Um Guia Queer para a 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Henrique Rodrigues Marques
Fora do Meio
Published in
9 min readOct 22, 2021
Imagem do filme “After Blue (Paraíso Imundo)”, de Bertrand Mandico

Começou ontem e segue até o dia 03 de novembro a tão aguardar 45ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Em formato híbrido, o festival queridinho dos cinéfilos paulistanos oferece 264 produções do mundo todo, em um panorama que contempla desde os filmes hypados e premiados no grande circuito, até pequenas obras desconhecidas prontas para serem descobertas. Com tantas opções, os espectadores mais assíduos precisam se dedicar a um verdadeiro trabalho de garimpo para montar sua programação dos sonhos. Para quem busca filmes queer ou com personagens LGBT, esse trabalho é ainda mais complicado, já que muitas das produções não trazem essa informação de maneira tão explícita.

É pensando nisso que montei esse pequeno guia de 32 filmes que, de alguma maneira ou de outra, devem agradar o público interessado em cinema queer. A seleção foi feita à partir da participação em festivais de nicho, indicação em premiações específicas e/ou presença em listas de filmes queer/LGBT. Até o presente momento, assisti poucos dos longas dessa lista e, portanto, não posso afirmar com toda certeza sobre o quão LGBT é o conteúdo de cada obra. A lista foi montada a partir de informações de outras fontes, mas procurei separar em eixos temáticos que você pode acompanhar a seguir.

PARA AS REBELDES: CINEMA QUEER ENQUANTO FORMA

Produções de cineastas que imprimem uma sensibilidade queer em seus filmes para além da presença ou não de temáticas LGBT. Indicações de filmes que se qualificam em uma premissa mais abrangente do que é cinema queer, em termos estéticos, narrativos e discursivos.

Titane — Julia Ducournau (foto)

Sem dúvidas o filme mais queer do ano. Explicitamente alinhada ao cinema de David Cronenberg, Julia Ducournau se apropria do body horror para subverter e implodir noções de gênero e sexualidade, em um filme que assume a perversão e abjeção como centro do desejo, em um filme que na realidade é sobre amor, carinho e parentesco. Essencial para quem curte cinema queer raiz.

After Blue (Paraíso Imundo) — Bertrand Mandico

O cinema de Bertrand Mandico é um dos mais instigantes do cinema queer contemporâneo. Desde seus curtas, o cineasta francês vem construindo uma filmografia com uma estética flamboyant, excessiva e bastante transviada. Em seu novo longa, Mandico constrói um western — gênero tradicionalmente masculino — com pegada futurista e um elenco só de mulheres.

Medusa — Anita Rocha da Silveira

Em toda sua filmografia, Anita Rocha da Silveira vem debatendo de maneira criativa as pulsões de sexualidade garotas adolescente. Em “Medusa”, a jovem cineasta carioca parece assumir seu projeto mais explicitamente queer.

Memoria — Apichatpong Weerasethakul

O aguardado encontro do cineasta mais interessante do cinema queer asiático queer contemporâneo com a grande musa do New Queer Cinema. Melhor que isso, só Barbara Hammer dirigindo Judy Garland.

PARA AS SEGURAS: FILMES SOBRE QUESTÕES EXPLICITAMENTE LGBT

Para quem não quer se arriscar e nem perder tempo na hora de procurar um filme LGBT para assistir. Produções que tem em suas tramas centrais personagens e temáticas LGBT.

Great Freedom — Sebastian Meise

Exibido na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes, o filme se passa na Alemanha do pós-segunda guerra. A homossexualidade continua sendo ilegal no país e Hans é constantemente preso. Com o passar do tempo, Hans passa a desenvolver um relacionamento com seu colega de cela, um assassino condenado. Indicado a Palma Queer.

Tove — Zaida Bergroth (foto)

Produção finlandesa eu conta a história real da pintora Tove Jansson. Relatando a vida da artista a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, o filme contempla, entre outras coisas, seu relacionamento afetivo-sexual com a diretora de teatro diretora de teatro Vivica Bandler.

