15 Filmes Injustiçados que Merecem ser (Re)Descobertos Nessa Quarentena

Henrique Rodrigues Marques
Fora do Meio
Published in
16 min readApr 20, 2020

1 — Mar de Rosas (Ana Carolina, 1977)

Embora esse seja um filme reconhecido como a grande obra de uma cineasta respeitada, sempre me chocou o fato da Ana Carolina não ocupar um lugar de maior destaque no cânone do cinema brasileiro. Em um mundo justo, a melhor cineasta do país ocuparia as mesmas listas que incluem Glauber Rocha e Rogério Sganzerla como cineastas fundamentais do cinema nacional. No meu curso de Audiovisual, nós tínhamos dois semestre de História do Cinema Brasileiro, e em nenhuma aula o trabalho de Ana Carolina foi abordado. Dona de uma impecável (apesar de curtíssima) filmografia, eu acho uma das maiores injustiças do cinema mundial que o seu trabalho não seja mais reconhecido em níveis globais e canônicos.

Mar de Rosas, primeiro longa da diretora e primeiro filme de sua trilogia, é um road movie protagonizado por Norma Bengell, interpretando uma mulher que assassina o marido em um surto histérico e foge com a sua filha. Refletindo sobre “a condição da mulher”, sexualidade, maternidade e desejo, o filme se utiliza de textos verborrágicos e atuações não-naturalistas em uma trama que fica mais absurda a cada novo plano. Com uma atmosfera bem queer, é uma viagem melhor apreciada quando não se busca tanto sentido. Quando o histérico se torna histórico.

2 — Grease 2 (Patricia Birch, 1982)

Grease 2 é o tipo de filme que tem absolutamente tudo contra ele. Uma sequência que ninguém pediu de um clássico extremamente adorado, sem qualquer relação direta com a trama original e com novo roteirista e nova diretora. E é bem verdade que Grease 2 não apresenta músicas tão boas quanto seu predecessor, mas ainda assim eu confesso que esse é um caso onde eu prefiro a continuação (e a Drew Barrymore concorda comigo).

O filme basicamente segue a fórmula do original, mas com pequenas mudanças. Saem os carros conversíveis, entram motocicletas; sai John Travolta, entra Michelle Pfeiffer. O que o filme tem de mais original e interessante é uma inusitada inversão de gêneros nos papéis protagonistas. Maxwell Caulfield interpreta o tímido nerd Michael, primo da Sandy do filme anterior. Novo no colégio, ele logo se apaixona pela badgirl Stephanie, uma das Pink Ladies. Diferente da personagem interpretada por Olivia Newton-John, a protagonista de Grease 2 é bastante proto-feminista, uma personagem ativa, cheia de agência e liberdade sexual. Além da excelente atuação de Pfeiffer, que está absolutamente radiante no papel (impossível não se apaixonar por suas dancinhas cantando Cool Rider), acredito que muito dessa construção se deve ao fato da continuação ser dirigida por uma mulher. E embora as músicas em si não formem uma trilha sonora incrível, em compensação o filme oferece ótimos números musicais (onde eu destacaria a divertida Score Tonight, que faz com que uma disputa de boliche se torne o lugar perfeito para liberar a tensão sexual da adolescência). Em um período tão obcecado com a nostalgia oitentista, chegou o momento de Grease 2 ser descoberto e reconhecido como a deliciosa sessão da tarde que o filme é (e aumentar a nota de 2,2 que a obra leva no Letterboxd).

3 — Encaixotando Helena (Jennifer Chambers-Lynch, 1993)

Protagonizado por Sherilyn Fenn, no auge de sua fama como a eterna Audrey Horne de Twin Peaks, Encaixotando Helena foi destruído pela crítica na época de seu lançamento. Atribuo muito do ódio direcionado ao filme ao fato de que Jennifer é filha de David Lynch, o que sempre gera uma tendência a comparar seu talento e temáticas à filmografia de seu pai. Mesmo em uma pesquisa rápida, é fácil encontrar críticas onde o autor traça pelo menos um paralelo com o trabalho de Lynch. Particularmente, eu não acho que o trabalho que Chambers-Lynch faz aqui traga qualquer semelhança com os filmes de seu pai.

