Mamãe, estou com fome

Nathalia Borges
Forasteiras
Published in
3 min readNov 14, 2017

O sol entrava pela janela e erradicava o seu intenso brilho no pequeno cômodo escuro. Deitada em posição fetal, ocupando uma área equivalente a um metro e meio em cima de um pedaço de papelão sujo e rasgado, pelo excesso de uso, ela espreguiçou e voltou a se encolher. A dor abdominal que sentia na noite passada, nos dias anteriores, regressara a cada manhã, com mais força, e hoje não era diferente. Com o pouco da força que lhe restava, tentou sentar-se. Após alguns minutos de esforços excessivos, encostou o seu dorso na parede. Notou o seu estado, os ossos, a cada dia ficava mais aparente. Passou a mão pelo o seu rosto, notou que as rugas tornou-se mais palpáveis, resultante de noites mal dormidas, mas isso não lhe preocupava.

O que lhe angustiava, era o menino maltrapilho, deitado na outra extremidade do cômodo, que acabara de acordar, chorando de fome e clamando pelo o seu nome. Engatinhou até ele. Com o pouco da força que lhe restava, pegou como pode a criança no colo. Apertou-o. As lágrimas da mãe unificaram com a do filho. Sabia que ele dependia dela. Beijou-o a testa, balbuciou palavras mal ouvidas, olhou nos pequenos olhos pedintes e com muito esforço, repousou o seu corpo novamente em cima de um montante de roupa que lhe servira até então de cama.

Foi-se até a parede, estendeu uma mão como suporte, e se levantou, embora com muita dificuldade. Seguiu até a porta, olhou o céu por longos minutos, sua boca movia lentamente, de modo a parecer conversar com alguém, talvez pedia piedade, ou até mesmo um pedaço de pão, para saciar a fome do pequeno. A dela não era necessário, mas por favor, a do menino… Então o choro da criança cortou o ar, como se estivesse a cortar-lhe a pele. Ela olhou para trás. Concluiu de que nada adiantaria pedir, seus clamores não iria lhe nutrir. Seguiu em frente.

E lá se foi, em busca do incerto, do pouco que não lhe pertencia. Se humilhar. Se entregar. Apostando a sua vida, na sorte. Na sorte de poder encontrar algo, alguém. Que lhe ajude. Que lhe sustente. Que lhe nutra.

Para mais tarde, voltar, sentar ao pé da criança, e com um pano úmido, umedecer a boca do menino, e posteriormente, lhe satisfazer com pão quebrado, seco, duro. E lá se vai ela deitar, no canto, sobre sua improvisada cama, em seu incoerente lar. Encostar a sua cabeça no chão escabroso, sujo. E fechar os olhos, fingindo que dorme. Sabe que o sono não lhe salvará do vazio estomacal, mas adiará. E agradece. Agradece pelo pão, mas não pela vida.

  • A fome aumenta pela primeira vez em quase 15 anos, 815 milhões de pessoas (11% da população mundial) vão dormir com fome no mundo, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura). Chamando a atenção para a região da África Subsaariana.
  • 6 em cada 10 pessoas que estão em condições subalimentadas (que não consomem o número de calorias mínimo para suas necessidades vitais), vivem em países em conflitos.
  • O Brasil em 2014 foi reconhecido pela FAO como um país livre da fome. Entretanto, atualmente houve aumento de 2,5 milhões de pessoas em relação a 2015, na América do Sul, que se encontram em condições famélicas.

Vamos cortejar a empatia, atingir a solidariedade. As pessoas precisam de nós. Nós precisamos das pessoas.

Finalizo ressaltando Martín Caparrós: “E se em vez de centenas de milhões de famintos fossem 100? E se fossem 24? Então diríamos, ‘ah, bem, não é tão grave’ ? A partir de quantos começa a ser grave? “

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