Precisamos conversar sobre a Queer Museu

Muriel Felten
Fantástico Mundo RP
6 min readSep 15, 2017

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Relações Públicas também é amor ao próximo

Um tema polêmico, como há não se via, sacudiu a sociedade como um todo, principalmente a gaúcha, na última semana: o encerramento precoce da exposição Queer Museu. Tão polêmico e incômodo, que foi difícil até mesmo decidir pela publicação deste texto na página oficial do Fantástico Mundo RP. Contudo, o papel social deste espaço, e, sobretudo, da própria profissão de relações públicas, nos convida a refletir junto com nosso público sobre os caminhos para o desenvolvimento da harmonia na sociedade.

Antes de iniciar, devo informar algo importante, que diz respeito a mim e não às demais integrantes da equipe que compõe o FMundoRP: sou católica praticante. Decidi destacar esta informação porque, pelo caráter complexo do assunto, fica impossível analisá-lo isolando a intimidade para florescer somente a questão profissional. Esta definição vai ao encontro do que aprendemos na faculdade: o ser humano é múltiplo e sua multiplicidade influencia todos os aspectos da vida. Assim, vou contar a vocês as minhas impressões sobre cada contato que tive com o assunto, sem procurar problematizar demais a análise para não entrar em nenhum campo perigoso.

Dito isso, vale relembrar a definição da profissão de relações públicas. Um de nossos autores mais queridos, Waldyr Fortes, escreveu em seu livro Relações Públicas: processos, funções, tecnologia e estratégias, de 2003 que “O exercício da profissão de relações públicas requer ação planejada, com apoio da pesquisa, comunicação sistemática e participação programada, para elevar o nível de entendimento, solidariedade e colaboração entre uma entidade, pública ou privada, e os grupos sociais a ela ligados, em um processo de integração de interesses legítimos, para promover seu desenvolvimento recíproco e da comunidade a que pertencem”. Já a definição de catolicismo, em sua essência, é mais simples: viver o amor de Deus, encarnado por Jesus. Sob esse ponto de vista, a relação entre relações públicas e cristianismo se dá no fato de ambos buscarem o entendimento entre as pessoas. E é isso que pauta a minha reflexão.

Meu primeiro contato com o assunto da exposição foi vendo as imagens das estações ditas sacras. Após alguns segundos, registrei minha opinião: a imagem de Cristo inclusivo é linda, mas a da hóstia com palavras ofensivas me doeu. Recebi uma resposta com meia verdade: “as palavras se referem a partes do corpo, a ofensa está nos olhos de quem vê”. Isso é verdade, porque as palavras tratam de partes do corpo, por outro lado, deixa de ser porque algumas delas têm caráter pejorativo no atual contexto social, logo, o artista sabia que ia causar desconforto nos seguidores da religião católica. Mas, ao invés de atacá-lo para evitar a dor, eu decidi encará-la (a dor) e, absorvendo a ideia com tempo, cheguei a conclusões interessantes. A primeira delas é que entre a provocação do artista e a minha dor enquanto católica há um ruído de comunicação, pois eu sofro pelo ataque à memória de Cristo, que reverencio, mas o artista provoca a instituição Igreja, e isso são coisas diferentes, embora representadas por esse mesmo símbolo. Agora, que meu Cristo está salvo, posso debater a crítica à instituição, que não é sacra. E, defensora da Igreja, como seu membro, compreendo que o artista leva em conta o aspecto histórico e social a que ele teve contato e, mesmo não concordando com todo o seu posicionamento, não tenho razões para me ofender, já que, se alguém me acusa de algo que eu sei que não sou, não devo dar ouvidos. Me dei conta disso por um vídeo bem conhecido de Leandro Karnal, que diz que a ofensa é um fracasso pessoal. O que posso fazer é convidá-lo a conhecer o meu mundo e ver que, para além dos estereótipos, a Igreja também está mudando e realizando um trabalho de amor. Isso, claro, se ele tiver interesse. Fiquei me perguntando o que Cristo diria sobre a reação dos católicos a respeito dessa estação e O vi dizendo que criou a comunhão para lembrar o amor de Deus, que se traduz no amor pelo próximo. Se esqueço o amor e passo a odiar o próximo pra defender o símbolo (já que, neste caso, a hóstia não está consagrada), o próprio símbolo perde seu valor. O meu sentimento é de tristeza, como católica, pela falta de conhecimento dos críticos a respeito do que é vivido dentro da religião e, como relações públicas, pela falta de compreensão entre os dois lados. Mas não de ódio ou de ofensa, porque isso, como já expliquei, não faz sentido nenhum.

