Melhores da Década — Filmes Brasileiros

Henrique Rodrigues Marques
Fora do Meio
Published in
11 min readDec 9, 2019

Alguns filmes lançados em 2009 foram incluídos na lista por terem estreado oficialmente em circuito brasileiro entre 2010 e 2011. Por outro lado, alguns dos filmes mencionados tiveram exibição apenas em festivais, mas ainda não possuem previsão de lançamento comercial.

50. Elvis & Madonna (Marcelo Laffitte, 2011)

A escolha mais pessoal dessa lista. Apesar dos muitos defeitos, tenho um grande carinho por esse filme porque ele mantém um certo espírito do cinema queer que é raro de se ver no cinema brasileiro. Uma comédia romântica pra aquecer o coraçãozinho, mas com um gosto pelo camp.

49. Depois da chuva (Cláudio Marques e Marília Hughes, 2013)

No ano em que começaram as manifestações públicas pelos 20 centavos, surgiu esse coming of age pouco comentado que revisa a memória utópica feita em cima da redemocratização do Brasil. Um mal-estar melancólico que foi quase premonitório do que a juventude viria a passar nos anos seguintes. Um olhar muito cru e honesto para seus personagens adolescentes.

48. Chatô, o rei do Brasil (Guilherme Fontes, 2015)

Um filme que nasceu depois de um parto longuíssimo, mas que por isso mesmo já chegou com status de cult. De uma maneira insana, meio que capta um certo estado das coisas no Brasil, sem falar na mescla inesperada de filme de retomada com filme brasileiro contemporâneo.

47. A misteriosa morte de Pérola (Ticiana Augusto Lima e Guto Parente, 2014)

Das incursões mais recentes que o cinema brasileiro anda fazendo no cinema de horror, essa é certamente uma das mais interessantes. Um mumblegore à brasileira que mimetiza ares europeus; o experimentalismo de Maya Deren repensado para os grãos da imagem digital.

46. Léo e Bia (Oswaldo Montenegro, 2010)

Um filme bastante esquecido, mas que na minha opinião merecia mais destaque. A fusão entre teatro e cinema raramente é bem-sucedida, porque o primeiro tende a se anular parte da linguagem cinematográfica, dando a impressão de que se vê literalmente uma peça filmada. Mas em Léo e Bia existe uma harmonia produtiva entre os dois terrenos, um potencializado o outro. E tudo isso sustentado por um ótimo elenco jovem e bom uso da banda sonora.

45. Praia do futuro (Karim Aïnouz, 2014)

O melodrama mais bem-sucedido de Aïnouz, falando sobre as afetividades entre homens, sejam eles irmãos ou amantes. As cenas finais são das imagens mais bonitas que o cinema brasileiro produziu nessa década.

44. Mormaço (Marina Meliande, 2018)

No repertório de Meliande, é seu filme menos inventivo; no contexto do cinema brasileiro obcecado em abordar temas urgentes, é um dos melhores produtos. Os horrores da cidade infeccionando o corpo, o body horror da impossibilidade de agir.

43. Vermelho russo (Charly Braun, 2016)

Em tempos onde todo filme brasileiro parece querer demais ser extremamente político, foi extremamente revigorante ver um filme que se orgulha de ser meio burguês e contar a história de amizade entre duas atrizes que fazem um intercâmbio na Europa. E justamente pela atenção dada as duas protagonistas, é um dos filmes nacionais mais interessantes dos últimos anos.

42. Como é cruel viver assim (Julia Rezende, 2018)

Um tipo de cinema médio que fica cada vez mais raro no Brasil. Sem muitas ambições, acabou sendo um dos melhores retratos da frustração popular que culminou na vitória de Bolsonaro. Quem nasce no Brasil é gente que quer virar gente.

41. Sinfonia da Necrópole (Juliana Rojas, 2014)

Só por ser um musical já merece uma vaguinha nessa lista. Mas para além de tal ousadia, Rojas tem um olhar muito bom para criar atmosferas de estranhamentos. A cena do karaokê é cômica e patética e linda de morrer e triste de doer.

