Na boca do mercado

Fotocronografias
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6 min readJun 22, 2019

In the “market mouth”

Amanda Stephanie Garcia de Carvalho Gomes (Graduanda em Ciências Sociais Bacharelado/UFAL. E-mail: amandastephanie678@gmail.com)

Carlos Eduardo da Silva Lopes (Graduando em Ciências Sociais Bacharelado/UFAL. E-mail: eduardolopesdu14@gmail.com)

Clarice Maia de Amorim (Mestranda em Antropologia Social PPGAS/UFAL. E-mail: clarimaia@gmail.com)

Eloisa Lemos (Mestranda em Antropologia Social PPGAS/UFAL. E-mail: eloisa.lemos@hotmail.com)

Fernanda Rechenberg (Professora Instituto de Ciências Sociais PPGAS/UFAL. E-mail: fernandarechenberg@gmail.com)

Giselle Silvestre da Silva (Graduanda em Ciências Sociais Bacharelado/UFAL. E-mail: gisellesilvestres@gmail.com)

Josivaldo Rodrigues de Oliveira (Graduando em Ciências Sociais Licenciatura/UFAL. E-mail: josivaldo_oswaldao@hotmail.com)

Larissa Vanessa Santos Correia (Graduanda em Ciências Sociais Licenciatura/UFAL. E-mail: larissavanessa@outlook.com)

Maristela Marques Santos (Graduanda em Ciências Sociais Licenciatura/UFAL. E-mail: marisstrella@gmail.com)

Tamara Roque Caetano (Graduanda em Ciências Sociais Bacharelado/UFAL. E-mail: tamararoquecaetano@gmail.com)

Tayná Almeida de Paula (Graduanda em Ciências Sociais Bacharelado/UFAL. E-mail: taynalmeida.cs@gmail.com)

Resumo: Este ensaio resulta de uma experiência fotoetnográfica proposta na disciplina de Antropologia Audiovisual (ICS/UFAL). Paralelo às leituras da disciplina, o grupo se engajou em um trabalho fotográfico buscando vivenciar os desafios, dilemas, reflexões e sentimentos vividos na prática de pesquisa com imagens. O resultado foi um trabalho fotográfico no Mercado da Produção de Maceió, lócus central nas trocas alimentares e sociais urbanas e um pólo afetivo para trabalhadores e frequentadores.

Palavras-chave: cidade; mercado; fotoetnografia; Maceió.

Abstract: This essay is the result of a photoetnographic experience proposed in the discipline of Audiovisual Anthropology (ICS/UFAL). Parallel to the readings of the discipline, the group engaged in a photographic work seeking to experience the challenges, dilemmas, reflections and feelings experienced in the practice of research with images. The result was a photographic work in the Production Market of Maceió, central lócus in the social and alimentary exchanges and na affective pole for workers and costumers.

Key words: city; market; photoethnography; Maceió.

A boca fala, a boca come, a boca experimenta. Nos mercados, toda experiência é sensorial: há cheiros em demasia, há sons que se entrecruzam, há cores explosivas, há formas, há gostos e sabores. O Mercado da Produção, em Maceió, se espalha nessa intensidade. Não se chega direto ao mercado: os caminhos serpenteiam pelas bordas, bocas e margens.

Confusão aparente, caos, ordem subjacente.

A estrutura do mercado não se resume aos perfis de alumínio, às madeiras, lonas e demais materiais que se empilham formando as barracas. A estrutura do mercado é vida: são as pessoas, suas histórias e a relação que desenvolveram com esse lugar que se entrelaçam, fornecendo-o forma e sustentação. Inaugurado em 1939 no prédio que abriga hoje o Mercado do Artesanato, o Mercado da Produção mudou, no final da década de 1970, para o prédio atual, em frente ao antigo. Toda a região da Levada, outrora alagadiça, se expande sobre aterros e se mistura em trocas sociais, afetivas, alimentares, ambientais, em torno do mercado.

Este ensaio resulta de uma experiência fotoetnográfica (ACHUTTI, 2004) proposta na disciplina de Antropologia Audiovisual, ministrada em 2019 no Instituto de Ciências Sociais (UFAL). Paralelo às leituras da disciplina, o grupo de estudantes se engajou em um trabalho fotográfico buscando vivenciar os desafios, dilemas, reflexões e sentimentos vividos na prática de pesquisa com imagens.

