41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo — Meus Prêmios Kiki

Henrique Rodrigues Marques
Fora do Meio
Published in
11 min readNov 2, 2017

E ontem chegou ao fim a 41ª edição da Mostra Internacional de São Paulo. Composta por 394 títulos, entre retrospectivas, homenagens e um panorama contemporâneo, a Mostra traz para São Paulo o que ̶o̶ ̶F̶e̶s̶t̶i̶v̶a̶l̶ ̶d̶o̶ ̶R̶i̶o̶ ̶d̶e̶i̶x̶o̶u̶ ̶d̶e̶ ̶s̶o̶b̶r̶a̶ de melhor teve nos festivais pelo mundo durante o ano. Pela primeira vez desde 2009, nessa Mostra fiquei mais focado em ir nas retrospectivas de Agnès Varda e Paul Vecchiali (dois dos meus cineastas favoritos, que são extremamente subvalorizados e dificilmente vão ganhar outro panorama tão completo assim por aqui) do que em ver os filmes da perspectiva mundial. Mas nessas duas semanas, consegui ver 37 filmes, sempre procurando priorizar filmes mais desconhecidos, com pouca chance de ganharem um lançamento nacional. Claro que apostando assim a gente acaba vendo muito (tipo, muito MESMO) filme ruim, mas as boas surpresas fazem tudo valer a pena. E como eu adoro brincar de júri, resolvi distribuir uns prêmios para os meus favoritos (e alguns odiados também).

Melhor Filme: VISAGES, VILLAGES (Agnès Varda e JR, França)

Eu quase pensei em colocar o novo documentário da Varda como hors-concours, porque realmente não tem competição quando a rainha do cinema está na disputa, né. Visages, Villages é um filme extremamente gracioso, que dá aquela aquecidinha no coração quando se assiste e faz a gente sair da sessão com um sorriso no rosto e os olhinhos marejados ̶q̶u̶e̶r̶e̶n̶d̶o̶ ̶l̶a̶r̶g̶a̶r̶ ̶t̶u̶d̶o̶,̶ ̶c̶o̶m̶p̶r̶a̶r̶ ̶u̶m̶a̶ ̶v̶a̶n̶ ̶e̶ ̶e̶x̶p̶l̶o̶r̶a̶r̶ ̶e̶s̶s̶e̶ ̶B̶r̶a̶s̶i̶l̶z̶ã̶o̶ ̶d̶e̶ ̶m̶e̶u̶ ̶d̶e̶u̶s̶. Mas o que mais surpreende é o modo como Varda costura os diversos temas abordados e conduz a narrativa de maneira tão fluída e leve, fazendo com que um trabalho extremamente elaborado pareça feito sem qualquer esforço. Com quase 90 anos, Varda continua provando que não sai de casa se não for pra fazer obra-prima.

Melhor direção: Daan Bakker, por TEMPO DE QUALIDADE (Holanda)

Nesses quase 10 anos de frequentar a Mostra, tornou-se um dos meus maiores prazeres descobrir novos diretores que em seus primeiros filmes já ganham um posto na listinha de favoritos, um “vou anotar o nome desse cara porque parece que ele ainda vai fazer muita coisa boa por aí vocês aguarde”. Daan Bakker é a minha aposta de futuro promissor para esse ano. Seu longa de estreia é formado por cinco contos com linguagens, gêneros e formatos extremamente diferentes, que vão de uma animação minimalista a uma ficção científica de viagem no tempo, mas que se unem através do humor ao abordar o mesmo tema: a fragilidade (e subsequente crise) da masculinidade. Cada um dos segmentos é mais inventivo e original do que o outro, e a direção de Bakker se mostra bastante segura, conduzindo os capítulos de forma tão coesa e coerente que deixariam um corretor do ENEM com tremores emocionados. Espero que ele não demore para lançar seu segundo filme, porque eu já tô com todas as minhas fichas na casinha dele.

