Um Guia Queer para a 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Henrique Rodrigues Marques
Fora do Meio
Published in
9 min readOct 16, 2019
Imagem do documentário Lemebel (Joana Reposi Garibaldi)

Com uma programação que apresenta mais de 300 títulos, muita gente fica perdida na hora de selecionar o que ver e estabelecer prioridades no maior evento cinéfilo da cidade. Há quem prefira ver os filmes mais badalados nos grandes festivais, já outros preferem caçar os próximos queridinhos cults da edição, e até mesmo alguns que vão na sorte e abraçam a surpresa nas sessões. E há o espectador LGBT que busca na Mostra um panorama do cinema queer mundial.

Embora no site do festival é possível encontrar uma tag que seleciona filmes LGBT na programação, em uma breve análise é possível notar que muita coisa acabou escapando nessa curadoria. Então eu busquei fazer uma lista mais completa e abrangente dos representantes queer dessa edição. Alguns eu já conhecia de acompanhar a cobertura de outros festivais, enquanto outros eu pesquisei em algumas plataformas especializadas para ver se tinha algo de queer para além das sinopses oficiais. E foi assim que cheguei na lista abaixo, que separo em alguns temas para facilitar o direcionamento dos gostos de cada um. E vale lembrar que eu estou escrevendo tudo isso baseado exclusivamente em informações de críticas, sinopses e listas sobre o tema, já que eu ainda não vi nenhum dos filmes (exceto os das Sessões Especiais) citados aqui. Mas para além dos filmes selecionados nesse texto, gostaria de chamar a atenção também para a vasta programação de filmes adolescentes nessa edição (o coming of age é um gênero que frequentemente lida com questões de descoberta da sexualidade, o que sempre dá uma abertura interessante para discussões queer) e para os filmes dirigidos por mulheres (uma boa chance para você colocar em dia o #52FilmsByWomen).

Bom, sem mais delongas, vamos aos filmes!

PARA AS SEGURAS: FILMES QUE ABORDAM EXPLICITAMENTE TEMAS QUEER/LGBT

Patrick (Gonçalo Waddington, 2019)

Produção portuguesa que conta a história de Patrick, um jovem de 20 anos que vive com seu namorado mais velho em Paris e trabalha cuidando de um site de pornografia. Um evento inesperado faz com que o rapaz precise se reconciliar com seu passado e com sua família. O filme parece lidar com uns temas pesados, e é uma boa pedida pra quem curte um drama que tenha personagens LGBT mas que não seja necessariamente sobre questões identitárias.

Alice Junior (Gil Baroni, 2019)

Produção brasileira sobre uma adolescente trans e youtuber que precisa se mudar com seu pai para o interior e sonha em dar seu primeiro beijo. O filme estreou no Festival de Cinema de Vitória e faz seu lançamento em São Paulo na Mostra.

Adam (Rhys Ernst, 2019)

Provavelmente um dos filmes mais polêmicos da edição. Inspirado em um livro bastante controverso dentro da comunidade trans, o filme conta a história de um garoto cisgênero que vai passar alguns dias com sua irmã e se apaixona por uma garota lésbica que acredita que ele é um homem trans. A produção, estreia na direção de Ernst que é um homem trans, tem gerado um forte movimento de boicote por seu conteúdo potencialmente problemático. Mas independente das possíveis questões negativas, Adam é uma rara oportunidade de ver um filme sobre questões trans dirigido por uma pessoa trans. E só isso já é o bastante para ir conferir.

Bulbul pode cantar (Rima Das, 2018)

Indicado ao Teddy Awards (premiação para filmes queer do Festival de Berlin), o coming of age indiano acompanha um grupo de três amigos que passam pelas mudanças da puberdade, e juntos descobrem o desejo e a sexualidade, o que gera um movimento de perseguição na comunidade onde vivem. Dirigido por mulher.

Tremores (Jayro Bustamante, 2019)

Produção da Guatemala que conta a história de um cidadão de bem, pai de família e evangélico que de repente se percebe apaixonado por outro homem. Lutando contra seus desejos e a favor do que acredita, ele se submete a terapias de conversão.