O perfeito David — Felipe Gómez Aparicio

Filme argentino que conta a história de David, um adolescente obcecado em conquistar o corpo de um fisiculturista. Entre treinos e brigas constantes com sua mãe, o jovem passa a questionar sua sexualidade a partir do fascínio por um homem que frequenta a mesma academia.

Camila Sairá Esta Noite — Inés Barrionuevo

Mais uma produção latino-americana que acompanha o coming of age de Camila, uma jovem que se vê forçada a mudar de cidade e escola no meio do período letivo. Estudando em uma instituição particular, Camila passa a experienciar muitas mudanças, inclusive seu intenso relacionamento com a misteriosa Clara.

Madalena — Madiano Marcheti

O filme se passa no Centro Oeste brasileiro e acompanha a vida de três pessoas que são afetadas pelo desaparecimento de Madalena, uma mulher trans.

Deserto Particular — Aly Muritiba

Filme escolhido para representar o Brasil no próximo Oscar e indicado ao Leão Queer no Festival de Veneza, conta a história de um homem de meia idade que viaja ao Norte do país para encontrar Sara, uma mulher com quem tem um relacionamento virtual.

Na Prisão Evin — Mohammad & Mehdi Torab Beigi

Na produção iraniana, uma mulher trans, Amen, que procura meios de conseguir bancar sua cirurgia de redesignação sexual. Ao se envolver com um homem perigoso, Amen acaba sendo presa injustamente.

PARA AS CANSADAS: PERSONAGENS LGBT EM TRAMAS QUE NÃO SÃO SOBRE TEMÁTICAS LGBT

Filmes para quem já está de saco cheio de narrativas sobre saída do armário, amor e descoberta sexual. Nessas produções, personagens LGBT são protagonistas ou coadjuvantes de narrativas que não envolvem necessariamente seu gênero ou sexualidade.

Roda do Destino — Ryûsuke Hamaguchi

Filme sobre relacionamentos, coincidências e desencontros nas vidas de três mulheres. Quando exibido no Festival de Berlim, o filme foi um dos indicados ao prêmio Teddy, a mais antiga e tradicional premiação específica para filmes LGBT em festivais.

Compartment Nº 6 — Juho Kuosmanen

Uma jovem que tenta superar o fim de um relacionamento amoroso embarca em um trem. Durante a viagem, uma conversa se desenvolve com seu companheiro de cabine, um minerador russo. Indicado a Palma Queer.

A Garota e a Aranha — Ramon e Silvan Zürcher

Uma jovem está de mudança. No processo de reformar seu novo apartamento, transportar móveis da antiga casa e festas de despedidas, relações se estabelecem e se interrompem entre aqueles que a cercam. Indicado ao Teddy Awards.

Stillwater — Tom McCarthy

Thriller político protagonizado por Matt Damon. Na trama, Damon interpreta um pai que viaja para a França em busca de libertar sua filha, presa por um assassinato que alega não ter cometido.

Fatores Humanos — Ronny Trocker

Um casal que sofre com os problemas de trabalho decide levar seus filhos para um fim de semana de descanso no litoral. No entanto, as coisas não saem como o planejado quando uma invasão domiciliar instala uma verdadeira crise entre os membros da família. Indicado ao Teddy Awards.

Bruno Reidal, Confissões de um Assassino — Vincent Le Port (foto)

No início do século XX, o jovem seminarista Bruno Reidal mata um garoto e em seguida se entrega às autoridades. Na prisão, o jovem é analisado por três médicos que o pedem para reconstruir sua história de vida até ali, na tentativa de entender seus impulsos assassinos. Indicado a Palma Queer.

Eu Quero Falar Sobre Duras — Claire Simon

Yann Andréa foi amante da escritora e cineasta Marguerite Duras. Durante o relacionamento, que aconteceu quando Duras já estava perto de completar 70 anos e Andréa era 38 anos mais novo que ela, os dois compartilharam um lar. Na tentativa de por em palavras o amor que sente pela autora, Andréa pede a uma jornalista que faça uma entrevista com ele.

PARA AS INVESTIGADORAS: FILMES POTENCIALMENTE QUEER

Neste bloco, reúno um grupo de filmes que concorrem em premiações específicas de filmes queer, mas que não deixam muito claro em sua sinopse o motivo exato para isso. Todas as produções são dirigidas por mulheres e parecem, em diferentes medidas e modos, lidar com questões de sexualidade feminina, autonomia ao próprio corpo e libertação.

