Mito da Mulher Maravilha: a falácia da multitarefa

Fantástico Mundo RP
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6 min readSep 28, 2021

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Autora convidada: Patricia Koefender

Ser multitarefa é visto praticamente como uma obrigação no mundo do trabalho e é associada com uma maior produtividade. Associação essa que é completamente falsa.

Estudos mostram que tentar conciliar diversas tarefas, mesmo que pareçam simples, como responder mensagens e e-mails enquanto faz outra tarefa maior, não é nem eficiente nem eficaz.

Vamos começar pelo fato de que, segundo o norte-americano Dave Crenshaw, autor do livro O mito da multitarefa, o que chamamos de multitarefa na verdade é alternância de tarefas. Não estamos fazendo várias coisas ao mesmo tempo, estamos fazendo um pouquinho de cada coisa alternadamente e nosso cérebro não lida bem com isso. Segundo a pesquisa realizada em Harvard, depois de uma interrupção para realizar uma outra tarefa, nosso cérebro precisa de 15 minutos para reorientar a atenção de volta à tarefa inicial em média.

Um estudo da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, mostrou que 98% das pessoas não são capazes de alternar entre diversas tarefas mantendo o grau de atenção desejado. Pesquisas também mostram que a alternância de tarefas aumenta o tempo necessário para completar uma tarefa além do número de erros cometidos e pode diminuir nossa produtividade em até 40%. Mas, obviamente, as mulheres são maioria entre as pessoas que conseguem, certo? Errado! Segundo o estudo da Universidade de Utah, as taxas são as mesmas entre homens e mulheres.

O mesmo resultado foi encontrado por pesquisadores da PLOS One. O estudo testou se mulheres eram melhores em alternar entre tarefas e realizar múltiplas atividades ao mesmo tempo. Os resultados mostraram que os cérebros femininos não são mais eficientes em nenhuma dessas atividades em comparação com os masculinos. Ambos têm a mesma eficiência.

Então por que nós, mulheres, acreditamos e até mesmo nos orgulhamos de conseguir realizar várias tarefas ao mesmo tempo? Porque fomos ensinadas assim. Crescemos ouvindo que mulheres são naturalmente multitarefas, que esse é um tipo de “superpoder feminino”. Quantas mulheres você conhece que cozinham com o filho no braço e o telefone na mão resolvendo alguma questão de trabalho no pequeno intervalo do almoço? Quantas vezes você trabalhou em mais de uma tarefa ao mesmo tempo? Mas se não somos multitarefas, o que somos nessas situações? Somos sobrecarregadas. Somos física e mentalmente exauridas. Carregamos um fardo que nos ensinaram ser uma dádiva biológica: fazer tudo o que os outros não conseguem.

Acreditando que somos super mulheres, capazes de fazer tudo ao mesmo tempo e que se não fizermos o mundo (ou a casa ou a empresa) vai desabar, acabamos nos sujeitando a fazer tarefas que não são nossas atribuições ou então que não são somente nossas atribuições. E vivendo sob a pressão de suprir expectativas irreais nos colocamos sob uma enorme tensão física e psicológica.

Essa crença transmitida como verdade de geração em geração nos afeta em todos os ambientes das nossas vidas, mas principalmente em dois: o ambiente profissional e as tarefas da casa.

A versatilidade feminina como fator de exploração do trabalho

A crença de que mulheres são melhores em realizar várias tarefas ao mesmo tempo leva a um acúmulo de funções por parte de muitas profissionais. Além das atribuições de seus cargos, elas muitas vezes são encarregadas de tarefas como atender o telefone, anotar recados, organizar atas, etc. Aceitamos essas tarefas e nos sujeitamos a fazer mais do que fomos contratadas para fazer trabalhando substancialmente mais do que nossos colegas homens — o que acarreta em sobrecarga de trabalho e nos deixa mais vulneráveis a erros, gerando um enorme impacto negativo sobre nossa saúde mental e em como avaliamos nosso desempenho profissional.