Acompanhando as redes sociais, todos nós vimos uma enxurrada de protestos e ataques de ambos os lados, cada um tentando desesperadamente receber a validação social do que, de fato, era o correto a fazer, mas sem, em nenhum momento, abrir espaço ao diálogo. Dentro deste quadro, fica difícil estabelecer pontes, mas, se não tentarmos, por meio da expressão da verdade, estaremos fadados ao fracasso de nosso objetivo enquanto profissionais sociais. O lugar tanto dos relações públicas quanto dos cristãos, portanto, é o centro, trabalhando para conectar, de alguma forma, grupos tão distintos e tão oponentes.

Contudo, ao olhar as imagens da exposição, eu vi amor. Em algumas obras, amor explícito, em outras, sofrimento e violência explícitos. Mas, se considerarmos que nossos maiores aprendizados advêm do sofrimento, a expressão de obras que nos doem é um ato de amor da arte para conosco, já que possibilita o sofrimento fora do cotidiano e nos dá a possibilidade de aprendermos sem consequências negativas em nossa vida. Não sei do contexto da obra dos meninos travestis, mas, ao ver a imagem, eu me coloquei no lugar de cada criança, querendo ser diferente e ouvindo frases tão cruéis, e sofri por eles ao estar, por alguns instantes, em seu mundo. A partir de agora, passo a entendê-los melhor. Tive uma professora de liderança e gestão de equipes, Dulce Ribeiro, que nos apresentou, já na primeira aula, dois requisitos para o desenvolvimento humano: atenção e confiança. Nesta situação, o artista presta atenção no objeto de sua exposição e confia que o público vai entender a sua mensagem, mas, infelizmente, muitos de nós não estamos preparados para esta expansão de consciência. O erro, então foi confiar sem prestar atenção em seu público.

As grandes críticas à exposição estão pautadas no argumento de que as peças fariam apologia a crimes sexuais. Eu não fui até lá e, portanto, não posso falar sobre a mensagem da mostra a partir de suas obras, mas o que sei é que nem sempre expressão é a mesma coisa que apologia. Aproveitando o mote religioso, fiquei imaginando uma situação hipotética, para fins de comparação: um grupo de ETs que, ao executar sua dominação sobre a Terra, se depara com a imagem de Cristo pregado na cruz, sem saber nada sobre sua história. Eles poderiam dizer que estamos fazendo apologia à crucificação, já que não conhecem o contexto, e até teriam o direito de não querer saber do que se trata, mas, se decidissem destruir todas as cruzes, isso geraria revolta entre os cristãos, com razão, pois, dessa forma, estariam tirando-lhes o direito de viver sua cultura. O que quero dizer com isso é que um símbolo/ imagem só faz sentido dentro do meio em que ele ele está inserido, e quem não faz parte daquele meio, não tem o direito de bani-lo pelo julgamento feito a partir de sua carga histórica e social. Podemos não gostar de algo, o que não podemos é impedir que o outro olhe, sinta e, a partir disso, tire suas próprias conclusões.

Portanto, mesmo correndo o risco de ser demasiado piegas, acredito que o amor resolveria grande parte, senão a totalidade, dos problemas em sociedade que enfrentamos hoje em dia. Amor no sentido de compreensão, de colocar-se no lugar do outro e, principalmente, de entender que o tempo é só uma ideia, o que é certeza hoje, amanhã já não vale mais, o que foi errado algum dia, hoje é certo e que o conhecemos agora pode ser totalmente diferente em um futuro próximo, o que fica é o que construímos enquanto grupo. Ademais, o fechamento da exposição acabou se tornando um propulsor das obras, levando a discussão para fora do espaço do Santander e chegando até mim, que fiz todas essas associações, e às pessoas que provavelmente não iriam até lá. O fracasso, neste caso, resultou em sucesso da ideia como um todo e, de qualquer forma, a turma da censura saiu perdendo. Devemos, contudo, enquanto profissionais de relações públicas, continuar lutando pela liberdade de ideias, diálogo e entendimento entre os diferentes grupos que compõem essa miscelânea que é a nossa sociedade.

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