40. Insolação (Felipe Hirsch e Daniela Thomas, 2009)

Desde São Paulo S.A. o uso do espaço geográfico não era tão bem utilizado como ferramenta narrativa. A gente quase sente o calor, o amor e a dor que acomete esse grupo de personagens oprimidos pela arquitetura da capital brasileira.

39. A noite amarela (Ramon Porto Mota, 2019)

Um dos melhores filmes de estreia de 2019, o filme de Porto Mota é bastante inteligente na utilização de poucos recursos como elementos de construção do horror. Que o filme tenha sido lançado no ano em que se barra todas as possibilidades de futuro para a juventude, é dolorosamente premonitório mas muito potente.

38. 2 coelhos (Afonso Poyart, 2012)

Muito se fala sobre o aumento das produções de gênero no Brasil dessa década, mas pouco se fala de um dos primeiros filmes — e certamente o mais bem-sucedido — em realmente abraçar o gênero sem qualquer vergonha de ser visto como tal. Pode até ter algumas falhas em termos de roteiro, mas é um tipo de espetáculo visual que além de bom entreternimento é bastante único na história do cinema brasileiro.

37. Mr. Leather (Daniel Nolasco, 2019)

Daniel Nolasco é um dos poucos cineastas brasileiros que realmente faz filmes irrestritamente queer. Seu documentário sobre o concurso para eleger o Mr. para representar a comunidade BDSM/Leather gay de São Paulo, é uma ode a hiperestilização — dos corpos, da cultura e do cinema.

36. O pequeno mal (Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zethune, 2018)

É um filme que tem um processo quase acadêmico em sua elaboração. Mesmo que não faça sentido o tempo todo, fica bastante explícito que os cineastas sabem muito bem o que eles querem com cada plano. Uma mise-en-scène que realmente não se afilia a nada que tem sido produzido no Brasil. Fico muito instigado e ansioso para ver o que a dupla fará nessa próxima década.

35. O homem das multidões (Marcelo Gomes e Cao Guimarães, 2013)

Um filme sobre solidões no espaço urbano, mas sem cinismos ou teses sociais. Uma das histórias de amor mais criativas que o cinema brasileiro já produziu.

34. O futebol (Sergio Oksman, 2015)

Dos documentários em primeira pessoa feitos no Brasil, esse é certamente um dos melhores. Sua construção narrativa é muito bem conduzida, e o contraste entre o formalismo visual e o sentimentalismo de seu tema ornam de maneira bastante inesperada, mas eficaz.

33. Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (Beto Brant e Renato Ciasca, 2011)

O modo como Brent e Ciasca praticamente sublimam a narrativa, cria um tipo de cinema de fluxo que tem Camila Pitanga como objeto e paisagem. Curiosa adaptação do romance de Marçal Aquino.

32. Esse amor que nos consome (Allan Ribeiro e Douglas Soares, 2014)

Mistura de documentário, ficção e performance, faz um retrato inventivo dos personagens que investiga.

31. Nova Dubai (Gustavo Vinagre, 2014)

Coloca em conflito a ficção especulativa e a especulação imobiliária. O sexo em público como ato de desobediência civil; a utopia queer da barbárie urbana.

30. Ato, atalho e vento (Marcelo Masagão, 2015)

O gesto cinematográfico nas mãos do melhor filme-ensaísta brasileiro.

29. A seita (André Antônio, 2015)

O gosto pela frivolidade e a ficção científica como um retorno ao passado. As ruínas do presente como premonição do que está por vir.

28. Ventos de agosto (Gabriel Mascaro, 2014)

Corpos em repouso criando um cinema de fluxo quase erótico em sua relação entre humanos e natureza.

