Tributos ao Inédito

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4 min readAug 6, 2020

Esses dias vimos aqui em casa o documentário Tributo ao Inédito, produzido por Renato Cantharino, Vitor Rocha e o amigo Marcelo Pedra, sobre uma galera que movimentou a cena independente da música carioca na virada para o século XXI. De forma resumida: uma galera da música independente e desconhecida que se reunia toda segunda-feira do ano 2002 pra se entupir de pizza num rodízio no subúrbio do Rio de Janeiro se movimentou pra lançar, inicialmente, um cd com músicas de bandas da cena indie carioca. E deu tão certo que lançaram mais 3 coletas. Lembro das matérias que saiam nos jornais e cheguei a ir em alguns shows de bandas dessa galera: Leela, Rogério Skylab, Zumbi do Mato, etc. Fizeram uma playlist no spotify, caso queira conhecer o som do povo.

Eu não curtia algumas dessas bandas. Algumas tinham pegada hardcore-praiano que tava bombando no Rio na época e eu nunca fui muito de hardcore. Mas é legal demais pessoal falando da festa Loud! (única festa que eu conseguia dar uns beijinhos), Ballroom, Teatro Odisséia, etc. Havia outros inferninhos também como Casarão Amarelo e até a Casa Rosa sediava shows de rock, antes de ser tomada pelo samba e chorinho. Esposa até comentou que a gente poderia ter se esbarrado nessas saídas, mas ela tinha se afastado um pouco do rock nessa época.

Sobre o filme, segue um trecho da descrição do documentário no youtube:

“Durante pouco mais de uma hora, você ouve dos próprios músicos como a divisão de tarefas multiplicou as possibilidades que levaram os grupos a se apresentarem em pontos distintos do Rio, como Cine Íris, Ballroom e Rato no Rio. Tinha vocalista que descia do palco para ser assessora de imprensa do projeto, baixista que criava as artes dos discos, entre outros exemplos de empreendedorismo colaborativo”.

Veja abaixo na íntegra:

Dito isso, o filme poderia ser uma série.

Dá pra expandir diversos assuntos além dos cds Tributo porque é um retrato de uma época. A Lapa ainda não bombava, mas já havia gente ocupando com eventos musicais, seja com banda cover do Raul Seixas (e eu estava lá quase toda sexta-feira) ou com Batalha do Real, que começou em 2003. Internet era discada. Galera se comunicava de madrugada (quando pagava um único pulso de ligação) por ICQ, MSN e ou lista de emails (tô numa até hoje). Os zines bombavam e chegavam na internet, vide os finados Cardoso Online e Gordurama. Pelos grupos de e-mail, zines e pela seção Rio Fanzine, de O Globo, ficava sabendo que a cena rock estava bombando no underground do Brasil, seja em Recife ou Goiás.

O Rio de Janeiro não ficava pra trás. As lonas culturais, assunto que é abordado de forma tangencial no documentário, propiciavam palco pra uma galera que basicamente só queria fazer um som. Prefeitura do Rio investia bem nas lonas como forma de capilarizar a cultura na cidade.

Havia também a popularização do CD e do HTML. Você poderia se virar com um gravador de CD e uma hospedagem numa geocities da vida. Não lembro se a gravadora Trama, que serviu como ponto de hospedagem de músicas para muita banda independente, era dessa época.

Programas de editoração, crackeados, também chegavam na mão de um pessoal envolvido com música, que passou a fazer a própria logo. Numa das cenas do filme, um cara usa a camisa da banda Jimi James usando a tipografia do Clube da Luta, filme lançado em 1999 e que pautou muito moleque nessa virada de século. A película deu também o impulso pra banda Pixies voltar aos polcos, já que usou de uma belíssima a música Where’s My Mind no clímax. Quando vieram tocar aqui em 2004 no Curitiba Pop Festival, lá estava eu ver os caras, indo de ônibus fretado com parte dos frequentadores do underground carioca.

Aliás, recomendo ver esse excelente vídeo-ensaio do Now You See It que aborda sobre como muitos filmes de 1999, como Matrix e o próprio Clube da Luta, abordam o Zeitgeist (espírito da época) do período: classe média se revoltando contra uma relativa estabilidade financeira e uma previsibilidade da vida pessoal (ter emprego, casar e ter filhos). O hardcore vai de encontro a isso e essa revolta ganha pulsão com os ataques ao World Trade Center em 2001. Linkin Park bombava nas rádios, lembra?

Havia também a blogosfera. E dela, e dos zines, surgiu uma geração de escritores como a Clara Averbuck (Máquina de Pinball, lançado em 2001), Daniel Galera (do zine CardosoOnline e que em 2001 lançou a editora Livros do Mal pra publicar os livro dele e de amigos), JP Cuenca — ex-economista (lembra do Zeitgeist?), integrante da banda de surf music Netunos e da excelentíssima banda glam Glamourama, e, que em 2003 lançou o livro Corpo Presente — dentre outras pessoas.

E, não menos importante, dá pra falar até como os rodízios de pizza eram componentes fundamentais da vida cultural do carioca na virada para o século XXI.

Enfim, o assunto é vasto. O documentário introduz a gerações novas um movimento bacana feito quase no braço no underground carioca e ajuda a lembrar a quem viveu na época.

Tributo ao Inédito representa uma pedaço do Zeigeist da época.

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