Não me importo com os Targaryen — uma crítica a GoT

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8 min readFeb 13, 2020

Acabei há um tempo de ver Game of Thrones (GoT) e estava ensaiando escrever uma crítica à série. Não sabia bem que ponto abordar. Li as críticas e comentários de fãs, que sempre chegam com teorias e entendimentos novos e até dá vontade de rever. Gostei da série, até mesmo do final — apesar de reconhecer que a última temporada foi apressada. Mas o ponto que quero dizer é: não me importo com os Targaryen. GoT tem personagems muito mais interessantes.

Faço aqui uma intervenção nesse texto após ter publicado e divulgado o mesmo. Segue um disclaimer: Vi a série após o fim da mesma, então não tive a emoção de esperar a próxima temporada e nem de ir aos poucos me envolvendo com as personagens. Vi em binge watching durante algumas semanas. Às vezes via 2 ou 3 episódios na mesma noite. Também assisti tudo sem som, pra não acordar as pessoas da casa.

Segue o comentário de um amigo meu que acredito ter bons argumentos sobre meu texto:

Eu entendo sua análise da série. Na minha opinião é difícil comparar qualquer experiência de ver uma série terminada com uma série passando. Fanservice é uma coisa q existe sim e ter a ansiedade e torcer pra teu personagem triunfar faz parte da graça de ver enquanto passa. Quanto a confusão dos personagens eu concordo em parte. É difícil saber quem é quem mas se vc ta pilhado, enquanto assiste, vc resolve procurar mais coisa e acha explicações do mundo e acontecimentos prévios a revolução do Robert. São todos narrados por representantes das casas, exemplo: Viserys narra toda destruiçao de valiria e a ida dos Targeryans a Westeros. Depois explica a guerra das 2 irmãs e como eles ficam uma família decadente.

Contar os livros todos é praticamente impossível. Tem mta coisa cortada, tipo muita mesma. Honestamente eu acho uma puta série e um final honesto. Pra mim tinha q ter terminado na batalha dos bastardos mas… Jon em Winterfell, night King lá na neve etc. A última temp eh meio decepcionante mas se bobear tem temporada pior.

Pra compreender GOT na minha opinião tem q ver durante a hype. Tomar coragem de ler livro, fuçar coisa na net, teoria etc. Ve os videos no youtube e vc vai entender a proporção desse mundo e dessa história. Essa série cumpre o propósito de explicar aquele momento de Westeros, que não é o mais legal. A história da batalha do tridente e da ida do Aegon e as irmãs pra Westeros é muito mais legal.

Parece que os Targaryen foram criados pra atender fanservice da galera louca por histórias de fantasia: nobres, guerreiros e às vezes (ou boa parte das vezes) meio loucos, poderosos e domadores de dragões. E aí tem toda uma linhagem que não entendo muito bem. Fulano que é filho de siclano, que é primo do… onde estávamos? Por que isso deveria importar pra história de GoT? O escritor (e roteiristas) traçam todo um panorama enorme correndo o risco de os espectadores (ou só eu) se perder no meio de todo aquele background.

E na série da TV, o arco da Daenerys Targaryen é um tanto isolado dos outros arcos. Ninguém ao redor dela é páreo pra ela e não há muito desenvolvimento dos outros personagens que a circudam, com a exceção talvez de Jorah. Missandei e Grey Worm tem arcos tímidos, se for comparar personagens menores que vivem em Westeros. É tudo em função da “Dany”. Talvez se Viserys Targaryen tivesse sobrevivido por mais tempo, poderíamos ver alguns paralelos e histórias se desenvolvendo melhor pelo lado de Essos, que eventualmente é deixada de lado em prol do arco de história que Daenerys tem que cumprir.

Em Westeros, por outro lado, há um constante intercâmbio e troca entre personagens. É Samsa que está em King’s Landing ou no Vale ou em Winterfell. A ama de Samsa é eventualmente morta. Uma prostituta (Ros) se lembra do nascimento da Lady de Winterfell. São histórias que se complementam e ajudam a formar um arco maior.

Daenerys tem o fardo de carregar quase sozinha o próprio arco e das pessoas ao redor. Achava um saco quando a série cortava uma cena em Westeros pra mostrar alguma cena em Essos, com a Mãe dos Dragões ganhando cada vez mais força e poder, meio perdida e sem saber pra onde ir e só com um objetivo em mente: o Trono de Ferro.

Eu queria ver mais sobre o Theon Greyjoy e a fuga dele do Ramsay. Ou um saber melhor sobre a história da Meera Reed e o irmão. Cadê o Bronn? Era adorável ver o Jaime e o Tyrion conversando — e foi uma dessas cenas que me fez querer ver GoT do início ao fim. Uma das melhores cenas é quando Jaime corre de cavalo pra tentar matar Daenerys, distraída com um Drogon machucado. “Você vai se matar, seu idiota”, esbraveja Tyrion. Essa empatia entre personagens salta da tela e os espectadores torcem pro Jaime. Assim como passou a torcer por Theon, que reconheceu o erro de invadir Winterfell e Ned Stark como seu verdadeiro “pai”. Daenerys, por outro lado, não erra, ela só segue em frente.

Worldbuilding

O arco da Daenerys é semelhante ao de Arya Stark, que também tem uma história a cumprir. Arya, no entanto, interage mais com o mundo ao redor (o gordinho, a dona do teatro, etc) e é menos super-mulher-rainha que a Mãe dos Dragões. O interessante do Arco da filha mais nova de Ned Stark é que através da jornada dela, e do Cão, podemos ver as consequencias da guerra entre a população comum. É a formação da Brotherhood without Banners, criada para combater injustiças. É o senhor que morre com a filha quando o inverno chega. É o grupo que se reúne para construir uma comunidade longe da guerra, só para acabar mortos por um fugitivo da Brotherhood. O worldbuilding de Westeros é muito mais rico que o de Essos.

