Mistica Pangeia: Uma lenda um começo

Edu Morcillo
forjadeaventuras
Published in
9 min readAug 28, 2019

O momento quando uma mesa de RPG se inicia é um momento crucial tanto para o Mestre quanto para os Jogadores. Muita expectativa é criada e muitas vezes ela pode ser definitiva para testar se aquele universo deve continuar ou não.

Isso traz uma responsabilidade ao Mestre que pode ser um novato no RPG assim como os Jogadores e que simplesmente assumiu esse manto para que a diversão tivesse início. Mas isso pode gerar uma pressão e o Mestre decidir iniciar uma aventura somente quando uma preparação enorme digna de um Senhor dos Anéis estiver pronta.

A verdade é que não é necessário tanto e neste post espero mostrar pra vocês como basta apenas uma história introdutória para começar a construir um universo e ampliar diversas possibilidades.

Antigo mapa da baía leste

O Meio Dragão

A cidade é Sanghar, o mercado está em alvoroço, a cidade inteira viveu dias agitados, não por causa de alguma catástrofe, mas sim por uma presença vista por lá nesses últimos dias. Não é motivo para uma festa exatamente, mas esse assunto tomou conta da cidade por uma semana e ainda rende cochichos por todos os lados.

Alguns só viram um vulto, outros alegam terem o visto diretamente e alguns mais ousados em suas palavras insistem que interagiram com o Meio Dragão.

Toda a excitação se mantem, pois, é sabido que essa presença é sempre seguida por outra…

Não muito longe dali um homem segue pela estrada principal chegando ao grande mercado popular a céu aberto, este homem incrivelmente velho, trajado com roupas simples de pescador, um livro pesado preso a uma corrente que envolve seu ombro. Ele se arrasta segurando um cajado, que parece não só apoiar seu frágil corpo, mas sim o peso de milênios de vida.

Ele adentra o pequeno coreto ocupado por crianças que brincam no local e com uma voz cansada, porém igualmente poderosa branda a todos perguntando: — Alguém viu meu filho?

Sua voz soa com uma certeza de que a pergunta não terá sido em vão e que em breve alguém lhe dará a resposta que espera.

Muitas das pessoas se assustam com o grito, algumas fingem que nada acontece e continuam seus afazeres, outras tentam se ocultar de alguma maneira não querendo participar daquele questionamento, enquanto uns poucos sabem que aquela presença ali uma semana depois da primeira aparição, só confirma que o Meio Dragão esteve sim na cidade.

Aqui vocês podem notar que já iniciamos alguns pontos:

1. Houve uma breve apresentação da cidade (sabemos que ela possui um grande mercado popular a céu aberto e que pelo visto ela é um local de informações cotidianas e de grande fluxo de pessoas)

2. É feita uma breve introdução sobre a presença de um Meio Dragão

3. Um velho homem que de alguma forma está ligado a esse Meio Dragão

As crianças que outrora brincavam agora olham assustadas o velho homem. Então se ouvem passos pesados e um homem com seus 25 anos se aproxima e oferece um odre com água em uma mão e um pão na outra. Esse homem, se apresenta dizendo sou Julios, apesar de bem mais jovem que o senhor, conheço bem o que é ter perdido um filho, acredito que o senhor precisa recuperar suas forças para continuar sua busca.

O velho sorri, aceita a cortesia e resmunga em lamento: — Queria que fosse tão fácil minha busca, mas sou amaldiçoado a seguir meu filho sem nunca poder alcançá-lo. Se eu souber dele pelos olhos dos outros já será de grande conforto para mim.

O mais jovem volta a falar: — Ao que tudo indica, o guerreiro Meio Dragão passou sim pela cidade e estava pleno de saúde. Mas me desculpe o Senhor é realmente um dos Reis dos primeiros povos vagantes Mareos ou somente alguém querendo se passar por ele?

O velho esboça um curto sorriso e diz: — Contarei minha história que você já deve ter ouvido por muitos bardos e trovadores, mas somente após eu encerrá-la você deve decidir em seu coração se sou de verdade ou somente um farsante.

— Justo. Responde o homem que se senta ao lado do velho no coreto.

Não perca a oportunidade tudo isso pode ser contado diretamente aos personagens ou esses fatos estarem sendo observados por algum dos personagens caso alguma deles tenha se decidido se manter próximo ao coreto.

Mas uma questão é colocada “Os primeiros povos” que deve ser considerado como algo básico sobre a história da raça humana neste universo, nada muito detalhado, mas de conhecimento geral.