Além de ganhar menos e realizar mais tarefas, as mulheres acabam tendo sua atenção dividida entre diversos afazeres e, como é normal acontecer quando estamos sujeitas a essas situações, cometemos erros. Cria-se então um estigma sobre a profissional por conta de algum erro. Começamos a desconfiar das nossas habilidades e a ter inevitavelmente pensamentos como: “Mas fulano não erra tanto quanto eu” surgem. A diferença não está na capacidade profissional entre homens e mulheres, mas sim no fato de que aos homens é permitido foco total em uma tarefa e as mulheres precisam dividir sua atenção entre várias delas. Lembram que lá no início do texto falamos sobre a pesquisa de Harvard que apontou que levamos, em média, 15 minutos para voltar a nos concentrar? O que acontece com nosso cérebro se a cada meia hora somos interrompidas por outra tarefa? Nossas carreiras são minadas por expectativas irreais (muitas vezes partindo de nós mesmas), sobrecarga de trabalho e ataques frequentes a nossa saúde mental.

O mito da mulher multitarefa serve de desculpa para que não sejam contratados profissionais para realizar essas tarefas “extra” que acabam recaindo sobre as funcionárias do sexo feminino e, ao mesmo tempo, para manter as mulheres fora de posições de liderança: com tantas tarefas que não são realmente suas, como você vai se concentrar em dar seu melhor e chegar até aquela promoção?

A rainha exausta do lar

Que a dupla jornada de trabalho feminina é um dos grandes problemas de desigualdade entre gêneros não existe dúvida. Embora os homens estejam, lentamente, assumindo mais responsabilidades nas tarefas domésticas e de criação dos filhos, ainda são as mulheres que realizam um verdadeiro malabarismo de funções para atender tudo o que se exige delas.

“A sociedade exige que mulheres trabalhem como se não tivessem filhos e sejam mães como se não trabalhassem fora. A conta não fecha”

Segundo as pesquisas da socióloga Leah Rupanner, da Universidade de Melbourne, as mães são mais pressionadas pela falta de tempo e relatam ter a saúde mental pior do que os pais. Um segundo filho também exerce mais pressão sobre a mãe do que sobre o pai, embora esse também sinta seu aumento. O segundo filho dobra a pressão temporal sobre as mães e, por consequência, leva a uma deterioração da sua saúde mental. As noites de sono das mulheres também são muito mais afetadas pela maternidade do que as dos homens com filhos, crianças são mais propensas a interromper o sono de suas mães do que de seus pais, segundo a pesquisa.

A mesma pesquisadora afirma que as mulheres também são mais propensas a abandonar o trabalho remunerado quando os filhos nascem, uma situação que observamos cotidianamente. São elas também que carregam a maior carga mental ligada à organização das necessidades da família e todo esse trabalho é feito às custas do planejamento do seu próximo dia de trabalho, sua próxima promoção e assim por diante.

Livre-se da capa

O mito da mulher multitarefas significa que se espera que as mulheres façam tudo. Cuidem dos filhos, do marido, da casa, dos seus pais, dos seus sogros, do seu trabalho e das funções extras do trabalho também. Ah, não esqueça de se cuidar, de ir na academia, de fazer as unhas e aquela dieta! Você não pode descuidar de si!

Mas como se libertar desse estereótipo multitarefa que suga nossas energias? O primeiro passo é a informação, motivo pelo qual pesquisas como as citadas aqui são tão importantes. Derrubar o argumento de que somos biologicamente programadas para realizar diversas funções ao mesmo tempo é fundamental. Também é importante que a gente aprenda a dizer não para as tarefas que não são nossas responsabilidades e que não deixemos que nos culpem por isso (mais fácil dizer do que fazer, eu sei). A divisão igualitária das tarefas de casa, por exemplo, é uma necessidade inadiável, embora pareça muito distante ainda. Estabelecer limites saudáveis no ambiente de trabalho também é de extrema importância. Mas acredito que nossa ação mais importante e, a primeira a ser tomada, é deixar de nos cobrar por tudo. A primeira pessoa que precisa parar de colocar o peso de ser uma Mulher Maravilha Moderna sobre seus ombros é você mesma. Nenhuma de nós precisa dar conta de tudo sozinha, nenhuma de nós é responsável por salvar o mundo com as próprias mãos às custas da nossa saúde mental e física. Você não precisa ser uma super heroína para ter valor, basta reconhecer seu valor e não deixar ninguém te convencer do contrário.

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