Menção Honrosa: Leonardo Mouramateus, por ANTÔNIO UM DOIS TRÊS (Brasil). Eu admiro muito a qualidade de direção dos trabalhos de Mouramateus, que desde jovem já conseguiu encontrar uma veia autoral muito marcante (você quer, @Xavier Dolan?), poréeeeeem raramente me interesso pelas histórias que ele conta. Mas ainda assim, teria merecido ganhar o prêmio de melhor filme de estreia brasileiro, pelo tour de force que ele e sua equipe desempenham em um filme despretensioso, mas muito bem construído.

Melhor filme de estreia: CUSTÓDIA (Xavier Legrand, França)

Tem duas coisas que eu gosto muito na Mostra: ver filmes de cineastas estreantes e ver filmes de cineastas que eu admiro, mas que dificilmente viriam a circuito. Custódia é um raro caso que contempla essas duas frentes. Eu já conhecia o trabalho do Xavier Legrand pelo seu impecável curta Avant que de tout perdre (2013), que inclusive recebeu uma indicação ao Oscar. Fui assistir só por reconhecer o nome dele, sem nem ler sinopse ou ver trailer, e foi uma ótima surpresa descobrir que seu primeiro longa é na realidade uma continuação direta do curta e que, além de desenvolver melhor a história desses personagens, ele aprimora tudo o que torna o curta tão bem-sucedido. Não é um filme memorável, mas Legrand tem um talento enorme para criar um clima de tensão que é sempre quieto, mas muito urgente, com suas cenas longas que acontecem praticamente em tempo real, mesmo quando não se utilizam de planos-sequência. É a prova de que discutir temas sociais — nesse caso, a violência doméstica — pode se tornar mais potente quando o discurso é aliado a um bom cinema de gênero.

Menção honrosa: Ana Urushadze, por SCARY MOTHER (Géorgia).

Melhor atriz: Condola Rashād, por BIKINI MOON ( Milcho Manchevski, Estados Unidos)

Bikini Moon é um filme que mistura uma série de temas sociais que sozinhos já são difíceis de se abordar sem se criar uma aura de fetiche da miséria, que dirá todos juntos. Mas o filme de Manchevski consegue fugir disso (pelo menos em seus dois terços iniciais), e muito disso se deve a ótima atuação de Rashād. Interpretando uma moradora de rua que serviu no exército americano e tem transtornos mentais, a jovem atriz consegue conferir muita vitalidade e carisma para sua personagem, mostrando que situação de vulnerabilidade não precisa significar fraqueza. Sua Bikini é uma mulher cativante, instigante e cheia de nuances e sem nunca cair naquela coisa Forrest Gump de “adorável lunático”. Espero que o trabalho dela seja reconhecido e que ela ganhe notabilidade, porque star quality ela tem de sobra.

Menção honrosa: Marjorie Estiano, por AS BOAS MANEIRAS (Brasil).

Melhor ator: Nino Den Brave, por ENCONTRE ESSA PEQUENA E ESTÚPIDA VADIA E JOGUE ELA NO RIO (Ben Brand, Holanda)

Todo ano na Mostra é comum que se crie um jogo pessoal e entre as rodas de cinéfilos em buscar captar temas recorrentes nos filmes assistidos. Em 2017, “Crianças Cruéis” facilmente poderia ter sido um programa paralelo, de tantos filmes a falar sobre a violência entre (e contra) jovens. Além do tema em comum, esses filmes compartilham um ótimo casting de atores mirins, com atuações que chocam de tão boas que são. Mas nenhuma delas se compara ao trabalho de Nino Den Brave, que sustenta um filme onde aparece em pelo menos 90% dos 87 minutos de projeção, sendo que em muitas das cenas contracena sozinho e sem dizer uma palavra. Através de um trabalho que percorre todo seu corpo, Den Brave consegue transmitir a angústia de Remco, um garoto que sofre com as pressões de pertencimento social, de agradar seu pai, proteger sua família, se tornar um adulto, ter reconhecimento de alguma espécie e os pesos da masculinidade tóxica e de lidar com as consequências de suas ações. Fazia tempo que não via um olhar dizer tanto em uma tela.