Acompanho no Quora várias discussões de fãs sobre arcos de histórias e as próprias teorias sobre alguns acontecimentos da série. Há várias reclamações de mudanças de personagem, especialmente de Jon Snow, que nos livros deve ser um clássico personagem fodão. Mas a mídia é outra, a história é outra e comparação não acrescenta muita coisa e pode atrapalhar a experiência.

Atores e figurinos

Praticamente todos são unânimes em afirmar que alguns atores acrescentaram muito a seus personagens, como no caso do Twyin Lannister ou, no caso de alguns fãs (como eu), de Theon Greyjoy. Acredito que Lyanna Mormont é uma unanimidade entre os espectadores da série. Pequena grande garota. Assim como é bacana tudo relacionado à Brinne of Tarth e o bacana Davos Seaworth. Não sei como é Petyr Baelish nos livros, mas na série ele consegue se destacar muito bem (ou quase).

E o figurino de todos é espetacular. Gostaria de me vestir como Jorah Mormont, o mais elegante de GoT, naquele misto de camisa de algodão com saia de couro. Mas acho que eu ficaria escroto.

É bacana ler sobre o processo de produção dos figurinos, armaduras e os improvisos pra chegar num resultado bacana. O departamento de figurinos era enorme, empregando de 70 a 100 pessoas, a depender do momento da série.

E as roupas na série mudam constantemente, mostrando o momento na qual seus personagens estão vivendo. Isso é perceptível principalmente em Daenerys e na Samsa. Acho isso legal.

Momentos favoritos

Meus momentos prediletos da série é quando não há algo urgente a se fazer/resolver e os personagens podem interagir entre si. Uma das cenas mais bacanas é a nomeação de Brienne em cavaleira, após alguns momentos de bebedeira. O rosto dela se iluminou. E o meu também.

Outro momento bacana era amizade entre Tyrion, Podrick e Bronn. Lena Headey fez um bom trabalho representando Cersei tentando encontrar o espaço dela entre mãe e filha da realeza num mundo machista pra caralho.

Também adoraei a Gilly e como ela se impunha na cena.

E, claro, a cena do julgamento de Tyrion. Um monstro da atuação.

Momentos que detestei

Quase parei de ver a série na cena da morte de Ros. Era uma personagem que gostava e torcia. Achei gratuito e muito fanservice.

Também odiei o arco da Melisandre. Vaca.

Euron Greyjoy que, como uma garota disse no Quora parecia mais um namorado abusivo que o rei do sete mares.

Controvérsias

Gostei da luta contra o Knight King. Vi reclamações que era muito escuro e que não dava pra ver a luta. Mas não houve luta, houve um massacre. Era uma força da natureza (no caso, a morte) contra humanos comuns. Claro que houve plot armor no caso de nossos personagens favoritos, mas ficou nítida a sensação de desespero de todos. E a Arya mandou muito bem.

Li muito sobre o episódio The Bells. Há que deteste, há quem curta. Sou do segundo grupo. Muito se escreveu sobre a mudança do caráter de Daenerys, mas acho que foi um episódio que ela tem controle sobre a cena e da história. Não vejo que ela enlouqueceu, como alguns de seus antepassados, mas explodiu em raiva e frustração. Isso teve algumas razões:

Não foi reconhecida como a herdeira direta do trono. A população não se importa com ela e até foi contra seu exército. Todo arco em Westeros foi frustrante pra Daenerys. Pra onde ela ia, enfrentava a mesma resistência que em Essos. Ela não estava em casa. Ela nunca vai estar em casa. E se ela não vai ter casa, ninguém mais terá.

E dá-lhe fogo de Dragão na galera.

Entendo que, foi graças à luta contra o Night King e o Euron Greyjoy ela adquiriu know how suficiente em Luta em cima de Dragão e percebeu os pontos fracos dos Scorpions. Se ela tivesse ido direto pra King’s Landing, ao invés de enfrentar o Night King, talvez não tivesse a malícia ou a gana de tomar o lugar.

E, por último, a destruição de King’s Landing. É uma espécie de coroação de um dos temas de GoT, que é a destruição gerada por causa de grupos que só querem honrar um nome ou uma bandeira. É um tema muito comum nos dias de hoje, com guerra na Síria e o crescimento da animosidade entre países. Há toda uma galera que fica no meio enquanto poderosos míopes não enxergam a um palmo de distância além dos próprios narizes.

E King’s Landing, mais que qualquer outro lugar de Westeros e Essos, era um personagem por si só. Conhecemos mais da geografia e das pessoas do local que Winterfell, por exemplo. Durante as oito temporadas passamos a conhecer tanto o Red Keep, quanto o Flea Bottom e o Great Septor of Baelor. Vimos Margareth Tyrell tentar conquistar o apoio da população abandonada. A mesma população ostracizou Cersei Lannister. Vimos as pessoas sobrevivendo em mercados e lojas locais, como o Gendry trabalhando como ferreiro, e população se radicalizando e se tornando fanáticos religiosos por não ter a quem recorrer em momento de penúria.

A destruição de King’s Landing foi o que a Brotherhood without Banners viu na guerra no campo, mas em uma escala muito maior. Foi uma Síria, um Iraque, um bombardeio no Iemen. Isso é guerra. Drogon é um avião bombadeiro. É um megadrone, com armas de destruição em massa. Não tem como sair coisa boa da guerra. Mas insistimos em guerrar em prol de nome, orgulho, território e lucro.

Não há vencedores na Guerra dos Tronos. Nunca há.

É por isso que disse no título que “não gosto dos Targaryen”. Há muito mais história em GoT que uma família de nobres com dragões de estimação.

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