Ainda sobre o BBB?
Não, estas são algumas provocações, porque não é sobre o BBB, é sobre racismo estrutural.
O que significa para você que o maior índice de rejeição do programa foi o de uma mulher negra, seguido de um homem negro?
O que significa para você que a maioria dos participantes negros desta edição tenham representado o papel de vilões? E que um deles tenha sofrido tanto por reivindicar seu papel como homem negro?
O que significa para você que um homem branco tenha estado na final quando todes esperavam que um homem negro e gay ocupasse esse lugar?
O que significa pra você que esse homem negro e gay não tenha sido visto como preto tampouco pelo programa quanto pela sociedade em geral?
O que significa para você que os participantes brancos não tenham se responsabilizados de fato pelas relações raciais no programa — a não ser quando esse discurso os beneficiava?
O que significa para você que a trajetória de superação de uma mulher branca tenha ganhado o programa com 90% dos votos?
O que significa para você que, no momento do anúncio da vencedora, uma mulher negra tenha dito para essa mulher branca: “eu sempre acreditei em você”?
O que significa para você que essa mesma mulher negra tenha recebido como presente da produção do programa uma faixa de “Miss Braba”?
O que significa para você um homem negro ser eliminado do programa pela torcida do participante branco que praticou racismo ao menosprezar o cabelo deste homem negro?
O que significa para você que uma mulher branca tenha sofrido o descaso de um homem branco da mesma forma que uma mulher negra sofreu no programa, mas a primeira tenha tido a oportunidade de se dizer “banana” e a segunda seja vista como “indesejável”?
O que significa para você que, da mesma forma que os participantes não entendiam a fala de uma mulher branca, causando comoção ao público, a fala de uma mulher negra tenha sido ridicularizada, transformada em meme, pela mesma razão, pela audiência do programa?
O que significa para você que para uma grande parcela da audiência do programa essas perguntas não toquem somente nas escolhas que faz sobre “quem fica ou sai da casa”, mas tratem da reprodução de imagens de controle que mantêm as estruturas racistas de nossa sociedade?
Se o BBB é o jogo da vida, que vida é essa que se teceu diariamente no programa de maior audiência da televisão brasileira? O que ele nos coloca sobre a vida dos dias vividos, fora de qualquer redoma de vidro, onde as violências são estruturais e sistemáticas? Você quer jogar esse jogo? Com que regras?
Sejamos responsáveis e evitemos a cegueira que beneficia o privilégio de uns em detrimento da vida de outros.
Camila Alexandrini
Agradecimento especial a Roberta Vieira que faz a primeira pergunta deste texto e com quem tenho construído um percurso antirracista com outras mulheres pretas e brancas no projeto que chamamos de LeiturAção, na Fora da Asa, desde agosto de 2020.
