Como lidar com pronomes possessivos em produtos digitais?
Os pronomes podem ajudar a humanizar o seu produto — mas será que podemos usá-los sem nenhuma restrição?
Milhões de pessoas acessam produtos digitais todos os dias. Não sabemos ao certo quem são, nem o que fazem, nem como se identificam.
Esse número traz uma responsabilidade enorme, principalmente no universo de UX Writing.
Para garantir uma experiência acessível e inclusiva, usamos palavras de gênero neutro — como o famoso Boas-vindas que acabou com o Bem-vindo — e não medimos esforços para que os textos sejam cada vez mais inclusivos.
Mas tem um detalhe que, muitas vezes, acaba passando batido: o uso dos pronomes possessivos.
Relembrar é viver
Lembra das aulas de português na escola? Eu também não, mas vamos lá:
Os pronomes possessivos são aqueles que indicam a posse de algo.
“Seu”, “sua”, “minha”, “meus”, e por aí vai. Difícil pensarmos em uma ocasião do dia a dia onde a gente não use um pronome possessivo sequer.
Afinal, esses pronomes são ou não são aliados da experiência?
O que é o ideal?
Não existe certo ou errado. Se pegarmos como exemplo os apps e sites que usamos no dia a dia, vamos perceber que não há padrão — embora o mais comum seja usar, sim, os pronomes possessivos. O tom de voz do produto é o que geralmente define isso.
O WhatsApp, mesmo sendo um app pessoal, é um dos exemplos sem nenhum pronome possessivo em boa parte da jornada:
Em contrapartida, o iFood não só usa, como também mistura esses pronomes na 1ª e na 3ª pessoa:
Olha só que curioso: são meus dados, mas aí, vem a frase “Faça a verificação do seu celular”. É o meu celular ou o seu? Com quem o app está falando? Comigo ou com si próprio?
Por mais óbvio que isso possa parecer, temos sempre que pensar no todo: será que todo mundo consegue entender isso numa boa? Até mesmo as pessoas com dislexia, TDAH ou alguma outra condição?
Talvez por serem tão comuns, acabamos não dando a atenção necessária aos pronomes. Ou, talvez, há outro problema que vai muito além da acessibilidade: temos certeza de que estamos falando com a pessoa que é a “dona” daquela conta ou perfil.
Será que estamos mesmo? 🤔
Na prática
O Grupo Fleury é um ótimo exemplo. Vamos pensar na seguinte hipótese:
Eu entro no site ou app, insiro meus dados para acessar a minha conta e consulto os resultados dos meus exames.
Neste cenário, não há problema em usar pronomes possessivos, já que eu estou acessando o exame que eu fiz. São meus dados, meus exames, meus resultados. Certo? Depende.
Uma mãe pode acessar os resultados dos exames de um filho recém-nascido (que pode ainda não ter CPF), assim como uma filha pode agendar os exames da mãe idosa, que não tem familiaridade com a internet.
Em algumas categorias de serviços — como os de saúde — , é comum fazermos coisas para outras pessoas também.
Cenários como esses são muito frequentes e, muitas vezes, nem envolvem os dados da outra pessoa. Quem nunca chamou um Uber pra alguém?
O que os dados dizem?
Em uma recente pesquisa feita no Maze, descobrimos que 24% das pessoas que usam nossos apps acessam, também, a conta de outras pessoas.
Estamos falando de quase um quarto das pessoas usuárias. Desses 24%, metade acessa a conta dos filhos e 42% gerenciam as contas de todos os membros da família.
Como, então, lidar com os pronomes possessivos neste cenário? Se eu sou um pai acessando a conta do meu filho, não estou vendo os meus exames, nem os meus dados.
Diante dessa realidade, surge o desafio: solucionar o uso dos pronomes sem desviar o tom de voz.
Definindo padrões
No fim das contas, sugerimos remover os pronomes possessivos dos sites e aplicativos do Grupo. A ideia é que a comunicação ainda seja humana e acolhedora, mesmo sem o apoio dos pronomes.
Além de ajustar o que já está feito, também vamos tomar essa ideia como diretriz para o que está por vir. A partir de agora, tudo que for escrito precisa de uma atenção especial aos pronomes.
Essa mudança afeta, por ora, os fluxos dos nossos produtos digitais e não a jornada completa das pessoas — seja ela digital ou híbrida. O atendimento nas unidades e os laudos digitais de testes genéticos, por exemplo, são extremamente pessoais e se aproveitam dos pronomes para trazer uma experiência mais acolhedora e humana.
A ideia de remover pronomes pode parecer ousada demais (e até, talvez, “errada”). É difícil defender um ponto quando a maior parte das empresas — inclusive concorrentes — faz o contrário.
Isso também é algo que precisa ser desconstruído: só porque a maioria faz, não significa que é o certo para você. Tudo depende dos dados e do cenário do seu produto. Não temos espaço para achismos em UX Writing.
Dicas para arrasar no uso dos pronomes
Conheça seu público
A pesquisa é fundamental pra entender não só quem usa, mas como usam, por que usam, para que (e para quem) usam o seu produto. A gente acaba descobrindo coisas que nem imaginava.
Mantenha a consistência
Vai usar pronomes de posse? Mantenha sempre a mesma pessoa gramatical.
Se optou pelos pronomes da 1ª pessoa (meu, minha, minhas), não os misture com pronomes da 2ª ou 3ª pessoa (teu, sua, seu, suas), e vice-versa. Isso pode trazer confusão e atrito, além de aumentar a carga cognitiva.
Entenda seu produto
Isso é algo que leva tempo e experiência, mas não tem outro jeito. Precisamos saber no que estamos atuando para saber onde o uso dos pronomes é ou não viável.
Estude cada ponto de interação e domine o tom de voz do seu produto para definir o que se encaixa melhor em cada caso.
Os pronomes possessivos são apenas um exemplo de como algumas coisas passam despercebidas. Estamos tão acostumados a falar e escrever do nosso jeito que acabamos perdendo o filtro.
Cada verbo, cada artigo, cada letra precisa ser pensada para que a experiência funcione para todas as pessoas.
E você? Como tem lidado com os pronomes possessivos nos seus projetos? Conta aqui pra gente.
Abraços e até mais!