O comportamento financeiro das diferentes gerações: somos todos digitais?

Fosbury
Fosbury Report
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7 min readOct 29, 2019

Estamos vivendo um período histórico inédito. É a primeira vez que tantas gerações diferentes convivem lado a lado, seja trabalhando juntas dentro de empresas ou dividindo os mesmos espaços, físicos e tecnológicos, na sociedade. São cinco gerações simultâneas, determinadas por faixa etária: os Baby Boomers (nascidos entre 1940–1965), geração X (1966–1978), geração Milllenial ou Y (1979–1994), geração Z (1995–2010) e, como vem sendo chamada, a novíssima geração alpha (nascidos a partir de 2011).

Infográfico de gerações

Toda geração é influenciada pelo contexto que foram inseridas — social, político, econômico, ambiental, tecnológico — e isso impacta diretamente seus comportamentos, desde alimentação às decisões com dinheiro. Segundo o IBGE, das pessoas economicamente ativas no país (considerando 100 milhões de brasileiros), a maioria são Millennials: mais de 54 milhões. Seguido da geração X, com 40 milhões. Os Baby Boomers representam aproximadamente 8 milhões e a geração Z é composta por 2 milhões de uma galera bem nova e economicamente ativa.

Mas há um marco que provocou uma transformação simultânea: a internet. O avanço tecnológico e como lidamos com ele é um dos principais fatores que diferem uma geração da outra. Dessa forma foi possível (e necessário) categorizar não somente pela época em que nascemos, mas dividir de acordo com o comportamento digital para compreender melhor nossas motivações e hábitos. Dessa forma, temos os refugiados digitais, aqueles que nasceram e viveram maior parte de suas vidas sem internet, os imigrantes digitais que viveram boa parte da vida sem internet mas tiveram contato a partir da adolescência e os nativos digitais, que já nasceram totalmente inseridos no ambiente tecnológico. Pessoas com experiências distintas mas unidas em um mesmo contexto, onde serviços tradicionais como restaurantes e instituições financeiras possuem alternativas online já enraizadas no cotidiano. E na era onde nascem pessoas nativas digitais, também nascem empresas.

Fintechs, os bancos nativos digitais

A era digital e da mobilidade acostumou as pessoas a resolverem tudo em um clique e abriu caminho para o surgimento das fintechs. Aliado a isso, o acesso mais barato às novas tecnologias, a oportunidade de redução de burocracias e oferta de um serviço mais personalizado impulsionaram esse segmento entre os brasileiros. Hoje são 550 atuando no Brasil, segundo o Fintech Mining Report 2019. O país é o maior mercado de fintechs da América Latina, a frente até mesmo do México, onde nasceu o Nubank — que acaba de chegar a 15 milhões de clientes.

A maioria está na área de pagamentos, mas também há as especializadas em crédito, empréstimo, crowdfunding (financiamento coletivo), controle financeiro e investimento. Além de dois unicórnios (startups que alcançam a avaliação de U$ 1 bilhão) Nubank e Stone, outras se destacam em termos de crescimento: Certisign, Clearsale, Conductor, Conta Azul, Contabilizei, Creditas, Ebanx, Geru, GuiaBolso, Neon, Pravaler, Recargapay, Trigg, Weel e Zoop. Entre 2017 e 2018, o número de empresas do ramo aumentou em 66%, segundo pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

A própria palavra fintech já entrega sua essência: é a junção das palavras financial (financeiro) e technology (tecnologia).

As fintechs redesenham a área de serviços financeiros com processos inteiramente baseados em tecnologia. São empresas enxutas — 34% contam apenas com um a cinco funcionários e 32% possuem de seis a 20 pessoas na equipe — e seus fundadores têm entre 30 e 39 anos, segundo pesquisa da PWC (2018). A maioria dos clientes são jovens: de 16 a 34 anos. Uma parte pertence à categoria Nativos Digitais (geração X) e a maioria são Imigrantes Digitais (a geração dos Millennials). De acordo com dados da empresa Cantarino, 69% descobrem as fintechs pela internet.

Fonte: Cantarino Brasileiro Dados e Inteligência

Para os clientes (ou futuros) dessas empresas, um relacionamento próximo e serviço rápido são atributos essenciais. De acordo com estudo recente do Google (2018) com 800 consumidores online de serviços financeiros, quase a metade dos usuários (46%) ainda usam instituições financeiras tradicionais como principal provedor, mas dos clientes das fintechs, 71% dizem estar satisfeitos, contra 42% dos clientes das instituições financeiras tradicionais. Os usuários também diferem em comportamento: enquanto o serviço mais usado pelos consumidores tradicionais é o de conta-corrente, os clientes de fintechs usam mais o cartão de crédito. Este último grupo que preza pela praticidade também está aberto às novidades do mercado: hoje, os pagamentos por aproximação no Brasil chegam a mais de 1 milhão de transações por mês segundo o Visa Analytics & Consulting, 18 vezes a mais desde 2018. Nessa tecnologia, basta aproximar o cartão de crédito, a pulseira ou o smartphone da maquininha e voilá: pagamento realizado sem contato físico para digitar a senha.