66 Questões da Lua — Jacqueline Lentzou (foto)

Produção grega que acompanha Artemis, uma jovem de 24 anos que vive em Paris. Após uma inesperada ligação de sua mãe, Artemis se vê forçada a voltar para Grécia e cuidar de seu pai, debilitado por problemas de saúde, o que faz ressurgir mágoas entre eles. O filme foi indicado ao Teddy Awards e, pelo o que li em algumas críticas, apresenta uma cena envolvendo um pêssego que é mais sexual do que a vista em “Me Chame Pelo Seu Nome”.

O Grito das Leoas — Luàna Bajrami

Dirigido por Luàna Bajrami, jovem atriz conhecida do público brasileiro por seu papel no também queer “Retrato de uma Jovem em Chamas”, o filme indicado a Palma Queer narra a história de três amigas que decidem reivindicar suas liberdades em um pequeno vilarejo no Kosovo.

Mulheres Choram — Mina Mileva, Vesela Kazakova

Mais um filme indicado a Palma Queer centrado na vida de três mulheres. Parte da seleção Um Certo Olhar em Cannes, a produção búlgara, inspirada em uma história real, narra os dramas de três mulheres de uma mesma família que sofrem diferentes opressões de gênero.

Mickey na Estrada — Lu Mian-Mian

Nesse road movie com pegada “Thelma & Louise”, duas amigas, Mickey e Gin Gin, viajam pela China em busca de homens que as abandonaram: enquanto Mickey procura seu pai, Gin Gin procura o pai de seu filho que está para nascer. Durante a viagem, as coisas saem do controle e as duas jovens se veem envolvidas em uma trama bizarra.

PARA AS ESTUDIOSAS: DOCUMENTÁRIOS DE INTERESSE QUEER

E, para finalizar, uma lista de documentários que falam sobre personalidades LGBT ou que abordam temas relacionados a sexualidades dissidentes.

Truman & Tennessee: Uma Conversa Pessoal — Lisa Immordino Vreeland

Através da colagem de imagens de arquivos e do trabalho de vozes dos atores Jim Parsons e Zachary Quinto, a diretora aborda a turbulenta amizade de dois dos maiores escritores dos Estados Unidos: Truman Capote e Tennessee Williams, ambos homossexuais.

Ailey — Jamila Wignot

Trabalho delicado que resgata a vida e obra do coreógrafo negro e gay Alvin Ailey.

Sexplicação — Alex Liu

Protagonizado pelo próprio diretor que é um homem gay, o documentário acompanha a trajetória de Liu que, aos 36 anos de idade, decide ir em busca da educação sexual que nunca teve.

Regresso a Reims (Fragmentos) — Jean-Gabriel Périot

Indicado a Palma Queer, o documentário, que traz narração da atriz lésbica Adèle Haenel, remonta a história da classe trabalhadora na França, dos anos 1950 até os dias de hoje.

Transversais — Émerson Maranhão

Um dos trabalhos que foi zombado e deslegitimado por Jair Bolsonaro em sua campanha para menosprezar a importância de editais de incentivo ao cinema, o documentário acompanha a vida de pessoas trans que vivem no estado do Ceará.

O Garoto Mais Bonito do Mundo — Kristian Petri, Kristina Lindström

Documentário que dá voz ao ator Björn Andrésen, que teve sua beleza juvenil eternizada como o sedutor Tadzio, personagem que interpretou em “Morte em Veneza”, de Luchino Visconti. Embora Andrésen seja heterossexual, o documentário aborda sua relação com Visconti, casos de abuso e sua relação conturbada com a comunidade gay que venera seu personagem até os dias de hoje.

Fédro — Marcelo Sebá

Filme que registra o encontro do ator Reynaldo Gianecchini com o lendário Zé Celso. Na reunião intimista, os dois conversam sobre diversos temas como arte, política e amor.

Amor Fati — Cláudia Varejão

Documentário performático que constrói uma miríade de retratos de amor e afetos entre diferentes pessoas e seus entes queridos.

Para maiores informações sobre a Mostra, clique aqui.

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