EDITORIAL: Procuram-se sonhos na cidade: culturas juvenis, artes e resistências

Fotocronografias
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6 min readJan 20, 2022

Ana Patrícia Barbosa[1]
Paula Guerra[2]
Felipe Rodrigues[3]

As intervenções artísticas urbanas nas cidades são permeadas de várias modalidades de expressão no campo de negociações de interesses da sociedade, sejam eles políticos, territoriais, culturais, sociais ou econômicos. O que apresentamos neste dossiê vol 7, n. 17, “Procuram-se sonhos na cidade: culturas juvenis, artes e resistências”, é fruto do trabalho coletivo e da parceria de pesquisadoras e pesquisadores do Brasil e de Portugal. Esse dossiê é produto desse encontro entre os diferentes contextos e nasceu do desejo dos organizadores em reunir, em uma coletânea, ensaios fotográficos que colocasse em evidência as intervenções urbanas produzidas pelas culturas juvenis que reinventam a paisagem urbana, através de suas diferentes expressões estético-culturais próprias que desafiam (e são desafiadas) pelas lógicas e práticas políticas de Estado, pela via de políticas públicas contemporâneas que incidem sobre estes espaços urbanos e grupos sociais.

Buscamos reunir ensaios fotográficos que investem sua atenção nas pesquisas que combinam os campos de produção e reflexão contemporâneas sobre as intervenções urbanas juvenis e que que nos ajudam a pensar sobre as condições de vida desses jovens e a forma como constituem suas territorialidades em contextos de produção de invisibilidades e (im)possibilidades cotidianas, tais quais são expressas no cenário urbano das grandes metrópoles. Problematiza-se as condições de ser jovem nos grandes centros urbanos, que de modo geral, resulta em negociações e conflitualidades, em ressignificações e resistências cotidianas.

Aqui, partilhamos generosas contribuições de pesquisadoras/es, no aporte de caminhos que nos oferecem reflexões sólidas, inquietantes e pertinentes sobre as intervenções urbanas juvenis em um contexto de exclusão econômica, política e cultural, e como prática autônoma e legítima de contestação e apropriação do espaço da cidade, bem como as formas de sociabilidade construídas através das manifestações plurais das culturas juvenis (GUERRA, 2018).

Abrindo o dossiê, o ensaio fotográfico de José Duarte Barbosa Júnior, intitulado Os espaços dos sonhares e a resistência da arte de rua na cidade do Natal/RN — Brasil, reúne um conjunto de 10 fotografias, que apresentam como as novas gerações de jovens encontraram nas modalidades da aerografia, lambe-lambe, muralismo, por exemplo, um campo de possibilidades de ver o mundo e ser visto nele, de comunicar sensibilidades indóceis e vislumbrar de forma inquieta uma outra cidade. Aí o espaço do sonhar encontra os espaços da cidade em uma mistura complexa de sentimento de revolta e de esperança, de vontade e de frustração cotidianamente vividos.

O ensaio de Thiago de Andrade Morandi, Pixo Ação , descreve o processo de investigação etnográfica que tinha por objetivo a compreensão dos processos de criação utilizados pelos indivíduos de um grupo de grafiteiros em um matadouro abandonado na região de São João del-Rei (MG), durante uma observação participante, que busca por provocar o transeunte para que reflita sobre o ato de ação que envolve o pixar — PIXO AÇÃO, que também pode ser compreendido como um ato de resistência estética e política destes jovens.

Em Compartilhando pincéis, tintas e histórias: Mutirão de graffiti no Colégio Ildo Meneghetti, Leonardo Palhano Cabreira acompanha um mutirão de graffiti para dar novas cores ao muro do Colégio Ildo Meneghetti, no bairro Restinga em Porto Alegre/RS. Fotografar eventos de graffiti é como navegar num mar de estórias. Com a câmera na mão, buscando captar cada momento, cada pintura, mas muitas vezes esquecendo que o essencial é invisível aos olhos. Pintar o muro, aplicar técnicas, esperar secar, retocar, contornar, passar o branco e começar de novo. Tudo isso está no script, mas aquilo que também está, e nem sempre aparece nos relatos e nas representações visuais, é o informal do contato, da resenha, da pintura coletiva, da troca de experiências em si.

Layza Ariane Alves Bandeira e Yuri Schönardie Rapkiewicz apresentam no ensaio intitulado Juventudes, ativismo cultural e ações comunitárias no bairro Arquipélago de Porto Alegre — RS, imagens das atividades culturais e ações comunitárias realizadas na Praça Salomão Pires, localizada no bairro Arquipélago de Porto Alegre — RS. O “Colaí — Movimento de Cultura” vem desde 2013 ocupando a praça de forma diferenciada, oportunizando acesso cultural, artístico e esportivo para os jovens habitantes locais, de modo que aqui destacamos a trajetória participativa do coletivo junto à comunidade ilhéu.