Se apropriando do gênero mais noventista que existe, o thriller erótico, a cineasta constrói uma excelente reflexão sobre desejo sexual, possessividade masculina e objetificação (quase literal) das mulheres. E enquanto subverte o gênero, Chambers-Lynch faz questão de manter o filme em um lugar de eroticismo muito peculiar, em um equilíbrio muito tênue. Embora perca um pouco de sua força no ato final, que parece ter sido feito de última hora e escolhe o caminho mais óbvio para não desafiar seu público, acredito que é um filme que pode ser melhor apreciado pelo prisma contemporâneo das discussões sobre a representação da mulher no audiovisual.

4 — Blood & Donuts (Holly Dale, 1995)

Ainda falando em filmes dirigidos por mulheres que foram lidos como cópias anêmicas do trabalho de homens, Blood & Donuts sofreu por ser tratado como uma tentativa frustrada de emular os roteiros espertinhos do cinema independente feito por Tarantino ou Kevin Smith. Outra comparação que na minha opinião é absurda, já que vejo o trabalho de Dale mais próximo ao estilo de Hal Hartley, mas mesmo essa comparação não dá conta de cobrir as peculiaridades desse filme, que é bastante único desde sua premissa.

Uma bola de golfe faz com que o vampiro Boya acorde depois de seu sono de 25 anos. Ele então se hospeda em um hotel e passa a frequentar a lanchonete 24 horas próxima ao local, onde se apaixona por uma garçonete. Ele também faz amizade com um taxista e está sendo procurado por Rita, sua paixão do passado. E também tem mafiosos, sendo o chefão interpretado pelo cineasta David Cronenberg. E de alguma maneira todas essas tramas confluem com certar harmonia. É um filme que eu já aviso de antemão que definitivamente não é para todo mundo, mas que eu acredito que mereça ser descoberto para o ocupar o status cult que ele nasceu para ocupar, já que carregas as melhores características que um filme cult pode ter. Cheio de defeitos, mas tirando desses defeitos a sui generis do seu charme, Blood & Donuts não é para qualquer um, mas se for para você, você vai se apaixonar e nutrir um forte carinho pelo filme (como é o meu caso).

PS: o filme não é em preto e branco, mas essa foi a única imagem em uma qualidade razoável que eu achei pra colocar aqui.

5 — A Vingança de Willard (Glen Morgan, 2003)

Quando eu era criança eu era muito obcecado com os filmes As Panteras. E de tanto assistir, eu percebi que eu era apaixonado no Crispin Glover e daria tudo pra ele arrancar um tufo do meu cabelo. Quando A vingança de Willard chegou na locadora eu aluguei só pra poder ver ele em um filme onde ele era protagonista e, pra minha sorte, Willard era um personagem tão bizarro quanto o que ele fazia em As Panteras.

O cinema de horror dos anos 2000 carrega uma fama muito ruim. Somando isso ao fato de que A vingança de Willard é um remake de um filme já não muito popular, e a receita para o esquecimento está posta. Mas eu sempre achei um filme bastante competente na sua proposta. Enquanto cinema de horror ele tem uma direção muito segura, prestando tributo à uma certa atmosfera de filme B da sessão da meia-noite, mas sem abrir mão de um ritmo do seu tempo. Crispin Glover se entrega completamente ao papel, dando muita complexidade dramática e se divertindo ao mesmo tempo, em uma atuação digna de Oscar. E por falar em Oscar, na minha opinião esse filme é a versão boa de Coringa, então talvez A vingança de Willard de fato tenha sido uma obra a frente de seu tempo, e 2020 forneça o zeitgeist ideal para o filme brilhar.

6 — Capitão Sky e o Mundo do Amanhã (Kerry Conran, 2004)