27. O jogo das decapitações (Sérgio Bianchi, 2013)

Sérgio Bianchi é um dos cineastas mais incômodos em atividade no Brasil. Na sua arriscada paródia dos hábitos da elite cultural, todos saem atacados e potencialmente ofendidos. Não sei se ele é um desbundado ou um reaça, mas fico muito feliz que ele assuma esse trabalho sujo para si.

26. A cidade onde envelheço (Marília Rocha, 2016)

O cinema da simplicidade, do prosaico, do afeto. Sem narrativa, sem crítica social, sem análise da conjuntura. Só o prazer de gastar algumas horas mortas com suas personagens.

25. Amor, plástico e barulho (Renata Pinheiro, 2013)

O Nasce uma estrela reinventado para a cultura da música brega, mas trocando o relacionamento amoroso heterossexual pela amizade (e rivalidade) entre mulheres. A câmera de Pinheiro tem um gosto pela carne, pelo suor, pelo vulgar que é sexy, mas sem necessariamente cair numa exotificação do universo que registra.

24. Doce Amianto (Guto Parente e Uirá dos Reis, 2013)

Um desbunde queer e uma apropriação mambembe do camp. O melodrama transviado para bicha sofredora que ouve Alcione.

23. Divinas Divas (Leandra Leal, 2016)

Da onda de documentários que revitalizam histórias esquecidas do Brasil, esse é o mais bonito, carinhoso e cheio de vida.

22. A fuga da mulher gorila (Marina Meliande e Felipe Bragança, 2009)

Um road movie feminista sobre mulheres que rejeitam as obrigações dos moldes, embalado em um cinema que recusa os moldes naturalistas do cinema brasileiro. Sangue de glitter e céu de celofane.

21. Ralé (Helena Ignez, 2015)

Um cinema anárquico, queer, desbundado. O espírito do cinema marginal que entende as sensibilidades e especificidades do mundo contemporâneo. Tsai Ming Liang passando as férias de verão com Sônia Silk.

20. Batguano (Tavinho Teixeira, 2014)

A cultura pop, a estética queer e uma sensibilidade tupiniquim como ferramentas para se abordar a memória da aids. Corpos que não mais agonizam em praça pública, mas que encontram seus prazeres e dores nos becos escuros, e no contato uns com os outros.

19. Divino amor (Gabriel Mascaro, 2019)

Uma distopia muito inteligente e bem-estruturada, conciliando questões específicas do contexto brasileiro com ansiedades universais. Subverte expectativas do feminismo liberal, enquanto inverte expectativas de gênero, criando uma das melhores personagens femininas dessa década. De uma maneira torta, é um filme sobre religião e rebelião. Não chega a ser esperançoso, mas certamente traz vontade de lutar.

18. Histórias que só existem quando lembradas (Julia Murat, 2011)

Sobre tempo e espaço, tempo e corpo, tempo e tempos. Começa como cinema naturalista contemplativo e vai se contaminando pelo onírico, o fantástico, o irreal.

17. O amor segundo B. Schianberg (Beto Brant, 2010)

Antes da febre Black Mirror, o ousado e criativo projeto de Brant se apropriava das ansiedades tecnólogicas para defender que se o tempo é fluído os corpos são sólidos, que a conexão virtual é caminho para conexão material, e que ambas são muito reais. Das cenas de sexo mais bonitas e tesudas que o cinema brasileiro já fez. Corpos pixelizados nunca foram tão calorosamente filmados.

16. Os residentes (Tiago Mata Machado, 2010)

Assim como o filme de Brant, mostra que o ano de 2010 foi um ano de experimentação em linguagem no cinema brasileiro. Muito perto da videoarte e do teatro, o filme é das construções mais inovadoras que o cinema brasileiro recente já teve.

15. Boa sorte (Carolina Jabor, 2014)

Outro exemplo de filme médio que o Brasil deveria fazer mais. Uma comédia romântica inusitada, cheia de sentimento e sinceridade. Debora Secco em uma de suas maiores atuações, naquele que provavelmente é o melhor retrato de uma pessoa vivendo com hiv do cinema nacional.