Monos (Alejandro Landes, 2018)

Filme que vem causando burburinho e colecionando prêmios pelos festivais onde passa. Recebendo da crítica o título de “Apocalypse Now sob efeito de cogumelos”, essa produção colombiana imagina um exército no meio da selva composto por adolescentes. O filme parece lidar bastante com a relação entre desejo e disciplina, mas para além de suas temáticas e de seu conteúdo, ao que tudo indica ele também possui uma atmosfera bastante queer. O roteiro foi co-assinado por Alexis dos Santos (diretor do já cultuado filme queer Glue), então podemos esperar muuuuuuita sexualidade fluída por aqui.

Sinônimos (Nadav Lapid, 2019)

O grande vencedor do Urso de Ouro na Berlinale desse ano era também um indicado ao Teddy. Contando as desventuras de um jovem israelense que se muda para Paris, o filme aborda (ou pelo menos insinua) tendências bissexuais em seu protagonista.

Saint Frances (Alex Thompson, 2019)

No filme acompanhamos a trajetória de Bridget, uma jovem que logo após interromper uma gravidez consegue um emprego como babá da garotinha Frances. Embora o filme seja focado na relação entre as duas, ele também discute questões sobre novos modelos de família, já que Frances é filha de duas mães.

Isso não é Berlim (Hari Sama, 2019)

Aqui acompanhamos um garoto de 17 anos que começa a descobrir a cena punk da cidade do México em 1986. Ao começar a frequentar uma boate local, o protagonista encontra uma comunidade e passa a explorar a liberdade sexual.

Frankie (Ira Sachs, 2019)

Embora o filme tenha concorrido a Palma Queer em Cannes, eu não sei exatamente se existe algum personagem que seja de fato queer. Mas de qualquer maneira, temos Sachs, um aclamado cineasta queer, dirigindo Isabelle Huppert, uma amada diva gay. Isso por si só já vale o ingresso. Na trama, Huppert vive uma atriz que, ao receber a notícia de que tem pouco tempo de vida, decide reunir sua família em uma última viagem.

Teerã: cidade do amor (Ali Jaberansari, 2019)

Seguindo aquela estrutura “vidas que se cruzam”, o filme acompanha a trajetória de três personagens diferentes enquanto discute a busca por amor, solidão e a vida nas grandes metrópoles. E aparentemente uma dessas histórias aborda um desejo homossexual reprimido.

PARA AS AVENTUREIRAS: FILMES QUE POTENCIALMENTE APRESENTAM ALGO DE QUEER, MAS EU NÃO SEI BEM O QUE É

A fera e a festa (Laura Amelia Guzmán e Israel Cárdenas, 2019)

Filme da República Dominicana protagonizado por Geraldine Chaplin e Udo Kier que concorreu ao Teddy. Vendo os trailers e as críticas, eu não identifiquei motivos que justifiquem a indicação. Mas a dupla de diretores é a mesma de Dólares de areia, filme onde Chaplin vive uma relação lésbica com uma jovem prostituta. Logo podemos esperar que aqui a abordagem de temas queer também se faça presente.

Nina Wu (Midi Z)

Co-produção entre Taiwan e Malásia, o filme parece seguir um caminho bastante surrealista ao contar a história de uma atriz que sofre uma série de incidentes nas filmagens de seu mais recente filme. Além de ter concorrido na mostra Un Certain Regard de Cannes, o filme também foi indicado a Palma Queer. Em um site especializado, ele apresenta a tag “trans”, embora eu não tenha encontrado menção a isso em nenhuma das críticas pesquisadas. Mas para quem curte filmes com narrativas mais oníricas e fora do convencional, esse certamente é uma boa pedida.

O milagre no Mar dos Sargaços (Syllas Tzoumerkas, 2019)

Filme sobre uma policial que leva uma vida regada a sexo e vícios e mais um que foi indicado ao Teddy Awards. Como todo bom representante da Weird Wave Grega, não conseguimos tirar muitas informações do trailer. Mas praticamente todos os filmes desse movimento carregam um tom queer em suas narrativas. No filme anterior de Tzoumerkas, A fuga (2014), um personagem coadjuvante é bissexual e protagoniza uma belíssima cena de sexo. Então pelo histórico, eu diria que vale a aposta.

