Amor e devoção: a procissão em homenagem a São Benedito, na irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo/SP

Fotocronografias
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6 min readJun 20, 2019

LOVE AND DEVOTION: PROCESSION IN TRIBUTE TO SÃO BENEDITO, IN
THE BROTHERHOOD OF NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO OF THE BLACK
MEN OF SÃO PAULO/SP

Ricardo Figueiró Cruz

Resumo: A cidade é composta de muitos sentidos, e o percorrer essas ruas nos leva acruzar com o cotidiano, de uma paisagem que não é tua habitualmente. A partir dessa relação com a cidade foi produzido esse ensaio, que toma como base uma festividade Católica, em homenagem a São Benedito, que foi realizada na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Prestos de São Paulo/SP.

Palavras-chave: cotidiano; cidade; religiosidade; fotoetnografia.

Abstract: The city is composed of many senses, and walking through these streets leads us to cross with the everyday, a landscape that is not yours usually. Based on this relationship with the city, this essay was produced, based on a Catholic feast, in homage to Saint Benedict, which was held at the Brotherhood of Our Lady of the Rosary of the Men Prestos of São Paulo.

Keywords: everyday; City; religiosity; photoetnography.

A cidade acolhe seus passos, e ela passa a existir na existência deste que vive, na instância de seu itinerário, um traçado que encobre um sentido, algo que será desvendado ao seu final. Espaços, cheiros, barulhos, pessoas, objetos e naturezas que o caminhante experiencia em sua itinerância, não sem figuras pré-concebidas. (ROCHA; ECKERT, 2003, p. 1)

Sentir e caminhar pela cidade de São Paulo pela primeira vez é algo poético e, ao mesmo tempo, sombrio. Entrar na maior cidade da América Latina, capital econômica do Brasil, com maior número de habitantes, desperta a sensação de tentar descobri-la. Uma cidade cosmopolita, na qual a diversidade emerge sem paradigma nenhum. A cidade é alta, pichada, imponente e silenciosa.

Andar domingo pela manhã no centro da cidade se torna algo imprevisível. Ao deslocar-se a pé, à espera do hotel ficar “pronto”, faz com que emerja no espaço urbano e cruze com seu cotidiano. Ao descer a rua Dom José de Barros, localizada a cerca de duzentos metros da Estação da República, um grande calçadão, que não tem a circulação de carro, cruzamos observando seus prédios, seu comércio fechado, cidade vazia, destoando do que imaginamos encontrar.

No fim dessa rua avistamos uma igreja (Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos), no centro de uma praça, o Largo Paiçandu. Praça esta com bastantes árvores e passeios, que direcionavam para uma pequena igreja amarela, ornamentada com detalhes em branco e uma única torre ao centro. Ao se aproximar desta igreja, percebe-se que estava com certo movimento. O que chamou a atenção era as pessoas que compunham esse ritual, que majoritariamente era composta por negros.

Outro detalhe dessa festividade eram as roupas. Mulheres bem vestidas de saias, logo abaixo do joelho, saltos, blazers, maquiagem e cabelos bem arrumados. Os homens, de terno, gravata e sapato. Mas também eram vistos mulheres e homens com trajes típicos africano, e pessoas com trajes do cotidiano.

Observar e entender o que estava acontecendo ao entorno daquela igreja, fez com que nos aproximássemos e até mesmo entrasse para a missa. A celebração era em homenagem a São Benedito, santo negro, “filho de escravos etíopes, nasce em Portugal, vive em um convento e depois da sua morte passa a ser considerado um taumaturgo, angaria devotos tanto no Reino quanto no Brasil, antes mesmo da sua canonização”, conforme mostra Araújo (2018, p. 1).

Antes da missa, a celebração sai em procissão ao redor do Largo Paiçandu, puxada por um grupo de coroinhas, seguidos por membros da Irmandade, de um grupo de maracatu e membros de outras irmandades de cidades vizinhas que são representadas com seus estandartes. Ao som de foguetes e tambores do maracatu, esse percurso é feito.

A procissão se posiciona para entrar na Igreja, o lado esquerdo está reservado para os membros das irmandades, enquanto o lado direito já está lotado de fiéis. Após a entrada das irmandades, entram os coroinhas e o padre. Ao som de um canto para São Benedito, a imagem do santo entra na igreja.

Esta produção fotográfica teve como inspiração os conceitos cunhados por Achutti (1997; 2004), de fotoetnografia, produção de narrativas visuais, cujas composições das fotos encaminhariam a percepção da história narrada, na qual me inspirou para dar encaminhamento na dissertação, e ao mesmo tempo base para outras produções como esta, feita em 29 de abril de 2018, na cidade de São Paulo/SP.

Com isso, perceber a devoção e o amor, por uma festividade que envolve, não somente um recorte religioso, levando em consideração que de acordo com o Censo do IBGE 2010, o índice de Católicos no Brasil é de 64,6%, apresentando uma tendência de redução para os próximos levantamentos, mas também um recorte étnico-racial, pois se apresenta a devoção a um santo negro, na qual a maioria dos fiéis presentes na cerimônia também o são.

Sendo assim, caminhar pela cidade é desbravá-la, seguir o percurso das ruas, das intuições que a cidade evidência, mostra o quanto ela é complexa e sua estrutura estabelece uma relação de aproximação, medo e euforia, ao descortinar seus percursos.

O personagem baudelairiano, o flâneur, caminha na cidade: um percurso sem compromissos, sem destino fixo. O estado de alma deste personagem-tipo é de indiferença, mas seus passos traçam uma trajetória, um itinerário que concebe a cidade, o movimento urbano, a massa efêmera, o processo de civilização. Logo, esta não é uma caminhada inocente. A cidade é estrutura e relações sociais, economia e mercado; é política, estética e poesia. A cidade é igualmente tensão, anonimato, indiferença, desprezo, agonia, crise e violência. (ROCHA; ECKERT, 2003, p. 1)

Referências Bibliográficas

ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Fotoetnografia: um estudo de Antropologia Visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre. Tomo Editorial; Palmarinca: 1997.

__________. Fotoetnografia da Biblioteca Jardim. Porto Alegre: Editora da UFRGS/Tomo Editorial, 2004.

ARAÚJO, Fabíola Pereira de. São Benedito: Santo ou negro? — A troca de um santo negro por uma santa branca na cidade de Encruzilhada. In.: http://www.uesc.br/eventos/cicloshistoricos/anais/fabiola_pereira_de_araujo.pdf — acessado em 15/06/2019.

IBGE. Censo 2010 . Disponível em: <https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/137>. Acesso em: 16 de jun. 2019.

ROCHA, Ana Luiza Carvalho da; ECKERT, Cornelia. Etnografia de rua: estudo de antropologia urbana. In: Iluminuras. Porto Alegre, vol. 4, nº. 7, 2003.

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