Rumo a uma Nova Torre de Babel. São Paulo K-Pop de Camila Milani e Paula Guerra provocam: Será São Paulo a nova Torre de Babel do século XXI? e para responder tal pergunta trazem o documentário “Da Coreia para o pop” que apresentam imagens da Coreia do Sul e imagens de São Paulo, que através de suas potencialidades dinamizadas e vetorizam a cultura do K-pop, um fenómeno mediático, cultural e social, que se apresenta transversal à multiplicidade dos espaços geográficos.

Em Transcender: a Cidade dos Sonhos Negros Tayná Almeida de Paula e Leandro Ferreira Marques. “Transcender” trata, através da criação de afrovisualidades, as (r)existências dos alguns diversos universos simbólicos da negritude no espaço urbano: uma Cidade dos Sonhos. Pela intersecção da fotografia e colagem — fotocolagem — e de nossas vivências enquanto uma jovem e um jovem autodefinidos negros, buscamos evidenciar um lugar fantástico, no qual a poesia das corporalidades negras emergem sob a ótica da valorização e estima.

Ana Patrícia Barbosa e Ana Luiza Carvalho da Rocha, apresentam o ensaio fotográfico Territorialidades e resistência: espaços públicos e experiências juvenis na Grande Cruzeiro/Porto Alegre/RS, resultado da pesquisa etnográfica realizada durante os anos de 2014 a 2017, que nos coloca diante das formas de ocupação do espaço, com vistas a compreender as relações das juventudes locais com seus lugares e práticas de sociabilidade. A condição de ser jovem na Grande Cruzeiro, de modo geral, resulta em negociações e conflitualidades, em resistências cotidianas e territorialidades ao longo de gerações. Ser jovem na Grande Cruzeiro é conviver com a falta de opção de lazer, de ter a vida marcada pelo difícil acesso à cidade, à escola, com poucas alternativas de trabalho, que marcam a vida de seus moradores e que perduram no tempo. A despeito de todas as dificuldades para estudar, para trabalhar, em condições precárias de moradia, está intimamente associada à possibilidade de ressignificar os espaços possíveis de ocupação pela Região.

Fechando a edição Porto-philia. Retóricas urbanas plenas de sentidos e significados de Paula Guerra apresenta os sentidos e significados na cidade do Porto, Portugal. A palavra Porto possui vários significados e pode ser utilizada em vários contextos, porém, aquela que nos pareceu mais indicada para falarmos sobre esta cidade é a expressão “porto de abrigo”. O ensaio fotográfico mostra que o Porto é como uma janela. É uma cidade de desejos, mas que possui os pés assentes na terra.

Os ensaios que compõem este dossiê nos convidam a pensar sobre o lugar das juventudes, como lugar da reversibilidade, de vidas potentes, de visibilidades e resistências. São imagens que ressoam as vozes, os olhares, os gestos, enfim, as experiências urbanas juvenis em suas intensidades!

Desejamos a todas e a todos uma ótima leitura!

[1] Professora da Universidade Luterana do Brasil, pesquisadora colaboradora do Laboratório de Linguagens e Tecnologias/Programa de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social/Universidade FEEVALE/RS e pesquisadora associada ao Banco de Imagens e Efeitos Visuais, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (BIEV/UFRGS) — Pós-Doutoranda pela Universidade do Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (DS/FLUP/UP).

[2] Professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (DS/FLUP/UP) Investigadora Integrada do Instituto Sociologia Universidade do Porto (ISFLUP) Adjunct Associate Professor do Griffith Centre for Social and Cultural Research (GCSCR) Investigadora do Centro de Estudos de Geografia e do Ordenamento do Território (CEGOT) Investigadora do Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» (CITCEM) Coordenadora da Rede Luso-Afro-Brasileira de Sociologia da Cultura e das Artes (TAA).

[3] Bacharel em Comunicação Social-PUCRS, graduando de Ciências Sociais- UFRGS e pesquisador associado ao Banco de Imagens e Efeitos Visuais, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (BIEV/UFRGS)

Referências

DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

GUERRA, Paula. Raw Power: Punk, DIY and Underground Cultures as Spaces of Resistance in Contemporary Portugal. Cultural Sociology. V. 12, Issue 2, 2018, pp. 241–259.

SANSOT, Pierre. Les formes sensibles de la vie sociale. Paris: PUF, 1986.

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