Estamos passando mais tempo dentro de casa. Qual o impacto disso — no consumo e nas nossas vidas?

Fosbury
Fosbury Report
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5 min readOct 18, 2019

A casa, encarada como o ponto de chegada ao fim do dia, hoje deixa de ser apenas um local de pouso. Os americanos passam 90% do tempo dentro dela. No Brasil dividimos boa parte desse tempo com o trânsito, sendo o país onde se passa mais horas dentro do carro — aproximadamente 5 anos das nossas vidas. Mas ao que tudo indica, esse dado será atualizado em breve. A Pesquisa Home Office Brasil (2016) revelou que 37% das empresas no Brasil possuem colaboradores trabalhando em casa e esse número aumenta se considerarmos os freelancers. No IBGE de 2010, o número de trabalhadores a domicílio eram de 20 milhões de brasileiros. E se hoje 58% dos pais acham que não passam tempo suficiente com a família, a aposta para os próximos 10 anos é que a criação dos filhos será modificada positivamente com os pais passando mais tempo dentro de casa — o que é permitido pela flexibilização, ao menos parcial, dos locais físicos de trabalho.

“Se essa tendência continuar, os pais do futuro têm chances de ter um emprego que lhe permita trabalhar em casa. E, estar em casa, significa que os filhos possivelmente irão desenvolver uma conexão mais próxima com os pais” — O Futuro das Coisas

Há outros fatores que colaboram para passarmos mais tempo dentro dos nossos lares, como a ascensão das entregas na porta de casa. Segundo a pesquisa global da Mintel, 34% dos millennials brasileiros (entre 19–35 anos) dizem que preferem contatar as empresas e marcas online ao invés de ir à loja física, o que explica o crescimento do serviço de entrega Rappi, que chegou a U$ 1 bilhão em valor de mercado. Tornar mais fácil para os consumidores terem tudo o que precisam em casa faz com que o conforto do lar se torne uma ameaça para algumas marcas — como o McDonalds que agora concorre, além do iFood, com a Netflix, famosa por democratizar o entretenimento dentro de casa e fazer com que as pessoas saiam menos. Com esses novos modelos de negócios, as organizações não competem somente com seus concorrentes diretos, mas com empresas que influenciam novos comportamentos de seus consumidores.

Antes saímos das salas de cinema do shopping para terminar a noite jantando em um fastfood no mesmo local. Hoje o cinema é em casa. A refeição também.

Rosie dos Jetsons
Rosie dos Jetsons

Ameaça para uns, oportunidade para outros. Esse comportamento de isolamento social colaborou para criação de novos produtos e novas relações humanas com eles. A tecnologia está adaptando os lares para serem smarts houses, onde a automação e os dispositivos inteligentes já são de casa. Desde a Siri e da Alexa, assistentes virtuais que estão cada vez mais próximos do robô Rosie dos Jetsons (que não só ajudam nas tarefas diárias por comando de voz, mas também batem um papo quase íntimo com as pessoas reais) até as novíssimas inovações como o aplicativo Yummly, que se integra a geladeiras específicas para rastrear o conteúdo e recomendar receitas e novas compras — que podem ser feitas por app, é claro. Pesquisadores dizem que a Inteligência Artificial é a nova eletricidade e que logo os assistentes domésticos serão capazes de fazer coisas como ler e resumir e-mails. Ponto para as pessoas do home office e mais ainda para as marcas que facilitam essa rotina.

“Bom dia, estou muito contente de estar no Brasil. Como escreveu Cecília Meireles, a vida só é possível reinventada” — mensagem inicial da Alexa quando um brasileiro lhe deseja bom dia. A tecnologia acaba de ser lançada em português.

Além de novos dispositivos, a tecnologia também cria soluções para negócios tradicionais, como a compra dos móveis para casa. Se estamos nos relacionando de forma mais próxima com um imóvel, nada mais justo que os objetos que compõem esse ambiente também sejam encarados de maneira mais pessoal — muito parecido com a relação de identidade que temos com as roupas. O Pinterest, rede social comumente utilizada para moda, agora também conta com ferramentas de “Shop the Look” para móveis: ao ver a foto de um ambiente completo e gostar do armário, por exemplo, você pode tocá-lo nele e ver modelos, custo, tamanhos, cores e uma rota fácil para fazer seu pedido com as redes cadastradas. Não está disponível no Brasil (ainda!) mas o Google possui um artifício muito parecido. No aplicativo Google Lens, ao apontar a câmera para um objeto na função “compras”, a busca irá te mostrar onde encontrá-lo para comprar (ou outro bem semelhante). Sem sair para rua.

iPhone com tela do Google Lens
Google Lens

Mesmo ao viajar, ocasião em que ficamos afastados da nossa casa, os novos formatos de hospedagem (como o Airbnb, que cresceu 72% no Brasil em 2018) proporcionam uma experiência de lar. Estamos longe de nossos móveis e objetos, mas interagindo com a identidade de outra pessoa e cultura de forma muito mais próxima que em um hotel. Assim, a revolução da mobilidade transforma a forma que vivemos, trabalhamos, nos entretemos e consumimos. O jogo da transição tecnológica é impulsionado por inovação e tendências globais e mesmo a concepção de lar, essa entidade quase imutável, entra na jogada. Mais que isso: os espaços físicos são bases fundamentais para proporcionar mudanças profundas, como nessa cadeia em que todos os aspectos se complementam e se interdependem.

Imagem: Pesquisa Home Office Brasil (2016)

Casa inteligente, sim. Mas totalmente independente?

#reflexão

Apesar de um mundo cheio de botões e objetos que realizam ações automáticas, os seres humanos têm um desejo inato de influenciar o ambiente com as próprias mãos. Um exemplo básico: o botão para fechar a porta do elevador. Independente de ser apertado ou não, a porta se fechará automaticamente. Mas ele está lá por um motivo principal: quando fazemos escolhas que desencadeiam ações, um sinal de recompensa dispara em nosso cérebro, como comer um doce. Fomos programados para isso.

“As empresas precisam entender os fundamentos psicológicos das ansiedades dos consumidores e usar o design para lidar com elas” — EY Global Markets

É o viés humano no comando, muito estudado pelas ciências comportamentais. O desafio das novas tecnologias é não esquecê-lo em um mundo que permite que a janela do quarto se abra sozinha no horário programado, sem qualquer intervenção. Então o que estará depois do que vem a seguir? Isso discutiremos adiante.

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