A pesquisa, inicial e exploratória, utilizou a fotografia como caminho para a “descoberta” por imagens (GURAN, 2000), orientando um percurso metodológico no trabalho com imagens: definido o tema, fizemos a primeira saída coletiva no mercado. De manhã cedo, perambulamos o espaço sem câmera, sem papel, sem caneta. No ambiente quente e úmido, nos corredores diversos, escutamos sons e histórias de vida que impregnam o mercado de afetos, sentimos os cheiros que entravam em nossos corpos e aumentavam de intensidade à medida que as horas passavam. Vimos cenas, retratos, cores, formas e movimentos. Com essa experiência e carregando os sentidos na memória, definimos alguns eixos a partir dos quais iríamos retratar o mercado: os comerciantes, o entorno do mercado e a proximidade com o trem, a variedade dos produtos, os corredores, a sociabilidade, as trocas e os gestos, a forte presença dos animais.

Em saídas coletivas, individuais, em duplas ou em trios, retornamos ao mercado para retratar diferentes aspectos. A cada nova imersão no mercado, detalhes eram descobertos, interações aprofundadas. Novas ideias, novas imagens, novas leituras e percepções. Diante dos eixos selecionados, experimentamos diferentes modalidades da linguagem fotográfica: os retratos, os planos fechados e abertos, o olhar que se desloca ao rés do chão e às estruturas metálicas do teto, a perspectiva, os panoramas.

Os panoramas e os planos abertos nos ajudaram tanto a ampliar o espectro visual na representação da extensão do mercado, como a detalhar a estreiteza de seus becos, portas e caminhos a percorrer. Margeando as bordas do mercado, documentamos o trem que atravessa a cidade e em cujo entorno as trocas se avivam: a florista monta sua banca, um senhor descansa na mureta, transeuntes passam por entre os trilhos. Amiúde, o apito soa alto em meio ao zunzum de carros, motos, carroças e pessoas no cruzamento, e à voz de um conhecido vendedor de pesticidas que insiste, no microfone: “ainda tem veneno!”. Mas o trem não é mais o de outrora, janelas abertas e vagar lento nos trilhos que serviam de suporte para inusitadas práticas comerciais. O atual VLT (veículo leve sobre trilhos) é um símbolo curioso de modernidade em meio a um cenário em que predominam os arranjos materiais efêmeros e informais.

Nas interações fotoetnográficas, descobrimos que para muitos, a presença no mercado tem a duração de uma vida: trabalhadores e compradores que acompanharam as mudanças e modulações nas formas do mercado ao longo de décadas. As conversas prolongadas na produção dos retratos revelaram trajetórias diversas, e um mercado que nutre não apenas os corpos, o manter-se vivo, mas as relações afetivas, de sociabilidade e parentesco, laços tecidos e reafirmados nas práticas cotidianas da feira (VEDANA, 2013). As formas do mercado consolidam os laços duradouros dos trabalhadores e fregueses antigos, mas também oportunizam a emergência cotidiana do novo, dos recém chegados e suas táticas de se manter vivo na cidade, fazendo e desfazendo bancas e pequenos negócios.

Essas e outras fotografias integraram a exposição “Tecendo sentidos: fotografia e experiência etnográfica”, durante os meses de abril e maio no Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore, em Maceió. Nosso agradecimento a todos os trabalhadores e consumidores do Mercado da Produção, em especial àqueles que aceitaram serem retratados: Alisandro, Arlete, Benedita, Cícero, Cleide, Dita, Everaldo, Eziel, Gilvan, Josefa, José Bezerra, José Gonçalo, Keyla, Larissa, Marineusa, Marta, Selma, Severino e Socorro.

Referências Bibliográficas:

ACHUTTI, L. E. R. Fotoetnografia da Biblioteca Jardim. Porto Alegre: Editora da UFRGS: Tomo Editorial, 2004.

GURAN, Milton. Fotografar para descobrir, fotografar para contar. Cadernos de Antropologia e Imagem, 10(1), 2000, p.155–65.

VEDANA, Viviane. Fazer a feira e ser feirante: a construção cotidiana do trabalho em mercados de rua no contexto urbano. Horizontes Antropológicos, 19(39), 2013, p. 41–68.

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