Roger Machado no Fluminense: conheça o perfil do novo técnico tricolor

Herói da Copa do Brasil em 2007 retorna ao clube como treinador

Caio Vinícius
Fluminense Stuff
10 min readFeb 24, 2021

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Por Caio Vinícius

(Foto: Buda Mendes/Getty Images)

O Fluminense tem um novo treinador para a temporada de 2021: Roger Machado. O ex-jogador retorna ao Tricolor das Laranjeiras, mas dessa vez na beira do campo e num ano especial para a torcida, já que o clube está de volta a Copa Libertadores após 8 anos.

Considerado um dos treinadores mais promissores da nova geração, Roger, atualmente com 45 anos, teve altos e baixos na carreira como técnico. Nesse texto, o Fluminense Stuff traz um pouco de sua trajetória, além de pontos positivos e negativos, características e opiniões de quem já teve o comandante em seu time de coração.

Ex-lateral esquerdo e zagueiro, Roger atuou em apenas dois clubes no futebol brasileiro: Grêmio e Fluminense. Nascido em Porto Alegre, foi revelado pelo time gaúcho e se tornou ídolo. Se tornou um dos jogadores mais vitoriosos do Grêmio, conquistando três títulos da Copa do Brasil, quatro Campeonatos Estaduais, Brasileirão, Libertadores e Recopa Sul-Americana.

Já no Rio de Janeiro, marcou sua história ao fazer o gol que deu o primeiro título de Copa do Brasil ao Fluminense e foi um dos integrantes do time de guerreiros no vice em 2008. Naquele mesmo ano, se aposentou e começou a estudar para virar treinador.

O início da carreira como técnico

A carreira na beira do gramado começou no Grêmio como auxiliar técnico de Renato Gaúcho, que o treinou no Flu. Na época, chegou a comandar a equipe azul e branca em dois jogos, ambos clássicos contra o Internacional e os venceu por 2 a 1. Foi assistente até 2013, quando decidiu dar um salto na carreira e virou treinador do Juventude, mas a passagem durou pouco tempo e foi demitido após 6 meses. Logo em seguida foi contratado pelo Novo Hamburgo, onde chamou a atenção pela boa campanha e voltou ao Grêmio, dessa vez como técnico fixo.

  • Números pelo Juventude: 16 jogos, 8 vitórias, 4 empates e 4 derrotas.
  • Números pelo Novo Hamburgo: 32 jogos, 12 vitórias, 15 empates e 5 derrotas.

Para falar um pouco sobre o trabalho dele na elite do futebol brasileiro, convidamos alguns parceiros para nos dar um panorama do técnico em cada um dos clubes em que treinou.

- Grêmio: uma aposta que surpreendeu

Grêmio foi o primeiro time da Série A treinado por Roger (Foto: Lucas Uebel/Grêmio)

Análise de Nicolas Müller.

Roger Machado recebeu um Grêmio na lona em 2015. Buscando diminuir o enorme déficit financeiro dos anos anteriores, o clube adentrou a temporada precisando vender alguns jogadores importantes e, consequentemente, obrigando-se a dar espaço às categorias de base. Em uma tarefa que Luiz Felipe Scolari sucumbiu, Roger Machado apareceu pro futebol brasileiro, levando um elenco de garotos e “refugos” ao terceiro lugar do Brasileirão e desenvolvendo de grande forma jogadores como Luan, Pedro Rocha e Walace, que seriam vitais nos títulos posteriores.

Propondo um estilo de jogo baseado em posse de bola, muita movimentação e progressão curta, Roger utilizou quase que majoritariamente o 4–2–3–1 como plataforma principal. Soube como ninguém potencializar Luan como falso nove e deu enorme peso aos volantes-armadores como Maicon e, em menor escala, Walace. Transformou um time com pouco investimento em um dos mais estéticos e competitivos do país.

Por outro lado, para quem não lembra, o trabalho de Roger no Grêmio termina no segundo semestre de 2016, após meses de resultados ruins e instabilidades enormes no desempenho. A marcação aérea sempre foi por zona e estava sendo executada em um nível catastrófico e psicologicamente o time estava entregue desde os primeiros meses do ano, após fracassos no Gauchão e na Libertadores. Mesmo assim, deixou um importante legado para Renato Portaluppi conquistar a Copa do Brasil alguns meses depois.

Em depoimento a um canal no Youtube, o meia Douglas comentou sobre como eram os treinos com o treinador.

  • Números pelo Grêmio: 93 jogos, 48 vitórias, 21 empates e 24 derrotas.

- Atlético-MG: primeiro título na carreira e a cultura do imediatismo

Campeonato Mineiro foi a primeira taça levantada pelo técnico (Foto: Divulgação/Atlético-MG)

Análise de Matheus Eduardo, da Superesportes-MG.

Roger no Atlético pegou uma fase que o time precisava mudar a forma de jogo. Se agora o Sampaoli tem sucesso com ataque posicional/jogo de posição, e antes o Larghi também trabalhou assim, o primeiro a incentivar isso foi o Roger, lá em 2017. Assumiu o Galo ainda naquela “herança” do estilo Galo Doido, uma forma de jogar diferente, e promoveu uma mudança grande: time sempre prezava por mais passes curtos, continuidade das jogadas em espaços menores, aproximações nos lados do campo, etc.