Troféu Juventude: A ILHA DOS PINGUINS (Guille Söhrens, Chile)

Quando eu comecei a frequentar a Mostra lá nos tempos áureos de ensino médio, eu precisava ficar sem almoçar para economizar a grana necessária para comprar um ingresso. Então para conseguir ver mais coisas, eu dependia da programação destinada ao circuito gratuito dentro da Mostra. Sendo assim, via muita coisa nas sessões do Festival da Juventude, que rolava 10 da manhã em algumas salas, e eram liberadas para alunos do ensino médio, sempre com filmes voltados para o público jovem. Acho que por isso acabei criando uma relação direta entre a Mostra e esse tipo de filme. Infelizmente, o Festival da Juventude não existe mais a pelo menos umas três edições, mas prestando tributo a esses tempos (e na esperança de que um dia ele volte), resolvi ~~premiar~~ o melhor filme jovem do festival (já que a própria mostra ofertava um troféu ao filme mais votado pelo público destas sessões). A ilha dos pinguins seria perfeito para o Festival da Juventude, não só por dialogar muito bem com adolescentes, mas por tratar das manifestações secundaristas que rolaram no Chile em 2006, e que se assemelham muito as ocupações feitas pelos alunos brasileiros no ano passado. Teria sido incrível que esse filme tivesse acesso a esse público que, como eu, provavelmente não tava podendo arcar com os custos de frequentar a Mostra. Na minha sessão era predominante a presença de espectadores que já passaram dos trinta e tantos e acham que millennial é tudo alienado, e não concebem a ideia de um filme que trata dessa geração com respeito e afeto, mas sem deixar de tratar das contradições inerentes a própria juventude. É aquele filme que até é cheio de defeitos, mas tem seu charme e logo ganha o posto de queridinho no meu coração.

Menção honrosa: MÚSICA PARA QUANDO AS LUZES SE APAGAM ( Ismael Caneppele, Brasil).

Troféu Espírito Independente: AMANTES (Niels Holstein Kaa, Dinamarca)

Um filme que ali a crueza do Dogma 95 à leveza e calor do comecinho do mumblecore americano. É um projeto quase de guerrilha, com aquele ar de “ação entre amigos”, mas que traz algo de muito fresco ao tratar de relacionamentos que acabam antes de começar, um tema com o qual qualquer pessoa na faixa dos 20 consegue se identificar. O trabalho de câmera, cheio de movimentações espontâneas, zooms grosseiros e um abuso de terceiros planos — características que geralmente me incomodam bastante — , aqui conseguem nos aproximar dos personagens e das situações vividas, naquela estética quase documental. E só para aumentar ainda mais esse clima indie de ser, o filme tem uma trilha que facilmente seria a playlist da história de amor de algum casal que se conheceu pelo lastfm, com covers a lá Ryan Adams de músicas como True love will find you in the end e You’re the one that I want (sim, a do Grease, mais cult do que eu???).

Melhor filme queer: AS BOAS MANEIRAS (Juliana Rojas e Marco Dutra, Brasil)

Não que a Mostra em alguma época tenha sido um festival preocupado com representação LGBT/queer, mas era comum de se esperar algum vencedor do Teddy Awards em Berlin, do Queer Lion em Veneza, ou até mesmo alguma coisinha de mostra paralela em Sundance que o Festival do Rio deixou passar. Mas nunca nesses meus quase dez anos de festival eu vi uma edição tão tão TÃO hetero. Mas quando eu tava quase desistindo de encontrar algo que merecesse o título de filme queer, vieram as boas surpresas de As boas maneiras. Além de trazer um romance lésbico, o filme de Rojas e Dutra consegue abordar diversos temas que são bastante caros as políticas queer, como estruturas não normativas de família, infâncias marginalizadas e até mesmo um esboço de resistência anti-assimilacionista. E faz tudo isso seguindo a sempre ótima tradição cinematográfica de relacionar vivências queer a monstruosidade (no melhor sentido possível).

