Três anos de gestação: o burocrático processo para adotar uma criança

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5 min readJun 6, 2017
Kátia e Mateus aproveitam juntos um momento de lazer. Foto: Acervo Pessoal/Kátia Braga

Por Dani Fechine

Nove meses para gerar um filho já parece um bom tempo. A exaustão e ansiedade chegam a ser sentimentos diários nesse caminho. Para Kátia Braga, ser mãe foi um processo de, em média, três gestações consecutivas. Foram três anos na fila de adoção da Vara da Infância e Juventude de João Pessoa. Hoje, ao lado do marido, Wellington Henrique, ela cria Mateus, que já demonstra amor com seus dois anos de idade.

Todo o processo de espera é necessário para manter a segurança das crianças e adolescentes. Quando um casal desperta o interesse na adoção, deve procurar, primeiramente, a Vara da Infância e Juventude da sua comarca, levando toda a documentação necessária e prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (RG, CPF, atestado de residência, comprovante de que não há antecedentes criminais e atestado do bom estado de saúde físico e mental para sustentar uma família).

Foi o que Kátia fez quando, em 2012, foi diagnosticada com uma gravidez nas trompas e precisou ser submetida a uma cirurgia com urgência. Natural de Pernambuco, se mudou para a Paraíba em 2013 e no dia 8 de abril do mesmo ano, nutridos pelo medo de engravidar novamente, já estavam fazendo o curso de preparo para adoção na 1ª Vara de João Pessoa. Todo o processo no qual precisaram passar para terem os nomes registrados no Cadastro Nacional da Adoção (CNA) durou, em média, um ano.

O segundo passo é o cadastro do perfil solicitado pelos pretendentes. É preciso especificar, ou não, o sexo da criança, a faixa etária, cor da pele, aceitação ou não de doença congênita e aceitação ou não de grupos de irmãos. “Quando o pretendente amplia seu perfil, a adoção se concretiza com mais rapidez”, confessa o juiz. O prazo, segundo o juiz da Vara da Infância e Juventude, Adhailton Lacet, deveria se aproximar dos 100 dias, mas pode variar. Ouça o depoimento do magistrado:

Kátia e Wellington, casados há 15 anos, passaram pelo processo completo do sistema de adoção. Psicólogos, documentação, entrevistas, cursos. Foi através do Grupo de Estudos e Apoio à Adoção (Gead) da capital que o casal conseguiu trilhar o caminho com mais facilidade e orientação. Através do projeto, conheceram uma menina — hoje já adotada — e começaram a entender o duro processo da adoção. “Passamos a noite toda ao lado dela e saímos de lá achando que seria possível adotá-la. Mas veio a primeira frustração. Fomos até a Vara e estávamos bem no fundo da fila. Não poderia ser ela. É como se você tivesse passando por mais um aborto”, lamenta.

Em 2017, no entanto, João Pessoa não dispõe de nenhuma criança para adoção, apenas adolescentes, conforme Adhailton Lacet ressalta. Além disso, são nove casas de acolhimento institucional, governamentais e não governamentais, com crianças e adolescentes que tentam se reintegrar às famílias. Quem vê de fora, parece impossível a concretização do sonho da adoção infantil, já que muitos acabam enquadrando no perfil criança de até cinco anos, como foi o caso de Kátia, que não especificou o sexo, mas gostaria de uma criança de até cinco anos.

Foi quando descobriu que em algumas comarcas não há fila, embora haja crianças esperando um lar em muitos abrigos, como um de Pedras de Fogo, apresentado a Kátia e Wellington. Após passarem por uma assistente social e psicóloga, começaram as visitas a Mateus, hoje filho deles. Em uma delas, Kátia passou mal e precisou viajar com urgência para Recife, onde descobriria uma gravidez com um risco de vida ainda maior e teria que ser operada mais uma vez para retirar o bebê.

Pouco tempo depois da notícia, a esperança. O telefone tocou e, do outro lado da linha, a assistente social dizia que uma criança havia sido selecionada para eles. “Aí foi bem mais fácil passar por tudo isso depois que estávamos com a concretização do filho. Fiz a cirurgia, recebi alta na sexta e no sábado vim pra João Pessoa para poder passar o dia com Mateus. Voltei pra Recife inchada do joelho aos pés, não podia fazer uma astúcia daquela, mas eu queria estar perto dele”, conta. Abaixo, o relato de Kátia em áudio:

Importante lembrar que o casal não furou a fila da 1ª Vara da Infância e Juventude de João Pessoa. Segundo o juiz Adhailton Lacet, uma prática chamada “adoção à brasileira” burla o sistema legal e pode ser perigoso. “Uma pessoa pega seu filho recém-nascido, entrega para uma terceira pessoa e ela, fraudulentamente, registra em cartório. Isso é perigoso porque a qualquer momento esse registro pode ser anulado e impede que o adotado tenha conhecimento de sua história”, esclarece. No entanto, esse não foi o caso de Kátia.

O que o casal fez foi a chamada busca ativa que, segundo Adhailton Lacet, nada mais é do que a equipe multidisciplinar da Vara fazer o cruzamento de dados dos pretendentes, com os dados de crianças e adolescentes existentes no CNA. “Essa busca se dá em todo o Brasil”, explica. A busca ativa permite que o casal de adotantes faça uma busca ativa em outras comarcas, tanto é que durante o processo você coloca em que regiões do país você aceita que venham outras crianças”, completa Kátia.

A adoção, portanto, é um processo de desenvolvimento na vida da criança e dos pais. A rotina muda e muda também o amor, a responsabilidade, a compreensão. “Trata-se de um processo de adaptação, onde se passa a viver uma nova realidade através da convivência com a nova família e seus novos membros”, comenta Soraya Escorel, promotora de Justiça de Defesa da Criança e do Adolescente. “É natural que o processo de adoção afete todos envolvidos. A criança/adolescente, que geralmente tem um histórico de abandono, passa a viver uma nova história num diferente meio social com um novo núcleo familiar. Não há nada que o amor não resolva”, completa.

Para que o processo seja bem encaminhado pelas duas partes interessadas, é importante preservar a história da criança e respeitar os seus limites, conforme relata Soraya. “A adoção é a maneira legal e legítima para consolidar vínculos familiares e para assegurar à criança qualidade de vida. Mas é fundamental para o seu desenvolvimento que sua história e seus valores sejam respeitados”, frisa.

O processo de aproximação de Kátia e Wellington começou quando Mateus tinha um ano e onze meses. Hoje, com dois anos e seis meses, Mateus tem uma família que gestou fortes esperanças para mantê-lo por perto e fazê-lo filho, parte. “No caminho da adoção temos que ter muita força mesmo”, conclui.

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Blog produzido e atualizado pelos alunos do curso de Jornalismo da UFPB como parte do trabalho prático da disciplina de Webjornalismo.