identificar-se

Agda Céu
foradaasa
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3 min readOct 20, 2021
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ao meu peito, a minha pele, aos meus pelos e todos os detalhes

fui muitas e tantas que ao dizer meu nome

agda

me vem por necessidade ser só agda.

quis ser só céu, porque minha transição me fez acreditar que meu corpo é de um céu azul e que eu posso ser imensa e sem fim

lembro-me que ao “trocar” de nome, Céu para Agda, muitas pessoas me perguntaram: ‘’vai trocar de nome outra vez????? assim eu nunca vou me acostumar com o teu nome…’’

você não precisa se acostumar

você só precisa aceitar que eu mudei de nome outra vez,

porque isso não é sobre você.

minha orientadora de pesquisa achava um privilégio eu ter o poder de escolher o meu nome, porque ela dizia nunca ter podido escolher o próprio nome.

já eu achava um desaforo pessoas cisgêneras questionando a mudança de nome de uma pessoa trans que viveu por longos anos de sua vida sendo tratada por nomes e pronomes errados

é bastante compreensível pra mim que depois de tanto aprisionamento e anulação do meu corpo e da minha dignidade, eu queira alterar meus nomes até que eu encontre um que me faça sentir inteira, realizada. se é que um nome pode comportar em si tanta expectativa.

neste ano, estou dando andamento ao longo e desgastante processo de retificação de nome e gênero, em 2021,

adiei enquanto pude adiar o processo de retificação de nome e gênero nos meus documentos de identificação. adiei enquanto pude adiar, pois, agora não posso mais, não quero mais, não devo mais. preciso do meu nome reconhecido numa papelada que não acaba nunca, para continuar exercitando a minha corporalidade sem passar por desconfortos e provações sociais.

adiei enquanto pude adiar, porque sabia do desgaste emocional e corpóreo que é ter de provar com milhões de papéis vazios, que nada dizem sobre mim, os motivos da minha transição

de ouvir cotidianamente

‘’e se você mudar de ideia em relação a transição de gênero?’’

‘’e se você desistir de ser trans?’’

‘’e se você não quiser mais ser trans?’’

‘’você tem certeza?’’

‘’você tem absoluta certeza?’’

‘’você sabe que depois não dá mais pra mudar, né?’’

‘’quando você se descobriu?’’

em 2021

dou início ao longo e doloroso processo de retificação,

penso sobre a importância do nome para nós mulheres trans, da importância de dizer o nome escolhido depois de nascer pela segunda vez,

retificado

falar, soletrar, balbuciar, recitar, escrever, rubricar, seja o que for

meu nome

agda

céu

ser reconhecida por sistemas binários e cisgêneros enquanto uma corpa que burlou a regra de ser homem ou mulher, de ser masculino ou feminino

e viver com esse nome que nos identifica e nos habita e nos torna muitas agdas, gabrielles, julias, elenas, marias, eduardas, victórias, brunas, joanas, isabellas, …

e viver nossas forças

nossas muitas forças travestis, transexuais, transgêneres

essas muitas forças que estão emergindo das profundezas do submundo que nos foi designado e tomando os espaços que nos foram negados.

sou constantemente perguntada sobre

por que o nome ‘’agda’’?

explico que vi esse nome em um dos contos de hilda hilst

e a sonoridade desse nome me tomou por inteira

agda kadosh

com as duas Agdas do conto se debatendo sobre o processo de envelhecimento do corpo

e eu me debatendo sobre o envelhecimento dos corpos trans e travestis

com nossa expectativa de vida encerrada aos 30 anos

não somos os corpos que envelhecem

não somos os corpos que vão se deteriorando com o tempo e percebendo as marcas do corpo passando pelas diversas mudanças do tempo,

somos ceifadas antes

temos nossos corpos

findados

ainda jovens

poucas sobrevivem a esse sistema

te digo que se não somos assassinadas de forma brutal

somos ‘suicidadas’

somos negligenciadas atendimento médico ao procurá-lo

pelas consequências do uso

de terapias hormonais

que não foram feitas para os nossos corpos.

passamos pelo desgaste psíquico de relações

com pessoas cisgêneras que não movem seus corpos

para que possamos caber nos espaços com a mesma dignidade deles

porque esse sistema,

no fim,

quer que eu desapareça.

e eu

permaneço

porque sou presença

presença viva

permaneço

porque agda é o meu nome, sim

permaneço porque dada a construção social dos gêneros,

eu,

me sinto confortável enquanto

ELA

me sinto única, plena, realizada

enquanto

Agda Céu.

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