Vol. 03 num.05–2018 — A arte que mora na cidade: intervenções artísticas urbanas

Fotocronografias
Fotocronografias
Published in
6 min readJul 11, 2018

Organização e Apresentação
Jose Luis Abalos Junior
Yuri Rosa Neves

Pixação. Graffiti. Stickers Arts. Stencil. Muralismo. Instalações.

Nos últimos anos temos percebido um relativo aumento tanto destas formas de expressão visual na cidade, quanto em pesquisas acadêmicas que buscam entendê-las. Em razão disto, nesta quinta edição da revista Fotocronografias, tivemos o objetivo de reunir ensaios visuais fruto de etnografias em espaços urbanos, procurando, através da produção de imagens e da estilística narrativa, captar esta emergente produção imagética e criativa destas formas de arte na superfície das metrópoles contemporâneas.

Por meio dos diversos ensaios que recebemos pudemos perceber consonâncias na proliferação de interesses pelas diferentes formas de arte urbana que coexistem nos espaços e remetem a variados significados, intuitos e contextos de produção. Como Ricardo Campos (2010) aponta em “Porque pintamos a cidade? Uma abordagem etnográfica ao graffiti urbano”, são notáveis as referências às combinações de dimensões lúdicas, políticas e estéticas nas pesquisas sobre esta temática. A pixação e o graffiti são parte de modalidades históricas de intervenção e pressupõe diferentes espaços-tempos. A elas associam-se outras formas de saber-fazer-intervir na urbe, como é o caso dos lambe-lambes que aparecem nos ensaios aqui apresentados. Apesar de já ser uma modalidade também histórica, agora começa a ganhar mais espaço nas pesquisas e figurar como modalidade artística.

Os espaços onde as intervenções ocorrem são aspectos importantes das reflexões suscitadas pelas autoras e autores. Dentre estes espaços, destaca-se intervenções realizadas em ruínas, como trazem os ensaios visuais de Fabrício Barreto na cidade de Pelotas-RS, Brasil, e Ágata Sequeira em Almada, Portugal. Estes trabalhos convidam a pensar o graffiti e as novas modalidades de intervenção na cidade em uma relação com espaços degradados e com aspecto de abandono. Em ambos os casos, o cenário de desindustrialização marcado pelo passado ligado às atividades comerciais ganha novas cores, expressões e usos no presente. Evidencia-se como as ruínas, enquanto matéria da cidade, são espacialidades desejadas por muitos artistas urbanos. Fabrício Barreto, ministrando uma oficina de fotografia com estudantes secundaristas, enfoca nas descobertas destes espaços marcados por intervenções que são vividas por estes estudantes na cidade de Pelotas. Ágata nos sugere pensar nas variações entre as obras presentes num mesmo lugar que remetem, de um lado, ao sentido transgressor dessas formas de arte e, de outro, as comissionadas que refletem uma aceitação num público mais amplo.

O tema das políticas urbanas associadas aos processos históricos de criminalização e legalização de intervenções urbanas também aparecem constantemente nos ensaios, implicando na consideração de que não há como trazer imagens de intervenções urbanas sem tocar no tema da ilegalidade e do lugar marginal de muitos contextos em que ocorrem estas práticas. A pichação, ou a pixação como colocam alguns autores que se referem a especificidade desta intervenção na cidade de São Paulo, mostra-se com a principal representante das expressões urbanas quando falamos nas dinâmicas políticas das formas “ilegais” de apropriação do espaço público. São nos trabalhos de Adauany Zimovski e Rodrigo Romanus Dantas que percebemos uma tentativa de demonstrar como este processo se dá imageticamente. Escritas incompreensíveis à maioria das pessoas, Adauany chama atenção para como estas formas de inscrição revelam uma disputa discursiva e, remetendo às ideias da filósofa Márcia Tiburi sobre o pixo, considera como poderiam figurar enquanto efeitos de uma insurgência democrática no ambiente urbano. Preencher fachadas e paredes brancas com pixação surge, então, como um chamado de alguns grupos em favor de sua forma de codificar e se apropriar do espaço. Já Rodrigo Dantas parte de uma loja especializada em arte de rua (street art) para trazer algumas imagens de graffitis e pixos. Sua intenção é abalar dicotomias rápidas entre legal/ilegal, vandalismo/arte e graffiti/pixação a partir de vivências dos praticantes entre a rua e a loja.