Poucos filmes realmente merecem receber o adjetivo “visionário” como uma maneira de definir a obra, mas Capitão Sky e o mundo do amanhã certamente é um deles. Um projeto de amor para seu diretor, o filme começou a ser produzido uma década antes na forma de um curta. Com uma visão clara e audaciosa, Conran convenceu um elenco estelar a embarcar no projeto de orçamento enxuto. A trama é um neonoir retrofuturista onde a dualidade passado/futuro transcende a temática e se converte em conceito do próprio filme. O embate entre tecnologias digitais e analógicas, entre gêneros clássicos e estéticas pós-modernas, é um elemento presente ao longo de toda a projeção. Gravado completamente em estúdio (em um tempo onde o cinema de ação era majoritariamente feito em locações), o filme era ao mesmo tempo um tributo a velha Hollywood e um presságio do que Hollywood seria na década seguinte. A ousadia de filmar o filme completamente em fundo azul, com cenários desenhados integralmente em CGI, acabou se tornando o padrão do cinema Marvel que tivemos nos anos 2010. O diferencial de Capitão Sky, é que aqui o CGI não se pretendia realista, como se tornaria a regra após Avatar, mas sim uma maneira de se criar imagens de fantasia e mundos artificiais. O filme foi o primeiro de uma série de filmes dos anos 2000 que brincaram mais com as possibilidades do CGI (Sin City, 300, The Spirit, Speed Racer), sempre procurando transcrever em linguagem cinematográfica uma sensibilidade de graphic novels e HQs. Levando em conta toda essa influência e o trabalho artístico expresso na obra, eu acho realmente chocante que o filme não receba o reconhecimento pelos seus méritos. Em 2015 o Telegraph chegou a fazer uma matéria sobre a importância do filme e o posterior ostracismo de seu diretor, que até hoje não dirigiu seu segundo longa, mais de 15 anos depois de seu fracasso de bilheteria. Espero que um mundo pós-Cats esteja preparado para largar mão da obsessão realista no cinema e consiga apreciar a beleza que é essa obra-prima.

7 — A Casa de Cera (Jaume Collet-Serra, 2005)

Eu ando pensando muito em horror dos anos 2000 e má fama que ele carrega. Provavelmente meu carinho pelo cinema de horror do período exista porque foi a década que cobriu o fim da minha infância, minha puberdade e adolescência. São os filmes que eu cresci vendo como lançamentos da locadora e do cinema, e eu acredito que é uma década muito injustiçada para o gênero. A Casa de Cera é um combo de coisas odiadas: horror dos anos 2000, um slasher dos anos 2000, um remake anos 2000 de um clássico, um filme dos anos 2000 com a Paris Hilton no elenco. E todos esses fatores acabaram contribuindo para a recepção negativa do filme antes mesmo que as pessoas chegassem a assistir. Mas vendo ele 15 anos depois de seu lançamento, e sem esse olhar elitista para todas essas coisas, é necessário reconhecer que A Casa de Cera merece seu lugar reservado no cânone do horror. Extremamente divertido, gore e com ótimas cenas de tensão, o longa de estreia de Collet-Serra já demonstrava muitas das características que seriam aclamadas em seus filmes seguintes. Então realmente não é justo que esse filme receba uma das notas mais baixas de sua carreira no Letterboxd.

8 —Uma Escola de Arte Muito Louca(Terry Zwigoff, 2006)

Zwigoff dirigiu Ghost World (um dos filmes da minha vida) em 2001, e no período de 5 anos fez mais duas comédias (fechando uma espécie de trilogia e fazendo três dos cinco filmes que tem no currículo). Uma escola de arte muito louca é a menos elogiada dessas comédias e eu realmente nunca consegui entender o motivo. Com um humor sarcástico e um olhar maduro, Zwigoff realiza o difícil trabalho de se criticar a picaretagem do mundo da arte contemporânea, sem ser condescendente e nem colocar o problema na arte em si. Ele tem um olhar muito sagaz e inteligente na representação dos arquétipos que frequentam os cursos de arte (eu que me formei em cinema, reconheço vários dos meus colegas aí). É um filme que tem uma atmosfera muito cult, e agora que tá perto de completar 15 anos de existência, chegou a hora dessa revisão histórica acontecer.

9 — Chéri (Stephen Frears, 2009)

Primeiro longa feito por Frears depois do aclamado e premiado A rainha, Chéri foi o abre-alas do que seria a carreira do cineasta britânico nos anos 2010. De lá pra cá, todos seus trabalhos tem sido recebido de uma maneira morna e tratados como filmes medianos feitos para TV, no sentido mais pejorativo que essa descrição pode abarcar. Mas Chéri é muito cinema. Relatando o romance entre uma cortesã e um jovem durante a Belle Époque, Frears consegue, através de um inusitado e refrescante olhar queer para o período, captar uma certa melancolia raramente associada a esse momento da História, assim como imprimir um sentimento de dandismo no discurso da obra. É um filme que eu acho muito grandioso, tanto em temática e discurso quanto em termos técnicos. O tipo de filme que deveria fazer a rapa em premiações e ser encarado como referência. Mas uma década depois esse filme está completamente esquecido, não sendo usado nem para completar buraco na programação dos Telecine da vida. Então eu torço que o tempo tenha feito bem a Chéri, e que uma nova geração esteja pronta para perceber suas muitas qualidades.