A um pouco mais de 4 milênios eu nasci nas montanhas que hoje vocês conhecem como Brasca. Meu pai foi um dos primeiros homens nascidos e conhecido como os Raízes que se fixaram e desenvolveram as primeiras comunidades humanas. Mas eu nasci diferente do meu pai, não queria que meus pés estivessem presos naquele local, sonhava todo dia com um chamado a leste.

Ao contrário do líder da nossa tribo que era meu pai, eu comecei a contragosto dele, a incentivar que deveríamos conhecer o mundo e descobrir o local de cada um de nós, minha oratória sempre foi boa e consegui reunir um grupo que se desgarrou dos Raízes para ir em busca de novas terras e assim surgiram os primeiros Vagantes ou na verdade a tradução mais correta da língua antiga seria, aqueles com vento nos pés.

Começamos a esboçar com mais detalhes algo sobre como o mundo dos homens foi formado nessa lenda, citamos novos lugares e reforçamos a veracidade do nosso contador de histórias.

Meu grupo realizou uma viagem de muitos ciclos rumo a leste, encontrávamos presença de seres estranhos, alguns que se tornaram amigos e outros não. E nenhum lugar parecia ser o que eu realmente almejava encontrar. Meus sonhos me levavam para uma visão de uma imensidão azul onde o céu e a terra se confundiria. O tempo passou e tive que enfrentar questionamentos até que finalmente nos deparamos estar de frente com um lago onde era impossível ver a outra margem, a água refletia a lua, naquele momento eu sabia que era o lugar onde a minha cidade deveria começar, naquele momento eu me apaixonei pela lua e entrei naquele rio sem medo para encontrá-la. E lá se materializou em minha frente Moonin, uma das primeiras deusas a se apresentar para nós. Mesmo para um homem do início dos tempos humanos o encontro com um Deus ou uma Deusa é algo arrebatador. Nesse encontro ela me pediu apenas que eu mantivesse meu olhar carinhoso para ela e que meus súditos a saudassem como a grande provedora e minha cidade seria abastecida com fartura e crescimento.

E foi assim que erguemos a primeira cidade costeira humana, e apesar de estarmos de frente a uma grande baía, batizei aquela grande massa de água de mar. Moonin nos deu o conhecimento para que construíssemos nosso porto e construir embarcações maiores das que navegavam nos rios, uma estátua a ela foi construída de frente ao porto e o dia de nossa chegada fizemos dele o dia de Moonin.

Não se obrigue a criar todos Deuses que regem seu universo de uma vez, a não ser que isso seja a espinha dorsal da sua história. Pouco a pouco os Deuses podem ser introduzidos na história, de prioridade a aqueles que vão mais interferir com a vida dos personagens.

Eu fui envelhecendo e a cidade progredia, assim como liderei a expedição me tornei líder também da cidade, o sucesso de nossa expedição se espalhou e outros Vagantes vieram até nós, uns de passagem e outros que nos ajudaram a crescer. Mas apesar do crescimento e tanta gente eu me sentia sozinho, então orei para que Moonin me desse uma companheira.

Uma tempestade então se formou e vi um brilho no mar, aquilo para mim foi um novo chamado e me coloquei ao mar com uma das pequenas velas que estavam atracadas indo rumo ao brilho, o mar todo estava calma, somente uma pequena área se encontrava revolto e no meio dessa área encontrei boiando aquela que se tornou o amor de minha vida.

Utilize recursos antagônicos para deixar claro que algo mágico está ocorrendo, é lógico que um brilho vindo do céu é extremamente chamativo, mas em alguns momentos um efeito contrário sutil pode ser um indicativo que algo fora do normal está acontecendo.

A partir daquele dia meus olhos se tornaram só dela, nada mais eu queria ver a minha frente. Tudo ia bem quando no dia da nossa união sobre a luz de Moonin uma grande sombra alada tomou os céus e se atirou contra o mar em chamas. Ao se chocar com a água deu origem a uma grande ilha que praticamente selou a entrada da baía deixando apenas duas pequenas aberturas em ambos os lados.

Desde quando morávamos no interior sabíamos que os dragões criavam seus ninhos dessa forma, chocando seus corpos contra uma área, era um momento de pavor para muitos ver tanta força no ato, mas aquele dragão era grande demais, só podia ser Zaluah.

Não tardou para que o povo apavorado batizasse a nova ilha que se formou coberta de névoas de Brumas Zaluah.