Com ele, o Galo teve a melhor campanha geral da primeira fase da Libertadores em 2017, foi campeão mineiro tendo duas boas partidas contra o Cruzeiro na decisão, e abriu vantagem contra o Botafogo na Copa do Brasil. Muitos jogadores mostraram um ótimo futebol (e juntos) com ele, como Cazares, Otero, Robinho, Elias e Fred conseguiram render bem juntos quando trabalhou uma equipe que jogava mais com os passes curtos e velocidade.

Análise sobre a construção ofensiva do Atlético-MG em 2017 (Vídeo: Footstats)

Mas o time oscilava no Brasileiro (pior aproveitamento em casa na década foi com ele) e, como perdia jogos em casa, a paciência acabava. Acabou demitido antes de disputar as partidas decisivas das oitavas da Libertadores e oitavas da Copa do Brasil — resultado: Micale assumiu e o Galo foi eliminado das duas competições.

Desde que chegou se deparou com diferentes problemas: perda de peças importantes no elenco, cobranças muito altas devido ao nível do time e as campanhas nos últimos anos. Ele acabou sendo refém de um elenco que não estava bem reforçado (por exemplo, começou a temporada só com um volante no elenco). Trabalho também teve tratamento injusto da diretoria, no meu ponto de vista. Daniel Nepomuceno sempre foi imediatista e queimou cartucho mandando ele embora; posteriormente, o time piorou e Rafael Carioca escolheu ir para o Tigres, por exemplo, porque faltava entorno competitivo e as dívidas passaram a subir.

Neste texto, em 2017, Matheus detalhou o trabalho de Roger na equipe atleticana, trazendo uma análise mais aprofundada sobre os planos de jogo e as diferentes tentativas de adaptação do treinador.

  • Números de Roger Machado no Atlético-MG: 42 jogos, 22 vitórias, 9 empates e 11 derrotas. Foi campeão do Campeonato Mineiro.

- Palmeiras: expectativa e involução

Trabalho no alviverde teve início promissor, mas acabou de forma negativa (Foto: César Greco/Palmeiras)

Análise de Mateus Moreira, do Análise Verdão.

Roger Machado chegou em 2018 com uma expectativa altíssima após um 2017 frustrante do Palmeiras. Mesmo com um elenco recheado e muita pressão por parte da imprensa, iniciou a trajetória com apoio quase que incondicional da torcida no Paulista. Começou o trabalho com um 4–1–4–1 e com a ideia de propor um futebol propositivo. Em termos de resultados, finalizou o Paulista e fase de grupos da Libertadores com as melhores campanhas nas respectivas competições. Porém, o desempenho da equipe foi involuindo gradativamente levando à demissão, sem cumprir o prometido “futebol bonito”.

Nos pontos positivos, conseguiu potencializar Lucas Lima, Keno e Bruno Henrique no início de suas passagens pelo Palmeiras, peças-chaves para o bom trabalho de Felipão; Venceu com propriedade o Boca na Argentina, algo memorável para a torcida e entregou bons resultados no Paulista (apesar da derrota para o Corinthians na final) e fase de grupos da Libertadores (líder geral).

Por outro lado, na tentativa de propor jogo, o time de Roger possuía gigantesca dificuldade para furar defesas fechadas. Muito por isso, a equipe não apresentava bom futebol e não agradava a torcida, mesmo com os resultados; Era duramente criticado por ter limitado a participação de Dudu no jogo coletivo; Sua defesa sofria por problemas de coberturas e passividade na marcação, principalmente após perder a bola; Falhava em sua auto-critica, utilizando justificativas fúteis ou até mesmo relativizando resultados negativos, como a própria final do Paulista 2018.

  • Números de Roger Machado no Palmeiras: 44 jogos, 27 vitórias, 9 empates e 8 derrotas. Foi vice-campeão do Campeonato Paulista.

- Bahia: bom começo e os velhos problemas

Membros da comissão técnica em 2021, Roger e Marcão se enfrentaram em 2019 (Foto: Divulgação/Twitter)

Análise de Aruan Oliveira, do Scouts Bahia.

Roger assumiu em abril de 2019, em um momento conturbado. Teve um início acima da expectativa no Brasileirão, com um bom arranque, mas uma 2° metade marcada por uma queda brusca no desempenho e um elenco limitado. Na Copa do Brasil, uma campanha sólida, apesar da eliminação (Grêmio) frustrante pelo o que foi a volta.

Em 2020, antes da pausa para a pandemia, acabou eliminado precocemente na Copa do Brasil. Teve resultados satisfatórias na Copa do Nordeste e fez dois bons jogos na Sul-americana. Entretanto, no pós-pausa, apresentou sinais de queda, o que ficou nítido após as finais da CDN e péssimo início no BR20 com um time sem padrão tático e entrega em campo.

