O que podemos aprender com La Casa de Papel sobre planejamento de comunicação?
*Por Jason Mello
Oito ladrões se trancam com reféns na Casa da Moeda da Espanha com um plano ambicioso de realizar o maior roubo da história. Esta é a sinopse da La Casa de Papel, uma das séries mais comentadas do catálogo da Netflix. O Professor (líder da gangue e aqui análogo à CEO/Relações Públicas) planejou o assalto com seus membros (aqui análogos à colaboradores) minuciosamente, permitindo-nos fazer analogias com as nossas rotinas diárias de marketing e comunicação.
Atenção: contém spoilers da 1° temporada.
O seu planejamento vai falhar
Você pode ter se dedicado por meses no planejamento do seu evento ou da comunicação da sua organização, mas fique sabendo que a qualquer momento algum imprevisto surgirá. Assim como o aconteceu com o plano do Professor, com o Titanic e com o nazismo.
O Titanic falhou, a expansão nazista falhou (ainda bem) e o seu plano de comunicação também vai falhar.
O assalto à Casa da Moeda foi planejado durante cinco meses pelo Professor. Durante os primeiros episódios da série, percebe-se a minucia em cada detalhe do plano, desde a escolha dos membros da gangue, o sequestro da filha do embaixador britânico (Alison Parker), a posição das câmeras no prédio histórico e até a principal regra de convivência: a proibição de relações amorosas entre os membros do grupo.
Logo de início encontramos a primeira falha do plano: relações. O emblemático relacionamento entre Tóquio (Úrsula Corberó) e Rio (Miguel Hérran) não fazia parte do script do Professor, assim como a paixão de Denver (Jaime Lorente) pela Secretária da Casa da Moeda, Mônica Gaztambide (Esther Acebo). Como uma bola de neve, estes foram fatores cruciais para a derrocada do grande roubo.
Estes desvios acontecem também na comunicação das organizações. Por exemplo, em um evento você planeja que terá fogos de artifício no encerramento, mas no final eles acabam não explodindo, ou a música parou de tocar de repente ou ainda algum problema mais grave aconteceu.
Por isso é importante estar ciente de que falhas são normais em qualquer planejamento para tentar prevê-las, minimizá-las e solucioná-las.
Planejamento e adversidades
As falhas, em muitos casos, são decorrentes da falta de um acompanhamento/adaptação dos responsáveis à situação atual. Este caso foi bem retratado na série quando Berlim (Pedro Alonso) começou a apresentar seu lado egocêntrico deteriorando as relações internas. Neste momento, o Professor, ao invés de se impor como um líder e mudar/adaptar as regras do jogo, comunicou a sua equipe para manterem a hierarquia e seguirem conforme planejamento.
Um momento estratégico de solução de problemas muito bem executado foi quando o Professor fora surpreendido pela polícia no ferro-velho: ao invés de surtar ou cometer alguma loucura, o mentor do plano se adaptou ao momento, antecipando possíveis situações e, consequentemente, camuflando-se como um mendigo bêbado. Desta forma conseguiu fugir da inspetora Raquel Murillo (Itziar Ituño).
Estes dois exemplos se encaixam perfeitamente a qualquer plano, seja de comunicação interna, de eventos ou até mesmo digital. Pensem comigo: a ação digital da organização ABC está sendo executada, mas ocorre um imprevisto ao descobrirem que a ação X não foi bem recebida pelo público, gerando reações negativas. Neste momento é imprescindível que haja uma intervenção e uma resposta rápida ou até mesmo um replanejamento total das ações.
Seguir com o plano sem solucionar problemas pontuais, em muitos casos, pode custar todo o orçamento e até mesmo a reputação da organização.
Liderança, comunicação interna e endomarketing
Todo o desenrolar da primeira temporada apresenta um grande envolvimento dos ladrões como uma equipe de vendas focada em bater as metas, mas basta o Professor não atender à uma chamada de Berlim que um caos se instaura no ambiente.