10 — Beleza Adormecida (Julia Leigh, 2011)

Eu fiquei bem empolgado para ver Beleza adormecida desde o seu lançamento na Seleção Oficial de Cannes, um mérito notável para uma diretora estreante. Mas quando ele finalmente lançou em terras brasileiras, eram tantas as críticas negativas e comentários ruins de pessoas que assistiram, que eu acabei perdendo o tesão de ver. Anos mais tarde, viajando pelo catálogo da Netflix, encontrei esse filme e resolvi assistir. E putz, que arrependimento de ter aberto mão de ver essa obra-prima no cinema! Para mim é um dos grandes filmes da década passada. É um filme onde a gente sente que a diretora tem um olhar muito claro, um controle muito firme sobre cada elemento em cena. Acho que muito da rejeição do filme se deve ao fato de que ele não é tão preocupado em construir uma narrativa, em fazer um “estudo de personagem” ou coisa que se esperaria de um filme com a sinopse que esse carrega. Indo na contramão de expectativas, Leigh acertadamente faz um filme mais preocupador em captar uma atmosfera do que em dar respostas. É um filme que dificilmente ascenderia ao status de canônico, porque tudo nele é uma antítese ao lugar-comum que é o próprio cânone, mas eu acredito que existe um público que vai amar esse filme como eu amo. Então se você curte filmes formalmente desafiadores, acho que pode ser uma boa pedida.

11 — Obsessão (Lee Daniels, 2012)

O Lee Daniels é um cineasta que eu sempre simpatizei, mas acho difícil de gostar porque ele sempre pesa a mão em tudo que se propõe. Se em Preciosa ele peca no melodrama político-social de um cinema-miséria que ecoa Ken Loach, em Empire ele exagera nos tons de soap opera dos plot twists narrativos que se empilham sem resolução. Obsessão não é de forma alguma menos excessivo que seus outros trabalhos, mas aqui Daniels consegue colocar esses excessos em uma estrutura que é enriquecida por esses apelos.

O filme é basicamente uma versão camp de True Detective. Um thriller que presta homenagem aos romances pulp e ao mesmo tempo captura uma certa essência dos Estados Unidos do final dos anos 60. Esteticamente, Daniels toma a inteligente decisão de abraçar uma plasticidade meio suja, quase de um pornô vintage, onde os personagens vivem em constante estado de excitação sexual e letargia, sempre suados e exaustos do meio, das condições que vivem. Um filme de suor, mormaço e carne, onde as pulsões de sexo e morte não apenas andam juntas, mas são fomentadas pelo calor do ambiente, dessa cidade no sul dos Estados Unidos. Obsessão não é o primeiro filme a revisitar o zeitgeist e as tensões desse período histórico, mas é notável como todos esses filmes (Vício Inerente e Era uma vez… em Hollywood servem de exemplos), são centrados na experiência de homens brancos e heterossexuais. E embora o jornaleiro do título original seja um jovem garoto heterossexual interpretado por Zac Efron, e que o filme seja em muitas medidas o seu coming of age, Obsessão é inteiramente permeado pelas perspectivas de mulheres, pessoas negras e queer. O filme passou batido na temporada de premiações, recebendo algum burburinho apenas pela atuação de Nicole Kidman. Uma injustiça sem tamanho a obra-prima de Daniels ser encarada como um filme inferior ao seu Preciosa. Não que seja necessariamente o filme que receberia 12 estatuetas em alguma premiação. Mas potencial para clássico cult ele tem de sobra.

12 — Os Decentes (Lukas Valenta Rinner, 2016)

O cinema argentino é extremamente popular no Brasil, com um fluxo de lançamentos de filmes dos hermanos em território nacional por ano sempre alto e constante. Quando eu vi Os decentes na Mostra de Cinema de São Paulo, tinha certeza que ele seria lançado por aqui e que seria um hit de bilheteria. Acabou que até hoje não foi lançado em circuito por aqui.

Mas para mim é sem dúvidas um dos melhores e mais originais filmes latinos dos últimos anos. Pegando uma das figuras mais exploradas do cinema latino contemporâneo, a empregada doméstica, o filme constrói uma das narrativas mais criativas e insólitas sobre classe, gênero e poder. Apesar de ser um filme com bastante nudez, eu acho que é um filme que tem muitos requisitos de crowd-pleaser, sendo um filme de humor leve e direção carismática. Ocupando um lugar de cinema médio, acho uma pena esse filme ter sido tão ignorando pelo grande público.