Como pontos positivos, o desempenho do time jogando fora de casa teve uma melhora significativa. Soube aproveitar as características ofensivas do volantes, os fazendo pisar na área em jogos que o time tratava de ter a bola. De negativo, o apelo pela hierarquia do elenco, sistema defensivo frágil, pouco agressiva, problemas notáveis na cobertura e substituições com pouco valor tático, demonstrando pouca vontade de inovar. Além disso, a forma com o trabalho de dentro de campo foi se perdendo gradativamente.

Taticamente, o Bahia variava entre 4–2–3–1/4–3–3, com criações pelas laterais/pontas e variações entre linhas alta e baixa. O técnico optou por uma saída curta, com alternâncias entre toque curtos e lançamentos longos, mas com um notável excesso de cruzamentos. Defensivamente era pouco agressivo.

  • Números de Roger Machado no Bahia: 74 jogos, 30 vitórias, 22 empates e 22 derrotas. Foi campeão do Campeonato Baiano e vice-campeão da Copa do Nordeste.

- E a utilização da base?

Uma das expectativas da torcida do Fluminense para a próxima temporada é o maior aproveitamento dos Moleques de Xerém. De acordo com informações do UOL, um dos motivos que fez o treinador aceitar o convite tricolor é a chance de treinar as promissoras gerações do time de guerreiros.

Em Atlético-MG, Bahia e Palmeiras, os clubes não priorizavam tanto a utilização de atletas vindos das categorias de base na época e Roger não contrariou o diagnóstico das diretorias. Já no Grêmio, ele foi responsável por uma mescla entre experientes e mais jovens, que deu certo e fez com que jogadores novos caíssem nas graças da torcida e do cenário nacional.

  • Grêmio: “Como já comentado, Roger foi um grande personagem na construção de jogadores como Luan, Pedro Rocha e Walace. Deu aos três a chance de dar o passo adiante e se tornarem protagonistas do time. Além do trio, destaco os lançamentos de Marcelo Hermes e Jailson e a ascensão em minutagem de Everton Cebolinha. Não foi exatamente um grande aproveitador da base, mas ao mesmo tempo o Grêmio, naquela época, não tinha ainda tanta gente quase pronta como teria nos anos posteriores” - Nicolas Muller.
  • Palmeiras: “O elenco (Palmeiras) em 2018 era muito recheado, não fazia parte da política de Mattos abrir muito espaço para a base no planejamento, porém, já em 2018 haviam talentos utilizáveis, como Artur Victor (Bragantino), e Roger nunca demonstrou muito interesse em colocá-los” - Mateus Moreira.
  • Bahia: “Assim como nos últimos anos, a base foi pouco utilizada, tendo subido apenas Saldanha, que fez parte da equipe que disputou o baiano. Deixou de usar jogadores que se destacaram pelo sub-23 pela premissa da hierarquia do grupo” - Aruan Oliveira.

- Roger e o combate ao racismo

Apesar de fugir das quatro linhas, é impossível falar sobre Roger e não citar sua luta contra o racismo. O técnico é uma das vozes do futebol mais ativas contra a discriminação e um dos que mais incentivam personalidades do futebol a se posicionarem não só sobre a questão racial, mas também em relação a outras pautas em defesa das minorias.

Em 2019, ao enfrentar o Fluminense treinado por Marcão, os dois únicos técnicos negros da Série A participaram de uma campanha de conscientização realizada pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Após o jogo, Roger deu uma entrevista didática e impactante sobre o racismo no Brasil:

“A gente precisa falar sobre isso. Precisamos sair da fase da negação. Nós negamos. “Ah, não fala sobre isso”. Porque não existe racismo no Brasil em cima do mito da democracia racial. Negar e silenciar é confirmar o racismo. Minha posição como negro na elite do futebol, é para confirmar isso. O maior preconceito que eu senti não foi de injúria. Eu sinto que há racismo quando eu vou no restaurante e só tem eu de negro. Na faculdade que eu fiz, só tinha eu de negro. Isso é a prova para mim. Mas, mesmo assim, rapidamente, quando a gente fala isso, ainda tentam dizer: “Não há racismo, está vendo? Vocês está aqui”. Não, eu sou a prova de que há racismo porque eu estou aqui”, completou.

A coletiva completa está no Youtube, que você pode encontrar clicando aqui.

É possível notar algumas semelhanças entre os últimos trabalhos na carreira do treinador. Apesar de no Atlético Mineiro sua passagem ser interrompida precocemente, o trabalho em Bahia e Palmeiras se desgastou com o tempo.

Dentro das quatro linhas, é destacável a forma em que Roger mostrou ser adaptável ao que tinha em mãos, por momentos mais propositivos e outros reativo, mas sem abandonar seus conceitos: saída curta e preferência pela bola no chão. A alta produção ofensiva de seus times potencializou nomes como Lucas Lima, Keno, Gilberto e Fred. Em compensação, a fragilidade defensiva e a falta de soluções em momentos de tensão foram motivos que fizeram alguns de seus trabalhos corroessem.

E aí, o que você espera de Roger Machado no comando do Fluminense? Quais as expectativas com o treinador na Libertadores?

Saudações Tricolores!

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Para quem quiser conhecer mais sobre os conceitos do novo treinador tricolor dentro e fora dos gramados, seguem os links:

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