Zootopia e a desconstrução de estereótipos

Andrea Wirkus
flip-e
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3 min readOct 31, 2016

Fábulas constituem um estilo literário em que os personagens são todos animais e deparam-se com situações análogas às do cotidiano humano, cujos desfechos incorporam uma moral. Zootopia, animação lançada este ano pela Walt Disney Animation Studios, é uma divertida fábula sobre a ideia de que não só não devemos julgar livros pelas capas, como também não podemos catalogar grupos de livros mediante características replicadas pelo senso comum.

O tema não é necessariamente novo na vasta prateleira de animações com mensagens edificantes. De certo modo, quase toda animação de pegada infantil/infanto-juvenil trata da quebra ou da superação de estereótipos e fatores limitantes por parte dos personagens. Shrek e Fiona, por exemplo, obrigam os espectadores a “aceitarem” que suas verdadeiras formas, não importando o poder de decisão que ambos tiveram sobre suas aparências físicas nos dois primeiros filmes da saga, são as de ogro e ogra — e eles não poderiam ser mais felizes de outra maneira. Em Universidade Monstro, Mike Wazowski, o monstro verde de um olho só, amigo de Sullivan Truck, é confrontado com a realidade de que não é e talvez nunca seja tão assustador quanto o colega, por mais que estude e se dedique à arte de amedrontar. Ele dribla isso aliando-se a Sullivan, descobrindo que duas cabeças pensam e assustam melhor do que uma.

Mike Wazowski sabe o que fazer para chegar lá

Em Zootopia, no entanto, além da superação pessoal e da ideia de que unir forças pode ser bom para todos os lascados, o argumento da quebra de estereótipos é alçado a outro nível de profundidade quando a protagonista, a coelha policial Judy Hopps, deliberadamente atribui a determinado grupo de animais cidadãos de Zootopia um “fator biológico” que tornaria a agressividade destes um comportamento inerente as suas essências, independente de sua socialização como indivíduos civilizados. Isso provoca o maior auê na cidade que, tão complexa quanto as grandes metrópoles humanas, começa a estigmatizar grupos de animais caçadores (leões, tigres, raposas, etc.), tal como muitas vezes — olha só — fazemos, por exemplo, com determinadas classes sociais. Com identidades de gênero. Com tons de pele.

Zootopia torna extremamente palpável um traço contundente da realidade social humana e, por isso, é genial em termos de roteiro. A analogia estabelecida entre as besteiras mal-elaboradas que os humanos são capazes de replicar por conta de ideias pré-concebidas e o que acontece nos últimos 20 minutos de filme gera um instantâneo esclarecimento diante de rixas e embates que parecem enraizados na nossa sociedade.

Nick, a raposa malandra, e Judy, a coelha policial esforçada, formam a dupla chave do filme e representam, cada uma, uma peça do antagonismo que Zootopia discute: quem é o lobo de quem em uma cidade onde todos os animais convivem?

A exemplo de animações mais adultas, crianças podem se perder em alguns momentos do filme, afinal Zootopia pretende-se um thriller de mistério com sacadas espertinhas, mas nada que comprometa os momentos engraçados e de ação da trama. Digo apenas que, se eu fosse mãe, faria questão de explicar certas coisas da vida para os pimpolhos a partir de várias situações e cenas do filme. ;)

Ficha técnica

Zootopia — Essa cidade é o bicho! (Zootopia) — 2016
Walt Disney Animation Studios
Avaliação: *****

Lembrando que:
***** ótimo, assistam!
**** bom. assistam e tirem suas próprias conclusões!
*** ok.
** ruim, não recomendamos.
* aff, passem longe.

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Andrea Wirkus
flip-e
Editor for

do tipo inquieto, um pouco infantil, compreensivelmente irascível.