13 — The Death & Life of John F. Donovan (Xavier Dolan, 2018)

O único fracasso inegável da carreira de Dolan, The Death & Life of John F. Donovan já foi renegado ao esquecimento antes mesmo de ser lançado. Parece que todos os envolvidos decidiram simplesmente fingir que o filme nunca aconteceu, e a Jessica Chastain deve dar graças a deus por ter sido vetada do corte final. Mas para mim, é o melhor filme da carreira de Dolan até agora. Na verdade, é o único que eu gostei de verdade.

Não é de hoje que o Dolan tem tentado imprimir uma leitura contemporânea do melodrama clássico em seus filmes, mas sempre erra a mão e cai num lugar de histeria muito grande. Não sei se foi o um acanhamento por lidar com um elenco tão famoso, ou de trabalhar em outra língua, ou por ser um filme produzido nos Estado Unidos, mas o fato é que aqui ele acerta muito mais a mão na direção, fazendo um melodrama de qualidade e sendo mais contido em muitos dos seus vícios. O elenco todo está em um tom certo, e a trama fragmentada é bem conduzida. Realmente não entendo porque tantas das críticas negativas reclamam justamente da estrutura, já que eu acho o filme muito bem costurado. Na minha visão, The Death & Life of John F. Donovan é um desses filmes que acaba prejudicado por um ódio compulsório coletivo, onde uma parcela muito alta do público já forma sua opinião tendo como base a rejeição unânime recebida na temporada de festivais. Mas para quem se abrir ao filme, pode encontrar uma grata surpresa: uma história sensível, um melodrama bonito e um trabalho muito emocionante e sincero.

14 — Operação Red Sparrow (Francis Lawrence, 2018)

Operação Red Sparrow é um filme completamente fora de seu tempo. Em pleno 2018, ele conseguiu romper todas as normas que tem regido Hollywood nas últimas décadas. É um filme para maiores de 18 anos, adaptado de um livro sem qualquer relação com super heróis ou franquias em andamento, e é uma trama extremamente sexualizada. Sem dúvidas o trabalho mais autoral de Francis Lawrence, tem muitas escolhas interessantes aqui. Colocar Jennifer Lawrence, queridinha da America e atriz que nunca tinha feito cenas de nudez antes, em um filme sobre uma bailarina russa (!) que se vê forçada por seu governo a frequentar uma escola de sedução sexual (!!!) para então se transformar em espiã (!!!!!), é uma (absurda) sacada de gênio. E o filme é muito conscientemente camp, de um jeito que não se vê mais nos dias de hoje. Do sotaque russo exagerado, aos figurinos hiperestilizados, passando pela presença de Charlotte Rampling (musa de um certo cinema exploitation dos anos 70) como professora dos espiões-prostitutos, são muitos os elementos visuais e narrativas que inserem o filme mais no âmbito de uma fantasia do que de uma trama naturalista. Em um híbrido entre tributo e paródia ao cinema feito por cineastas como Brian DePalma e Paul Verhoeven, tudo aqui evoca um passado do cinema que simplesmente deixou de existir. Junto com o Anna de Luc Besson, rende uma excelente sessão dupla sobre como governos controlam corpos e prostituem nossas vidas (e sobre como o cinema de ação ainda pode ser divertido e nada sisudo).

15 — Velvet Buzzsaw (Dan Gilroy, 2019)

Filme mais recente da lista, a produção Netflix tem uma nota terrível no Letterboxd (2,4) e eu realmente não entendo esse ódio. É um filme de terror muito do bom, que merecia o amor dos fãs do gênero no mínimo. Com um elenco estelar se divertindo horrores, o filme sai bastante dessa onda do pós-horror contemporâneo e se alinha mais a um cinema nos moldes do giallo, onde a questão visual é mais importante que a narrativa e a direção faz mais o filme do que o roteiro. Com muita sensibilidade camp em sua crítica ao mercado da arte, é o Os Olhos de Laura Mars do século XXI. Sempre acho revigorante ver um filme nos dias de hoje que tem um uso tão criativo do CGI, mais se divertindo com suas possibilidades do que buscando um naturalismo excessivo. Fazendo uma releitura do slasher, o roteiro traz cenas de mortes muito originais e diálogos deliciosos. Pra mim foi um clássico instantâneo, daqueles que quando acabou eu já sabia que ia rever muitas vezes.

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