“Na função” — Fotoetnografia de um dia no terreiro de candomblé

Fotocronografias
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5 min readJun 21, 2020

Aisha Angéle Diéne[1]

Resumo: Acompanhar a intensa rotina de um dia no terreiro de candomblé perpassa por compreender algumas das várias atividades que ocorrem até se chegar ao momento da festa pública, circunstância pela qual o público externo à comunidade interage e celebra em conjunto com os membros e Nkisses/Orixás da casa.

Palavras-chave: Na função; Rotina; Terreiro de candomblé;

“In Function” — Photoethnography of a day in the yard of candomblé

Abstract: To follow the intense routine of a day in the candomblé yard involves understanding some of the various activities that occur until the moment of the public party, circumstance by which the public outside the community interacts and celebrates together with the members and Nkisses /Orixás of the house.

Keywords: In function; Routine; Terreiro de Candomblé;

[1] Arquiteta e Urbanista (CAU n° A153871–3);
Mestranda em Antropologia Social — PPGAS/DAN/UnB (Bolsista CNPQ);
Membra do corpo editorial da Revista Calundu (http://periodicos.unb.br/index.php/revistacalundu/index); aisha.diene@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-6297-5386;
http://lattes.cnpq.br/4688462694996135.

Os registros fotográficos a aqui expostos deriva de um trabalho de campo ocorrido entre os anos 2019 e 2020, onde uma das metodologias etnográficas utilizadas para a narrativa foi a Fotoetnografia (ACHUTTI, 2003), ambientado na comunidade Remanescente de Quilombo e terreiro de candomblé Manzo Ngunzo Kaiango, localizado no município de Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte/MG.

Durante o período de vivência, acompanhei um dia sobressalente no cronograma das atividades para os membros do terreiro, não era somente um dia de “função[2]”, mas um dia festivo em que o Nkisse[3] da casa seria celebrada. Era a festa do Nkisse da matriarca e Mãe de santo Mametu Muiandê- a sacerdotisa da casa. No candomblé costuma-se convidar a comunidade externa para ir ao terreiro através das festas que costumam acontecer em datas previamente agendadas; são momentos de interação e de celebração (SILVA, 2015), onde os Nkisses/Orixás e os membros da casa se relacionam no espaço limítrofe dessa interação: o Barracão.

“O barracão é uma espécie de salão onde a maioria dos ritos abertos acontecem e por onde a maioria dos ritos fechados perpassam. É a própria composição da comunidade, a sala de estar em uma casa onde somente os mais íntimos e familiares conhecem os demais cômodos. Todos transitavam por esse espaço, mas nem todos transitavam por todas as partes internas que o compõe. No centro do barracão, tanto no chão quanto no teto, estava uma espécie de representação de umbigo do terreiro, que o liga a todas as casas, pessoas e inquices que lhe antecederam.

Assim, o barracão é também um espaço público que abriga não somente a comunidade do terreiro, como também a comunidade não adepta daquela liturgia; é um espaço ritualístico aberto a quem pertence à lógica do candomblé e a quem não transita por ele. Também é um espaço político, posto que simbolicamente é o espaço [dentro do espaço] da resistência do candomblé por excelência.” (DIÉNE, AHUALLI, 2019; p.6)

A intensa rotina de um terreiro durante os dias de atividade, rito e festa, incluem diversas funções para o preparo do espaço até o momento da grande festa. Lavar, passar, engomar roupas para usar na roda[4], varrer, lavar, limpar os bancos que receberão os convidados, barracão e demais espaços internos que serão de uso comum; cozinhar e preparar o jantar que será servido após o momento festivo para os convidados; aquecer o couro dos atabaques; todas essas atividades acontecem entre brincadeiras e o corre-corre das crianças, no horizonte onde o tempo cronológico vai de encontro a hora de receber os convidados e sempre o parece contrariar (FABIAN, 2013). A casa se prepara para festejar!

É chegado o momento da grande festa e o Barracão logo se enche, tornado pelos membros do terreiro e os convidados que se acomodam na plateia, entre as cadeiras e esquadrias das janelas que compõem a arquitetura desse espaço político e intermediário que conecta a casa à comunidade externa (DA MOTTA LODY, 1987).

[2] Expressão usualmente utilizada pelos membros do terreiro para se referir ao momento que estão no ambiente religioso, limpando, brincando, orientando e realizando outras atividades litúrgicas.

[3] Palavra que remete à divindade para os povos de origem Bantu, comum nos candomblés de Nação Angola no contexto brasileiro.

[4] Momento que antecede a festa, chamado pelos membros dos candomblés de Nação Angola de Jumberesu ou pelos de Nação Ketu: Xirê.

Referências

ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Fotos e palavras, do campo aos livros. Studium, n. 12, p. 5–16, 2003.

DA MOTTA LODY, Raul Giovanni. Candomblé: religião e resistência cultural. Editora Atica, 1987.

DIÉNE, A. A. L.; AHUALLI, I. F. LUGAR DE MAIS VELHXS? Uma observação fenomenológica dos limites espaciais no terreiro de candomblé Tumba Nzo Jimona dia Nzambi. 2019.

FABIAN, Johannes. 2013 [1983]. O tempo e o outro emergente”. In O Tempo e o Outro: como a antropologia estabelece seu objeto. Petrópolis: Vozes. Pp. 39- 70.

SILVA, Vagner Gonçalves da; O Antropólogo e sua Magia: Trabalho de Campo e Texto Etnográfico nas Pesquisas Antropológicas sobre Religiões Afro-brasileiras/ Vagner Gonçalves da Silva. — 1° ed., 2ª reimp. — São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015.

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