14. Histórias que nosso cinema (não) contava (Fernanda Pessoa, 2017)

A reivindicação política da pornochanchada em um admirável trabalho de pesquisa e montagem.

13. A alegria (Marina Meliande e Felipe Bragança, 2010)

Cinema jovem, de super-heróis que não sabem salvar nem a si mesmos, mas sabem sonhar com um mundo melhor. Cinema de invenção reconstruído pela sensibilidade millennial.

12. Viajo porque preciso, volto porque te amo (Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, 2009)

Road movie afetivo, docuficção, filme ensaio. Negando a estética e a cosmética da fome, segue sendo a melhor representação do nordeste de carne, ossos e afetos.

11. Música para quando as luzes se apagam (Ismael Caneppele, 2017)

Melhor representação sobre juventude brasileira dessa década. Um cineasta que confia na força das imagens que cria e que acredita que sentimentos são melhores quando não se tenta explicar ou justificar.

10. Mate-me, por favor (Anita Rocha da Silveira, 2015)

Excelente longa de estreia da maior promessa do cinema de curta-metragem brasileiro. O horror enquanto estética para pulsões de desejo juvenil.

09. A primeira missa (Ana Carolina, 2014)

O filho ilegítimo do cinema de Carla Camurati com o de Rogério Sganzerla, adotado pela maior cineasta que esse país já teve. A impossibilidade do cinema brasileiro ao longo das décadas condensado em um filme sobre a produção de um filme sobre a história do Brasil.

08. O menino e o mundo (Alê Abreu, 2013)

Eu não sou muito fã de animações, mas esse filme é um assombro de tão maravilhoso que é. A fluidez das imagens, a construção discursiva, a beleza dos traços. Tudo aqui chega muito perto da perfeição.

07. Os inquilinos (Sérgio Bianchi, 2009)

Um dos melhores filmes de horror dessa década e o que melhor captou um pensamento da classe média que vê em Capitão Nascimento e Bolsonaro ícones de um Brasil um melhor. O inferno são os outros quando os medos são privados.

06. As boas maneiras (Juliana Rojas e Marco Dutra, 2017)

A criança monstruosa e a maternidade monstruosa representadas em monstros legitimamente brasileiros. Sobre a necessidade de que alguém proteja a criança viada.

05. Era o Hotel Cambridge (Eliane Caffé, 2017)

Os movimentos de ocupação foram tema recorrente no cinema brasileiro dessa década, mas nenhum deles atingiu um retrato tão bonito como o filme de Caffé. A ficcionalização da vida cotidiana também pode ser ferramenta de resistência.

04. O lobo atrás da porta (Fernando Coimbra, 2013)

O melhor roteiro original que o Brasil fez nessa década, localiza os crimes suburbanos que se consome diariamente no cidade alerta numa elegante estrutura de thriller policial. Elenco afiado e uma direção muito esperta.

03. Boi Neon (Gabriel Mascaro, 2015)

Embora não tenha nenhum personagem LGBT, é um dos melhores filmes queer dessa década justamente por colocar em xeque as performatividade cisnormativas. Uma inusitada estrutura familiar apresentada em uma perspectiva extremamente acolhedora. Nossa vida não cabe em gêneros.

02. Os famosos e os duendes da morte (Esmir Filho, 2009)

Tão raro ver a geração millennial e sua relação com as tecnologias digitais não ser representada por um prisma moralista. E que o filme em si tenha uma estética tão livre, tão despreocupada com narrativa ou naturalismos, tão voltada para um estar queer no mundo só melhora a experiência desse filme. Esse filme foi para mim o que o Hoje eu quero voltar sozinho é para os assimilacionistas.

01. Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013)

Embora tenha alguns defeitos, é o único filme brasileiro desse década que eu dou cinco estrelas sem pestanejar. Um dos melhores filmes queer da história do Brasil, e um estilo cinematográfico que tira o melhor de cada período. Tem muita vida e personalidade no modo como Lacerda filma essa história de amor.

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