Troféu Tiffany de maior decepção: Semih Kaplanoğlu, por GRÃO (Turquia)

Todo ano no ritual de fuçar detalhadamente a seleção de filmes da Mostra a gente acaba descobrindo que vai ter aquele filme de um diretor que a gente adora e nem sabia que tava com filme novo no mercado. Nessa 41ª edição, fiquei pura euforia ao ver o nominho do Semih Kaplanoğlu, simplesmente porque esse homem dirigiu a minha trilogia cinematográfica favorita e agora resolveu explorar o cinema de ficção científica. A expectativa foi lá em cima e eu já entrei no cinema gritando VEM HINOOOOO só pra sair de lá toda Tyra Banks extremamente desapontada HOW DARE YOU, TIFFANY???. O filme parece uma tentativa de ser Tarkovski num roteiro de mais de duas horas vendendo aquele papo ~~homem e natureza são um só cuidado com o aquecimento global gente vamo cuida do planeta enquanto há tempo evoé mãe terra gratidão pelo alimento que nos dá~~, e que no caminho abusa de imagens metafóricas cafoníssimas. Ah, e ainda consegue meter ali uma questão de espiritualidade, jornada pessoal de autoconhecimento, etc e tal. É quase um A cabana com estética arthouse e aquela fotografia em PB que recebe elogios no filmow. Saí do cinema engasgada em decepção.

Melhor crush: Luca Marinelli, Valentina Bellè e Lorenzo Richelmy, por UMA QUESTÃO PESSOAL (Irmãos Taviani, Itália)

Outra coisa que não pode faltar numa mostra: eu sair de um filme apaixonado e com o nome de um ator anotado pra chegar em casa e jogar no google “fulanx naked” na esperança de algum resultado se manifestar. Foi assim com Avan Jogia na 40ª edição, Yiannis Papadopoulos na 37ª e Jess Weixler na 33ª. Esse ano rolou muita gente linda nos filmes, mas nada se compara a síndrome de Stendhal que foi ver esse triângulo amoroso dividindo uma tela. A famigerada definição de “tanto faz”, né mores? Só é uma pena que os Irmãos Taviani não sabem aproveitar essa beleza toda, e infelizmente faltou a mão de um diretor mais sensual para captar esse elenco com o olhar que era merecido. Mas foi só a promessa da consumação desse menage que me manteve acordado durante esse filme que é bem chatinho(e spoiler alert: não deu em nada mesmo).

Menções honrosas: a bundinha bonitinha em PB do Jakub Gierszal em ALÉM DAS PALAVRAS (Urszula Antoniak, Polônia); e Oleg Shibayev que parece uma versão russa do Tom Holland e tem uma carinha de twink que aparece no czech hunter, por A FLORESTA (Roman Zhigalov, Rússia).

Troféu Darren Aronofsky de maior micão: NICO, 1988 (Susanna Nicchiarelli, Itália)

Eu nunca fui muito fã da Nico (desculpa viados, mas sempre fui mais um Edie Sedgwick kind of gay), mas tinha achado até interessante a proposta de fazer um filme focado nos últimos anos da vida de uma cantora que foi imortalizada pela beleza de sua juventude. Mas puta que pariu, que filme cafona da porra. Tudo bem que o Festival de Veneza é um festival bastante duvidoso, mas tô até agora sem entender como esse filme ganhou prêmio de melhor direção em qualquer contexto. Tudo tem um ar de especial de Natal da Globo, filme direto pra TV tendo como público-alvo: a sua mãe. Mesmo com um recorte de poucos anos, o roteiro tenta passar por 2749028 temas sobre a vida de Nico e desenvolve cada um deles como se fosse uma temporada de American Horror Story: começa promissor, fica esquecido lá pela metade e se inventa um encerramento às pressas quando tá prestes a acabar. Até a atuação da Trine Dyrholm, tão elogiada nas filas da Mostra afora, para mim soou como pura canastrice e caricatura, eu só conseguia pensar que todas as reações dela pareciam gifs da Gretchen. Meu maior desejo era que uma hora ela falasse “é Nico, mulher, a cantora!”. Mas esse momento não chegou e o filme só me deixou muita vergonha alheia mesmo.

Bom, e é com esse textão que eu encerro a minha Mostra de 2017. Agora é tentar pegar uma coisinha ou outra na repescagem, voltar para minhas obrigações de vida e torcer para que ano que vem seja o ano que eles percebam que essa história de só passar filme inédito no Brasil não serve pra nada, só para aumentar a rixa entre paulistas e cariocas.

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