso craft para falar do papel do visual designer e da sua condição. Ainda somos confrontados com aquela coisa de “faz esse Power Point pra mim?” e a gente luta muito contra isso, tentando explicar e valorizar o que fazemos, pois esse tipo de pedido tem muito a ver com falta de entendimento dos nossos colaboradores. Para o visual designer, especificamente, é bem difícil esse desafio pedagógico da clareza do seu papel. Estamos trabalhando numa jornada que mostra as atividades e momentos de atuação de um visual designer ao longo de um projeto de design de serviço. O espectro de atuação pode ser super amplo, entre a definição de uma linguagem visual para o projeto até a criação de motion para apresentar um conceito, passando pela prototipagem rápida, tipo quick and dirty. O Visual Design Lead é uma pessoa que deve ajudar o estúdio a defender essa visão, se posicionar e proteger os designers quando eles estão em situações pouco valorizantes. Ele ou ela também deve inspirar e saber transmitir sua experiência para a equipe.

Ainda somos confrontados com aquela coisa de “faz esse Power Point pra mim?” […] Para o visual designer, especificamente, é bem difícil esse desafio pedagógico da clareza do seu papel.

E por falar em transmissão de conhecimento, uma coisa legal que temos feito às sextas-feiras na Fjord Paris são os 'internatos' ou ‘ateliers’. São pequenos cursos que alguém da equipe prepara. Tivemos um de fotografia com alguns exercícios e dicas de como documentar um estudo de campo, materiais que você vai precisar, como bolar uma linguagem para o projeto, organizar os arquivos, etc. Eu, por exemplo, dei um atelier sobre as bases da tipografia, as classificações existentes, como escolher e combinar tipos, quais são as ferramentas e os recursos que podemos usar, regras de aplicação, etc. Essa troca é importante. O que para a gente parece básico, pode ser super útil e enriquecedor para os nossos colegas e vice-versa.

NP: E quais são as recomendações que você daria para aplicação de tipos em produtos digitais?

TNC: Vários fatores entram em jogo: um deles é o contexto de leitura. É importante considerar o tipo de suporte (aplicativo, site, etc). Outro fator é a natureza do texto: trata-se de um texto corrido, que precisa de uma leitura com atenção? uma legenda escrita em um corpo pequeno? ou são palavras chaves e títulos nos quais a tipografia passa quase a ser apreciada como uma imagem? Em função da resposta, você precisa de uma tipo mais robusta que favorece a legibilidade, ou pode fazer apelo a formas mais trabalhadas. Também gosto de escolher a tipo pensando no designer e na época em que ela foi desenhada, tentando estabelecer uma relação com o conteúdo do projeto. E não podemos esquecer de considerar o aspecto financeiro e legal na hora de escolher uma tipografia: existe um orçamento previsto para a aquisição e divulgação da tipo? caso contrário, é preciso fazer uso de tipos “livres” de direitos autorais.

Uma das questões da tipografia digital hoje é a das fontes variáveis, um formato novo que está surgindo. A promessa das fontes variáveis é conter uma família de fontes inteira em um único arquivo.

Imagina uma fonte dinâmica onde você possa escolher o peso, a largura ou a inclinação das letras em função do tamanho ou do suporte no qual ela será apresentada. A flexibilidade desse novo formato abre um mundo de possibilidades de personalização e adaptação da tipografia em suportes digitais. Sem contar com a melhora no desempenho, na hora de carregar as fontes na página.

A tipografia também está se tornando responsiva e foi justamente esse aspecto que eu quis explorar com o projeto sobre corpos óticos para web que eu comecei na pós de desenho de tipos. Antigamente, na época das prensas mecânicas e das tipos móveis, o desenho das letras mudava de acordo com o corpo e compensações óticas eram feitas para otimizar a leitura. Essa prática dos corpos óticos se perdeu com o mundo digital e só recentemente começou a ser retomada por alguns designers.

A tipografia também está se tornando responsiva e foi justamente esse aspecto que eu quis explorar com o projeto sobre corpos óticos para web.

A família tipográfica que eu desenhei, chamada Thelo, tem três desenhos diferentes: um desenho para corpos pequenos, uma para corpo de texto e outro para títulos. Ela foi pensada inicialmente para suportes de leitura digitais, com a ideia de que a tipografia pode variar de acordo com o contexto e o suporte em que ela será lida.

Eu estou atualmente terminando esse projeto, com o acompanhamento de uma foundry francesa, a 205TF que vai distribuir a Thelo em breve.

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Muito obrigada à Tassiana Nuñez Costa pelo tempo da entrevista e pela sua dedicação e paixão pelo design e pela tipografia, claramente transmitida aqui.

Eu espero que essa entrevista possa inspirar você, que leu até aqui, e a valorizar o trabalho de designers visuais e profissionais da tipografia, como a Tassiana. ❤

Fiquem atentos com o lançamento da Thelo e incentivem a compra de tipos originais como essa! ;)

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Natalia Pery
FJORD Fala

Pensamentos em Novas Economias, Ecofeminismos e Gine-Ecologia Natural.