A entrada e saída da baía se tornou um tormento, as brumas atrapalhavam a navegação, dentro da baía a comida ficou escassa, os peixes não conseguiam passar por aquela agressão e nos alimentar, o povo passava por alguns momentos de fome e a fartura havia se cessado, mas nada disso importava pois eu finalmente seria pai. Eu me foquei em conseguir o que havia de melhor para minha esposa, mas ainda assim a gravidez foi sofrida, ela sentia dores terríveis, cada mês que passava ela estava pior e nossa cidade mais decadente e nossas noites eram atormentadas por grandes chamas que iluminavam o céu vindos de Brumas Zaluah.

Eu não aguentava mais aquela presença, vi que ele havia maculado Moonin e todo meu mundo havia desabado, minha esposa entrou em trabalho de parto antes do tempo, algumas pessoas na cidade depois daquela noite contavam que não sabiam dizer o que era mais horrendo, o brandar de Zaluah ou os gritos de minha mulher parindo, quando finalmente ela deu a luz, ela descansou, a vida escapou de seu corpo e a parteira trouxe meu filho, um arremedo de criança, defeituosa, quase não conseguia se manter viva respirando com dificuldade e um de seus olhos nem sequer existia.

Aquilo foi a gota d’água parti convocando os maiores guerreiros da cidade peguei a maior nau que possuíamos apesar de inútil pois ela não conseguiria sair mais da baía, mas naquele momento eu não queria sair da baía, eu só queria chegar em Brumas Zaluah e dar a aquela Dragão tudo que ela havia me dado. Chegamos a ilha, a névoa não foi empecilho junto com os outros homens fomos destruindo todos os ovos que Zaluah havia colocado em seu ninho, o calor era insuportável, mas ver aqueles dragões bebês desfalecendo ao terem sua única proteção contra o mundo sendo rompida me trazia um senso de justiça inimaginável, ao ponto que não percebi que pouco a pouco fui ficando sozinho naquela carnificina. Quando finalmente estava coberto de sangue da prole daquele dragão, pude perceber que a névoa estava mais densa o calor mais intenso, pois Zaluah me olhava por cima soltando sua respiração sobre mim.

Ela me olhou com desprezo parecia que eu não valia a pena e tentei confrontá-la, ela então me mostrou meu filho em sua pata.

Animal covarde, lembro bem de como gritei essas palavras.

Ela se aproximou bem perto de mim, sua boca já naquela época poderia me engolir por inteiro, com outra pata ela pegou um dos seus filhotes.

— Tolo humano, sua arrogância, soberba e egoísmo o cegou para a provedora das águas. Sempre fiz meus ninhos com a permissão de Moonin, a conheço muito antes de você ter nascido, se em algum momento sua cidade, seu povo e seu prêmio sofreu foi simplesmente por sua causa. Foi porque você rompeu com a única coisa que ela te pediu, que você mantivesse seu olhar de carinho a ela. Moonin da ascensão e poder a aqueles que a admiram mas traz a loucura para aqueles que desviam o olhar a ela.

Zaluah então se ergueu e com um rápido movimento me derrubou e me prendeu contra o chão com uma de suas patas traseiras, ela com o ovo que eu havia quebrado recitou um cântico e vi com meus próprios olhos a alma de sua cria indo em direção ao corpo de meu filho. O corpo dele começou a se curar ganhando escamas e um olho de dragão, o restante do conteúdo em sua pata ela derramou sobre meu corpo e disse:

— Seu filho agora é meu filho, ele crescerá e aprenderá o que é ser alguém de valor, ele será tão forte e longevo quanto meus filhos seriam. E a você darei uma vida eterna como maldição, pois você sempre será compelido a seguir os passos de meu novo filho, mas nunca será capaz de alcançá-lo mesmo que algum dia se arrependa, você nunca poderá dizer isso a ele.

Zaluah partiu com meu filho em seus braços e então eu nunca mais o vi.

O velho então se levanta e antes que Julios possa dizer qualquer coisa, ele fala, obrigado pelo pão e água, mas devo voltar a caminhar para tentar alcança-lo.

Quando criei essa história eu tinha 19 anos, nunca me preocupei em detalhar as colinas de Brasca ou a primeira cidade litorânea quando a escrevi. Isso viria com o tempo, a cada dia que os personagens quisessem viajar pelo cenário mais eu poderia criar, o que realmente importava aqui era atiçar a curiosidade, demonstrar que esse universo seria coberto de lendas, magia, maldições, espadas e escudos.

--

--

Edu Morcillo
forjadeaventuras

Admirer of comics, books and RPG since childhood. I put my creativity into practice writing, design and illustration; through the interpretation of what I see.