Tlamess (Ala Eddine Slim, 2019)

Produção da Tunísia com uma sinopse enigmática, pouco material sobre na internet e trailers que não revelam nada. Ao que tudo indica, é um slow cinema meio estilizado. Concorreu a Palma Queer e todo o mistério em cima dele me deixa bastante curioso em ir assistir e (tentar) descobrir os motivos da indicação.

PARA AS ESTUDIOSAS: DOCUMENTÁRIOS QUEER

Lemebel (Joana Reposi Garibaldi, 2019)

Documentário sobre a vida e obra de Pedro Lemebel, um dos mais importantes artistas queer da América Latina. É pra ver e ponto.

Cunningham (Alla Kovgan, 2019)

Documentário em 3D que, aos moldes do Pina de Wim Wenders, faz um retrato do coreógrafo gay Merce Cunningham. Trazendo imagens inéditas de arquivos do dançarino, o filme também reconstitui alguns de seus números em cenários inusitados. Dirigido por mulher.

Gay chorus deep south (David Charles Rodrigues, 2019)

O filme acompanha a saga do Coro de Homens Gays de São Francisco que, após as eleições de 2016, decide fazer uma turnê pelos estados mais conservadores dos Estados Unidos. Diretor grego-americano-brasileiro.

Cartas para Paul Morrissey (Armand Rovira, 2018)

Filme-ensaio que aborda diferentes histórias conectadas por um ponto em comum: o cineasta Paul Morrissey, parceiro artístico de Andy Warhol e responsável por diversos clássicos do cinema queer.

Indianara (Aude Chevalier-Beaumel e Marcelo Barbosa, 2019)

Documentário sobre a ativista trans brasileira Indianara que concorreu a Palma Queer em Cannes. Dirigido por mulher.

Um outro sonho (Tamara Shogaolu, 2019)

Mistura de documentário, animação e realidade virtual, o curta-metragem apresenta a história de duas lésbicas que precisaram fugir do Egito para ficarem juntas. A instalação faz parte do projeto Queer In A Time Of Forced Migration. Dirigido por mulher.

PARA AS CANÔNICAS: SESSÕES ESPECIAIS DE CLÁSSICOS QUEER

O mágico de Oz ( Victor Fleming, 1939)

O icônico musical camp protagonizado por Judy Garland faz 80 anos em 2019 e recebe uma sessão gratuita no Vão Livre do MASP.

Madame Satã (Karim Aïnouz, 2002)

O filme que marca a nova onda do cinema queer brasileiro também ganhar algumas poucas exibições ao longo da programação.

PARA AS INVESTIGADORAS: FILMES (POTENCIALMENTE) COM SUBTEXTO QUEER

Joana D’Arc (Bruno Dumont, 2019)

Joana D’Arc é bastante abraçada como um ícone queer, pelo modo como ela representa diversos tipos de subversão de expectativas de gênero. Mas, pelo o que eu notei em algumas críticas, nesse novo filme de Dumont as insinuações sobre a identidade queer da personagem título vão um pouco além da iconografia.

Sibyl (Justine Triet, 2019)

Virginie Efira e Adèle Exarchopoulos em um thriller sobre identidade e obsessão. A fórmula pra tensão homoerótica já está dada aí.

O paraíso de Maria (Zaida Bergroth, 2019)

O filme tem um elenco predominantemente feminino e segundo um comentário de uma usuária do letterboxd, o subtexto lésbico transborda.

Não me ame (Luis Miñarro, 2019)

O cineasta espanhol Luis Miñarro possui uma estética bastante única e estilizada que traz em si algo de camp. E se ele seguir o caminho de seu filme anterior, Stella Cadente (2014), podemos esperar muito homoerotismo no modo como ele filma corpos masculinos.

Acima das nuvens (Olivier Assayas, 2014)

Parte da retrospectiva de Assayas, o filme traz Juliete Binoche interpretando uma atriz que vai para uma montanha, junto com sua fiel assistente (Kristen Stewart, ícone sapatão), se preparar para viver um papel que remete ao seu passado. E não precisa ser muito ligeiro para perceber que também existe um passado entre as duas.

Para maiores informações sobre a programação da Mostra, clique aqui.

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