Braço com pulseira de pagamento efetuando transação em máquina de cartão

Os Millennials são muitos, mas não são tudo

A maioria da população brasileira está entre 24 e 36 anos e pertencem à geração Millennial, os Imigrantes Digitais — aqueles que cresceram junto com o surgimento da nova realidade da internet e participaram da desconstrução da outra que existia até então. Esse público é mais flexível para testar novidades, assim como testou desde a internet discada ao 4G, das salas de bate-papo ao WhatsApp, de entrar na internet ao estar, o tempo todo, dentro dela. 86% dos Millenials no mundo já usam apenas pagamentos digitais e diante disso a comunicação e serviços das fintechs e outras startups costumam focar majoritariamente nesse público e nas gerações posteriores, como a Z: pessoas com menos de 24 anos que já nasceram inseridas digitalmente, os Nativos Digitais.

Mas… e quem veio antes de tudo isso? Os Baby Boomers, os sessentões em diante, representam uma parcela generosa da população (aliás, por estarmos vivendo mais, a aposta é que até 2060 a quantidade de pessoas dessa faixa etária seja superior aos Millenials) e apesar de movimentarem R$1,8 trilhões por ano (Instituto Locomotiva, 2018), podem estar sendo esquecidos pela publicidade e pelas novas empresas. Pertencem ao perfil de Refugiados Digitais — o famoso “na minha época isso era tudo mato” — e são menos abertos às frenéticas transformações tecnológicas, mas isso não significa que consomem menos. Muito pelo contrário.

“Esses consumidores possuem renda própria, seja através de remuneração, aposentadoria ou investimentos. E estão cada vez mais preocupados com saúde e bem-estar, além de buscarem formas de viver mais e melhor” — Hype60+, especialistas no mercado sênior.

Essa geração é de um período de redefinição dos valores tradicionais, composta por indivíduos que passaram por um reposicionamento político mundial, a Guerra Fria, e no Brasil experimentaram escassa oferta de crédito em sua chegada à vida adulta — ao contrário dos Millennials. Hoje, fazem planejamento de longo prazo e entre suas preocupações de consumo estão formar ativos para aposentadoria, como imóveis e carros, além de ter um bom plano de saúde (Serasa Experian, 2012). Como muitos desta geração ainda trabalham, as demandas dos Baby Boomers junto ao varejo e serviços representam 20,5% do total e estão muito próximas das verificadas nas gerações X (21,1%) e Y (21,7%). Também estão presentes na internet, é claro, e se em 2008 eram apenas 5,7% dos usuários, em 2017 já somavam 31% (IBGE). No entanto, aparecem em apenas 3% das propagandas da publicidade brasileira atual.

“Na busca por acompanhar o ritmo das transformações digitais e alcançar competitividade e modernização, muitas empresas têm negligenciado a forma como se comunicam com pessoas que pré-existiam à tecnologia digital. As empresas não devem digitalizar toda sua comunicação e interação com clientes, colaboradores e com ela mesma. A saída, portanto, não é a unificação, mas a diversificação” — Gente Globosat.

Há uma antiga teoria na comunicação chamada Agulha Hipodérmica: supõe-se que uma mensagem midiática enviada a um público de massa afeta da mesma maneira todos os indivíduos. Com o consumidor atual isso cai por terra. É impossível impactar da mesma forma a todos, ainda mais gerações etárias e tecnográficas com comportamentos tão diferentes mesmo ao consumirem as mesmas marcas. Por exemplo, as cartinhas com linguagem informal e feitas “à mão” que viraram marca registrada do Nubank. Costumam ser bem recebidas pelo seu público principal, mas não têm o mesmo impacto positivo em todo mundo — especialmente os que não são Imigrantes Digitais e tampouco Nativos. Podemos ver os feedbacks dessa modernização massiva e suas inadequações, olha só, na própria internet.

As empresas nativas digitais devem considerar a (co)existência de consumidores que não romperam totalmente com sua forma analógica (ou um pouco menos digital) de ver o mundo. Escolhas como não aceitar pagamentos em dinheiro, privilegiar o uso de aplicativos ou atendimentos apenas automáticos, como já acontece em algumas situações, é um exemplo dessa imigração digital não inclusiva. Aliás, no Brasil, 96% da população diz utilizar dinheiro em espécie para fazer pagamentos em algum momento, apesar de também usarem outros meios, e 60% diz preferir efetivamente o papel moeda para fazer suas transações. Mesmo que em 2013 o uso fosse de 100% da população, esse hábito ainda se mantém na vida do brasileiro. O desafio para as empresas é criar experiência digital, sim, desde que mais assertiva, menos excludente para agregar pessoas de todas gerações e de forma mais gradativa. Isso também é inovação.

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