Academia Physical: Jonas e Tubarão

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7 min readJun 22, 2019

“Physical” gym: Jonas and Tubarão

Marielen Baldissera ¹

Resumo: O corpo humano pode ser considerado um meio visual de expressão dos indivíduos, nesse contexto, a prática da musculação e hipertrofia muscular é uma possibilidade de criação de si mesmo. Neste ensaio apresento dois personagens urbanos que trabalham com um modelo idealizado de corpo masculino por meio do levantamento de peso e do fisiculturismo. A masculinidade associada à força física aparece como uma virtude almejada nesse estilo de vida. As fotografias têm como cenário uma academia de musculação no centro de Porto Alegre.

Palavras-chave: Antropologia Visual, corpo, masculinidade, fotografia, gênero.

Abstract: The human body can be considered as a visual medium of individual expression. The practice of bodybuilding and muscle hypertrophy is a possibility of self-creation. In this essay I present two urban characters who work with an idealized model of male body, through powerlifting and bodybuilding. Masculinity associated with physical strength appears as a desired virtue in this lifestyle. The photos are based on a bodybuilding gym in the center of Porto Alegre.

Key Words: Visual Anthropology, body, masculinity, photography, gender.

¹ Doutoranda no Programa de Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista CAPES. marielen.baldissera@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/2213891078720770.

Em minha dissertação de mestrado (BALDISSERA, 2015) pesquisei sobre a experiência do olhar no retrato e as relações que ocorrem entre quem retrata e quem é retratado. A questão de gênero foi trazida para falar sobre o poder de quem olha e como mulheres e homens são vistos e representados visualmente. Não distante desse trajeto intelectual, sigo pesquisando sobre a construção da masculinidade e de gênero em suas formas imagéticas. Para este ensaio, realizado em 2018, contei com a colaboração de Jonas Tieppo da Rocha, que em sua conta no Instagram [1] se descreve como Brazilian amateur powerlifter. Ele faz parte da categoria nomeada “basista”, com foco nos três movimentos básicos: supino, agachamento e terra. Segundo Jonas, grande parte dos homens que se preocupam com o corpo e malham regularmente para crescer, se intitulam “maromba [2]”. Ele não aceita para si esta classificação, afirmando se concentrar em trabalhar a força. Jonas pratica musculação há oito anos e há dois está focando no esporte chamado Powerlifting. Na entrevista que realizei com ele, podemos enxergar a recorrente aparição da competitividade em sua narrativa, por essa ser uma pesquisa com masculinidades hegemônicas, relaciono suas declarações ao fato de que o “’homem de verdade’ tem de estar constantemente provando a si e aos outros que é forte e macho o bastante” (SABINO, 2007, p. 180) e “a masculinidade deve ser provada, e assim que ela é provada, ela é novamente questionada e deve ser provada ainda mais uma vez;” (KIMMEL, 1998, p. 111).

Acompanhei Jonas durante um treino e o fotografei na Academia Physical, nas escadarias do Viaduto Otávio Rocha, na Avenida Borges de Medeiros, em Porto Alegre. O slogan da academia é “Treinando campeões”, e ela oferece acompanhamento em musculação, fisiculturismo, aulas de karate, jiu jtistu e muay thai. O dono da academia, Rubens Carlos de Souza, conhecido como Tubarão, também estava treinando, e acabou colaborando com a pesquisa posando para fotos e cedendo uma entrevista, em que contou como iniciou nesse mundo da academia:

Meu nome é Rubens Carlos de Souza, conhecido como Tubarão, tenho 66 anos. Tenho a academia aqui, a Physical, há quase 40 anos já. […] Eu já venho desde os 14 anos treinando artes marciais, essas coisas assim. E no fisiculturismo mesmo, na musculação, eu já tinha uns 20 anos, 22 anos. Mas eu era um cara bem magrinho, tinha 50 quilos. Pesava 50 quilos, tinha 29 de braço, era um raquítico né. E com 5 anos de treino, mais ou menos, com muito esforço e dedicação eu cheguei de 50 quilos a quase 90 quilos e 46 de braço. Com 5 anos de treino. […] E depois de 5, 6 anos de treino fiz minha primeira competição estadual, já ganhei a primeira, depois eu fui ganhando campeonato… Antes tinha campeonato estadual e tinha Mister Porto Alegre, Mister Encouraçado, essas coisas. E eu entrava nessas competições aí, ganhei muito Mister Porto Alegre, estadual, fui pro brasileiro também, muitos anos ganhando em fisiculturismo. Eu entrei no levantamento de peso, mas não tive muita sorte, foi pouco tempo né. O que destacou mais foi no fisiculturismo. E depois que eu, em 95, 96, que eu ganhei o brasileiro de master, daí eu parei né, não fui mais competir. E me tornei meio que treinador só. Treinava equipe grande, tive atleta que ganhou brasileiro, sul-americano, pan-americano de levantamento de peso.

Quando realizei o ensaio fotográfico na Academia Physical, notei vários pôsteres e quadros espalhados pelas paredes com imagens de homens musculosos, há a repetição da famosa figura de Arnold Schwarzenegger e fotografias de Tubarão na época em que competia como fisiculturista. Ao ser questionado sobre o porquê de começar a treinar, ele teve uma resposta muito parecida com a de Jonas, com os devidos recortes temporais, por pertencerem a contextos geracionais diferentes. Ambos se referem à influência de filmes e de “heróis”, à vontade de se igualar a seus ídolos, sejam eles personagens fictícios ou não. Jonas contou que lia muitos gibis de super-heróis e também animes, em que, segundo ele, sempre tem a história de “um cara que treina muito e fica forte”, além de ter como brinquedos bonequinhos que “eram sempre bombados, eram fortes”.

Hoje em dia Tubarão não participa mais de campeonatos, encerrou essa fase de sua vida após sofrer uma lesão no ombro. Também fez uma cirurgia no joelho, o que diminuiu seu rendimento nas pernas. Pela sua idade, poderia ainda competir no nível Master 2, mas ele diz estar satisfeito com a academia e treinando atletas. Atualmente está treinando uma atleta que ganhou dois campeonatos estaduais, Tubarão fala sobre ela com orgulho, diz que está se destacando. Segundo ele, não há diferença em treinar homem ou mulher, o rigor e a exigência são os mesmos. Mas conta que na Physical não há muita presença feminina pelo fato de ter de montar os aparelhos e os pesos nos equipamentos. Moro perto da academia e nunca vi mulheres frequentando o local, também notei que em seu interior só havia um vestiário/banheiro com uma placa em que está escrito “masculino”.

[1] https://www.instagram.com/jonastieppo/

[2] Palavra que deriva do nome da vara que o funâmbulo (homem que anda na corda bamba) usa para se equilibrar. O termo é utilizado para se referir a fisiculturistas, body builders, ou homens “sarados”. (SABINO, 2007, p. 139)

Referências Bibliográficas

BALDISSERA, Marielen. Encontros com o outro: arte e gênero em uma experiência de troca de retratos. Dissertação (Mestrado) — Curso de Artes Visuais, IA, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/131674

KIMMEL, Michael S. A produção simultânea de masculinidades hegemônicas e subalternas. In: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 4, n. 9, p. 103–117, out. 1998.

SABINO, Cesar. Anabolizantes: Drogas de Apolo. Pp 139–188. In: goldenberg, Mirian (Org. ) Nu & vestido : dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. 2. ed. Rio de Janeiro : Record, 2007.

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