Outra dimensão evidenciada nos ensaios visuais aqui presentes é o reflexo da globalização nas práticas de intervenções urbanas. Além de Almada, Portugal, com Ágata Sequeira, e os diversos contextos no Brasil, representados por ensaios realizados nas cidades de Belém, Jacareí, Curitiba, Santa Maria e Pelotas, contamos também com as experiências de captação de imagens e intervenções em diferentes cidades na América Latina com o coletivo Outros Hermanos. Em um trabalho que não se limite ao registro de imagens, exploram sua própria produção de intervenções nos espaços com lambes de imagens (des)construindo cenários. O projeto das autoras intitulado “Otros Hermanos” demonstra uma sensibilidade estética aguçada sobrepondo imagens e nos fazendo pensar sobre formas de representar e compor os contextos urbanos.

Ainda neste registro da globalização destas experiências, cabe mencionar o trabalho de Cristiane Menezes apresentando a artista Marcela Echeverría pintando frases pelas ruas de Santa Maria. De naturalidade Argentina, mas já erradicada na cidade brasileira há bastante tempo, Marcela, em busca de formas de se expressar, conheceu a proposta do escritor mexicano Armando Alanís Padro de “Accion Poética” e, em comunicação com ele, passou a integrar o projeto preenchendo de poesia os muros brancos da cidade. O lema central que encontramos nas fotografias parece uma lembrança que poderia se direcionar para os habitantes das mais diversas cidades ao se pensar nas intervenções artísticas nestes espaços: “sin poesia no hay ciudad”.

Outro aspecto notável nas pesquisas sobre as expressões urbanas a ser evidenciada neste volume é a presença feminina neste meio, seja como pesquisadora abordando temáticas de gênero, ou mesmo como produtoras de muitas intervenções. No que se refere a estas questões, Thayanne Freitas e Danilo Asp apresentam algumas dimensões interessantes deste cruzamento com gênero na reflexão sobre expressões visuais na cidade. Thayanne apresenta um ensaio com mulheres realizando graffitis em Belém do Pará alçando um olhar “duplamente político” para pensar suas atuações. Sugere como esta forma de expressão pode ser articulada com a marginalização de mulheres na ocupação de espaços públicos, seja por questões do próprio mundo do graffiti, ou por aspectos da condição feminina de modo mais geral na sociedade. Neste sentido, seu ensaio nos traz a potência das redes para criação de mais fissuras nas formas de resistência a padrões hegemônicos.

Danilo Asp traz imagens do processo de criação de uma grafiteira intervindo artística e politicamente também na cidade de Belém com pinturas e dizeres de cunho crítico feminista, como a frase “Meu corpo, minhas regras”, recorrente em muros de outras cidades do país. Além disto, estes trabalhos são importantes por remeterem a uma “virada gestual” nas pesquisas sobre intervenções artísticas urbanas. Não se trata de uma produção imagética da versão final da intervenção, mas o acompanhar dos seus processos de produção.

Todos os trabalhos runidos nesta edição do Fotocronografias nos convidam a conjecturar como a antropologia tem muito a contribuir com os estudos de imagem, arte e cidades, principalmente quando expressa versões particulares de como os habitantes de metrópoles contemporâneas vivenciam seus cotidianos cruzando com estas formas de intervenções, ou as produzindo. Temos um exemplo disto no trabalho de Ronaldo Corrêa que traz imagens de colagens nas paredes da cidade de Curitiba que compõem o trabalho etnográfico realizado pelo autor. Paralelo à sua captura de imagens devaneando pela cidade, discute como estas formas de expressão convidam os habitantes a descobrir nuances e produzir sentidos com o espaço. Assim, o autor nos conduz a pensar como todos estes trabalhos são frutos de pesquisas e descobertas de elementos particulares para explorar os meios de como a arte faz sua morada na cidade.

É em Ranciere (2005) que encontramos o tema da escrita conceituado enquanto “partilha do sensível”. Talvez esta seja uma pista ao pensarmos as dimensões de uma etnografia das gestualidades nas pesquisas sobre intervenções artísticas urbanas: uma tag, de um personagem urbano, de um cartaz a base de cola são partilhas de afetos e sensibilidades. Assim, os ensaios aqui presentes nesta edição da revista Fotocronografias nos instigam a refletir que mais interessante do que se questionar o que são intervenções artísticas contemporâneas, poderíamos partir para uma pergunta mais profícua: como estas expressões urbanas são vivenciadas no cotidiano da cidade?

Além dos agradecimentos às diversas contribuições que compõem este número da Revista Fotocronografias, o qual não contou com nenhum tipo de financiamento, esta edição não seria possível sem Felipe Rodrigues e Matheus Cervo do corpo técnico e editorial da Revista.

Desejamos à leitora e ao leitor curioso sobre o tema das intervenções artísticas urbanas uma boa leitura!

--

--

Fotocronografias
Fotocronografias

O portal fotocronografias objetiva divulgar ensaios fotográficos que resultem de pesquisas etnográficas e de estudos antropológicos.