Entre a praticidade e a emoção: qual nossa relação com a comida hoje?

Fosbury
Fosbury Report
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5 min readOct 3, 2019

Comer. Necessidade básica, universal, inegociável e intransferível. A história da alimentação é a história da humanidade. Na pirâmide de Maslow (1943), esquema que separa as necessidades humanas em hierarquia para entender a motivação e desejos dos indivíduos, está lá: antes de tudo, comida.

Pirâmide de Maslow

Mas o ato de se alimentar ultrapassou o espaço determinado. A base das nossas necessidades mais humanas também frequenta o topo das nossas satisfações mais individuais. Afinal, comer é bom. Hoje, qual o papel da alimentação na vida das pessoas? O velho Maslow já não consegue mais responder sobre essa relação com a profundidade que precisamos. A pirâmide, chamada de Teoria das Necessidades Humanas, foi revisitada por pesquisadores que, ao observarem comportamento de consumidores por décadas, identificaram 30 elementos de valor que as pessoas atribuem às coisas (não somente à comida).

Pirâmide de valor
Fonte: © 2015 Bain & Company INC. “The Elements of Value”

São separados em quatro categorias: funcionais (como qualidade, economia de tempo e redução de risco), emocionais (como entretenimento e bem-estar), mudança de vida (motivação, atualização) e impacto social (a autotranscendência). Não é necessário cumprir todos os elementos da base para contemplar os outros. Porém, para entregar os elementos de ordem superior, o produto ou serviço deve fornecer pelo menos alguns dos elementos funcionais, os mais básicos. Assim é possível (e necessário) combinar atributos para aumentar o valor percebido, como unir variedade + apelo sensorial + nostalgia ou simplificação + recompensa + pertencimento, por exemplo. No marketing, as combinações corretas dos valores percebidos são recompensadas com maior fidelidade do cliente e maior disposição do consumidor a experimentar uma determinada marca ou novo produto.

Valor percebido é o resultado da diferença entre o valor total esperado e o custo total envolvido. São vantagens agregadas, muitas vezes subjetivas.

Quantas categorias desses valores um almoço de domingo com o prato típico da família é capaz de contemplar? Ou um lanche saudável encomendado pelo delivery que chega em menos de 20 minutos quando você mais precisa? Um jantar temático e romântico produzido totalmente handmade, a quatro mãos? Ou ainda o café da manhã preferido do seu filho no dia do aniversário dele? Difícil estimar.

Foto: Gregg Segal. Projeto “Daily Bread” revela diferenças e semelhanças dos hábitos alimentares de crianças pelo mundo.

Novos formatos para uma antiga necessidade

Escolher, pedir, receber, comer. O delivery inaugurou uma nova forma de como nos alimentamos. Se no passado a alimentação era simples mas a aquisição difícil (caçar e plantar ou comprar ingredientes e cozinhar) agora a alimentação é complexa, com muitas opções, mas de aquisição fácil (pediu, chegou). O cardápio em miniatura na palma da mão foi muito bem recebido e inserido na vida dos brasileiros.

“A média anual de crescimento de pedidos foi de 120% nos últimos 5 anos” — Pesquisa iFood

Três anos atrás, em 2016, apenas 26% dos internautas brasileiros com smartphone já haviam pedido uma refeição através de um app. Agora, são 58% (OpinionBox, 2019). A rapidez da popularidade dos aplicativos de delivery pode ser explicada porque o serviço abrange várias necessidades da esfera Funcional simultaneamente, como economia de tempo ao resolver a pendência da comida com eficiência, a solução para falta de espaço em cozinhas cada vez menores, a variedade de opções para restrições alimentares e a facilidade do pagamento online. Combinar os fatores torna o serviço poderoso.

Mas nem só de exigências funcionais vive o homem. Ao contrário das teorias tradicionais sobre o homo-economicus, somos muito menos racionais do que se pensa. O próprio iFood identifica em seu estudo interno que o simples desejo é uma das motivações dos seus clientes. Dessa forma também atua na esfera Emocional, ao proporcionar novas descobertas culinárias, estar presente em momentos de preguiça e promover a auto satisfação — uma recompensa que a pessoa dá para si, o famoso “hoje eu mereço”.

O ser humano se conquista pelo estômago (e coração)

Na alimentação contemporânea, mesmo com toda facilidade e automação disponível, estamos vivendo um momento de relação emocional com a comida que vai muito além do paladar. A marca Knorr, por exemplo, mesmo tendo uma cartela de produtos pouco atraente como sopas prontas, temperos e molhos, apostou na campanha “Amor ao Primeiro Sabor” (2016) que valoriza o comer como uma poderosa interação humana. O resultado: mais de 60 milhões de visualizações orgânicas.

“Vivemos uma era em que o sentimento sobrepõe o pensamento lógico. A pós-modernidade é a era do afeto. A vida em modo automático dos centros urbanos nos faz perder, aos poucos, nossa espontaneidade, as raízes de nossa história e, muitas vezes, o sentimento de pertencimento. A busca por sentir estimula o desejo de reviver sensações e impõe uma necessidade de conexão” (Ponto Eletrônico)

A sensorialidade também é intrínseca à alimentação. Uma pesquisa da Harvard Business School mostra que os clientes saboreiam mais um sanduíche quando observam o alimento sendo preparado, em vez de simplesmente pedir a comida e recebê-la pronta. A tendência chamada de heurística do empenho compreende que ter a interação humana visível no processo (como chefs que imprimem um toque inconfundível no seu trabalho) significa empenho e empenho gera mais valor percebido. Ou seja, mesmo em tempos que atendimentos feitos por robôs já é uma realidade, as relações humanas ainda têm importância para o consumidor.

Se no passado, a alimentação era simples mas difícil de conseguir, hoje é complexa e fácil. Para o futuro, empresas como o iFood apostam que será simples e fácil. Simples por que as recomendações serão tão personalizadas pela inteligência artificial que eliminarão o trabalho de escolher um prato? Fácil por que teremos os ingredientes específicos entregues sempre na porta da nossa casa? Simples e fácil por que conheceremos profundamente nossos desejos, gostos e marcas preferidas para hora de encomendar ou cozinhar? O que podemos concluir, por hora, é que a alimentação transita em todas as esferas de necessidades da pirâmide (não sendo excludentes, mas complementares) desde fisiológica à funcional e emocional, podendo até chegar no topo, porque a comida é um poderoso agente de transformação — seja pessoal, social e de todo mercado que deve sempre se adaptar e se atualizar para proporcionar mais valor possível ao ato mais importante da vida humana.

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