Ao pensarem que o Professor desapareceu e desistiu do plano e, por não terem um líder que saiba o que fazer, como fazer e quando fazer, o grupo entra em conflito, em uma crise interna. Inicia-se uma separação dos membros em pequenos grupos, deixando de lado todo o planejamento e toda a organização existente.
Não à toa, as relações internas chegam no ápice quando armas são apontadas entre os próprios membros, findando a hierarquia e colocando em risco todo o plano. Assim como a gangue da série precisa de um ambiente interno positivo — entre eles e os reféns, uma organização necessita de um ambiente harmonioso com seus stakeholders.
Para manter um alinhamento e uma motivação, é essencial que os públicos internos se conheçam, interajam e que a organização se faça presente em suas rotinas diárias.
É importante que os colaboradores acreditem no que estão fazendo e na organização em que estão atuando.
O Professor fez um grande trabalho de motivar a sua equipe fazendo-os acreditar na proposta do assalto e unirem-se em prol de um mesmo objetivo (endomarketing). Também proporciona um relacionamento transparente, constante e empático com os membros (comunicação interna). Como líder (liderança), o Professor pensa estrategicamente, mobiliza as pessoas e cria uma cultura motivadora e de resultados inquestionáveis.
Crise e o poder da imprensa
O planejamento falha e logicamente as crises são inevitáveis. Aqui podemos pensar em crises internas e externas: internas pensamos na fuga das vítimas e nos problemas hierárquicos do roubo e na externa pensamos no acesso de informação dos membros da equipe e a divulgação de seus nomes à imprensa.
Por falar em imprensa, ela ainda é muito influente na nossa sociedade podendo ser um aliado ou um algoz de sua organização. Pensando que o Professor e sua gangue são uma empresa e estavam sofrendo crises internas e de imagem, podemos entender a imprensa como um fator crucial no abalo da reputação da “organização” ao divulgar imagens e informações de Berlim, Tokyo e Rio.
A própria investigadora usou a imprensa de forma estratégica ao “vazar” rumores caluniosos de que Berlim havia passagens pela polícia por estupro, colocando em risco a reputação do criminoso e, paralelamente, da organização. Este método foi adotado para que a opinião pública fosse favorável à intervenção policial e para minimizar os erros cometidos pela investigadora, como a ordem de disparo que ocasionou no ferimento de um refém.
Este conceito utilizado pela investigadora de manipular a opinião pública remete à hipótese da agenda setting, que em definição simples é “… um tipo de efeito social da mídia. É a hipótese segundo a qual a mídia, pela seleção, disposição e incidência de suas notícias, vem determinar os temas sobre os quais o público falará e discutirá” (Barros Filho, 2001, p. 169).
A importância da análise de concorrência
Em Marketing 3.0, Philip Kotler diz que “as empresas pobres ignoram os seus concorrentes, as empresas médias imitam os seus concorrentes e as empresas vencedoras guiam os seus concorrentes”. Na série, o Professor parece ter seguido este mesmo princípio: ele conhece cada metro² e todos os funcionários da Casa da Moeda, ele estudou detalhadamente a polícia espanhola e seus possíveis movimentos e, principalmente, se aproximou da grande tomadora de decisão, a investigadora Raquel.
Uma análise de concorrência é, sem sombra de dúvidas, um recurso importante. O Professor fez bom uso da ferramenta e você também precisa fazê-lo. A vantagem de conhecer a fundo a concorrência é aprender com os acertos e os erros cometidos por quem já atua no mercado, possibilitando uma visão mais ampla e estratégica do ramo.
E você, o que extraiu de La Casa de Papel além da história envolvente?
Referências:
BARROS FILHO, Clóvis de. Ética na Comunicação: da informação ao receptor. São Paulo: Moderna, 2001.
Kotler, Philip: Marketing 3.0 : as forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro : Elsevier, 2010.
Sobre Jason Mello
Bacharel em Relações Públicas pela PUCRS e Sócio-Diretor de Marketing da Agência Lorean, é altamente competitivo e louco por qualquer jogo ou esporte que possa render uma aposta honesta, além de ser apaixonado por marketing em todas as suas formas, tecnologia, política e astronomia.