Mufasa, o paizão

Andrea Wirkus
flip-e
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3 min readAug 9, 2019

E porque ele pode ser considerado um dos personagens mais incríveis da Disney

A patinha de Simba na pegada de Mufasa, no live action (2019) e no desenho de 1994

Este texto não foi escrito à toa; foi fruto de um almoço em que eu e dois amigues debatemos alguns dos fatores que fazem do pai do Simba um personagem único na história das criações da Disney — e, no geral, dos filmes que marcaram a nossa infância (isso se você integra este fabuloso nicho etário que orla os 30 anos). Seguem:

  • Mufasa é um paizão. Presente, responsável, paciente e afetuoso, ele resolve as tretas com o filho na conversa, sem surra e/ou punição. O cara leva tão a sério esse lance de paternidade que volta do além em forma de nuvem pra orientar a cria perdida...
  • Monarca, porém competente. Mufasa é rei de tudo aquilo que o Sol toca, mas sabe que integra um complexo sistema cujo equilíbrio depende de todos os seres que coabitam a região da pedra do rei. No live action, ele faz questão de explicar que sua função não é mandar em tudo, mas sim zelar pela manutenção desse delicado equilíbrio. Sem abuso de poder, sem favorecimentos, sem senso de superioridade e arrogância.
  • O “ciclo da vida”. Até por ser um monarca ímpar, Mufasa entende que todos os seres vivos dependem uns dos outros para existir e que, portanto, ninguém é melhor do que ninguém. O antílope serve de alimento para o leão que, por sua vez, virará a grama que alimenta o antílope. Tudo que é vivo morre, somos todos iguais. “E assim estamos todos interligados no grande ciclo da vida”. É óbvio que a gente acaba focando no Hakuna Matata, mas ainda é mérito do Mufasa ter tentado nos ensinar essa lição valiosa.
  • A perda. Mufasa não é o primeiro personagem de desenho da Disney que morre no meio de um filme, mas é a primeira morte que provoca estragos irreparáveis na formação do indivíduo, até porque foi a primeira que se abateu sobre uma geração que nasceu com tudo pra ser feliz: a dos millennials. Antes disso, em 1942, a mãe do Bambi fora assassinada por um caçador durante uma fuga desenfreada, em um final de inverno gelado e escuro. Ouve-se um estampido e é isso, Bambi continua a trilhar seu caminho sozinho — e o faz, aliás, em um cenário marcadamente sombrio, com uma paleta de cores limitada. Em Bambi, pesam muito as questões da solidão, do sofrimento e da [tentativa de] renovação. O mundo estava no meio da Segunda Guerra: a vibe era outra, radicalmente diferente daquela do início dos anos 90. Rei Leão, até a cena da debandada dos gnus, parecia ser só mais um filme colorido, divertido, cheio de aventura e músicas legais… Subitamente, o personagem mais cativante do rolê é brutalmente assassinado pelo irmão!!! E nós assistimos à queda e a todo o desespero de Simba que, não bastasse pular sobre o corpo do pai, morder-lhe a orelha na tentativa vã de acordá-lo, ainda se enfia sob sua pata de rei e fica lá, encolhido, choroso, culpado. Dramático, pra dizer o mínimo. Mas sobretudo marcante, no sentido de que força um bando de crianças a lidar com emoções das quais elas são normalmente protegidas: tristeza, raiva, perda, impotência…

Mufasa é desenhado para ser um grande afeto que eventualmente perdemos. Bastam 10 minutos de filme para que nos sintamos envolvidos em sua relação com Simba, seguros com ele por perto. E daí ele morre.

E agora você, millennial adulto, precisa explicar pro seu filho, um pós-millennial, por que diabos o Mufasa e a Sarabi permitiram que o Simba convivesse com o pulha do tio Scar, em primeiro lugar.

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Andrea Wirkus
flip-e
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do tipo inquieto, um pouco infantil, compreensivelmente irascível.