Arte fazer, arte de narrar: Uma etnografia da pintura de paisagem em Porto Alegre

Fotocronografias
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5 min readNov 19, 2023

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Thais Cunegatto

Ano: 2005
Categoria:
Trabalho
Palavra-chave: Técnicas

Sinopse: Mostra fotografia que acompanha o trabalho de conclusão está inserido numa tríade interdisciplinar que envolve as disciplinas de Antropologia, História e Artes Visuais. Numa discussão acerca das formas expressivas da vida social, encontra-se o tema da pintura de paisagem e a representação pictórica numa trama entre a cidade vivida e a cidade narrada, onde a memória é fio condutor que leva a análise deste trabalho.

Toda uma discussão acerca de o que é etnografia se coloca no momento em que se propõe etnografar a arte. Numa alusão a uma antropologia mais clássica, onde a observação participante se dá como método central de pesquisa de campo e confere solidez ao “estar lá” do pesquisador. Encaro metaforicamente que o meu encontro etnográfico com o mundo da pintura de paisagem se apresentou nas paredes de museus, nos catálogos, nas páginas de livros de reproduções ou nas páginas da Internet, ao deparar-me com as obras de inúmeros artistas que há mais de 100 anos vêm retratando Porto Alegre através de sua arte.

Adentrar, como etnógrafa, o olhar na tela pintada pelo artista, percorrer a visão no interior das figuras representadas, apreciar sua composição interna, fixar o olhar nas delimitações da moldura, traz para a leitura da obra o ato de reconhecer-se na cidade retratada pela mão e pelo gesto do artista, conhecendo uma outra cidade de tempos alhures, sobreposta à cidade presente vivida pelo artista quando da sua criação.

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Dias de sol ou no máximo nublado; dias de chuva, nunca. Os pingos desta afugentam as pessoas e assim o Brique adormece em alguns domingos feito Cinderela aguardando o beijo do príncipe Sol para despertar.

Domingos chuvosos: o mês de setembro foi marcado por eles. A espera do Sol tornou-se um hábito, no sábado já olhava os céus, imaginando o dia que viria. A chuva separou por muito tempo Seu Ennio de seus clientes e, por sua vez, eu de Seu Ennio.

Mas o Sol raiou no mês de outubro e novembro, e as longas tardes de domingos tiveram a passarela do Brique estendida na rua José Bonifácio para que Porto Alegre saísse ao Parque da Redenção para tomar o seu chimarrão, sentar na grama, comprar artesanato, admirar antigüidades, ver teatros de rua e também para quem quiser ver telas de arte…

Conheci Seu Ennio em maio deste ano, com o intuito de encontrar artistas de paisagem caminhava pela cidade a procurá-los. Sabia que o Brique, constituindo-se uma feira de artesanato, poderia abrigar artistas com tal técnica, pois no circuito artístico, tais como exposições e na academia, sabia que não mais encontraria.

Logo na primeira banca, quadros bem abstratos, coloridos, expressão da arte contemporânea, bem como se espera encontrar; a próxima banca segue a mesma linha artística e, ao lado desta uma surpresa: entre hortênsias rosas e azuis, existem quadros de gaúchos montando a cavalo, de homens levando a boiada. Lá estão os quadros das paisagens bucólicas que me lembravam muito a pintura de regionalistas como: Pedro Weingartner ou mesmo José Lutzemberger.

Parei nesta banca, banca 38, e fiquei olhando atentamente para um grande quadro, que retratara um moinho. Perguntei à senhora ao lado quem havia pintado aqueles quadros, e ela me apontou o senhor que estava dentro de uma Brasília marrom. Abaixei-me e vi que era um Senhor já com os cabelos brancos que inscreviam seus 70 anos, semblante cansado, num cochilo sossegado de quem espera o dia passar.

Seu Ennio Crusius. É este senhor com quem venho falando a cada domingo que passa, cujo Sol permite nosso encontro. Ennio Crusius é pintor de paisagem, pinta desde seus 15 anos, imerso no saber — fazer de seu pai, Oscar Crusius, também pintor de paisagem. Ennio familiarizou-se com a pintura e com os pintores que retrataram Porto Alegre. Através de suas narrativas, ele remonta a história das artes plásticas porto-alegrense, nos levando para a sua meninice e para o seu aprendizado na pintura, onde encontramos os formadores do Instituto de Arte, remontando no plano de suas memórias afetivas, no plano da imaginação criadora, este circuito de trocas e aprendizagens do campo artístico.

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