Vol. 04, num. 08 — Cotidiano Citadino e Personagens Urbanos

Fotocronografias
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Published in
6 min readJun 22, 2019

Organização e Apresentação
Ana Luiza Carvalho da Rocha
Matheus Cervo

Almejando um dossiê após a publicação do “Vol. 3, num. 06 — Tempos da Crise” da revista Fotocronografias, pensamos como poderíamos dar continuidade aos estudos metropolitanos da relação entre imagem e espaços citadinos. Considerando a interface entre Antropologia Urbana e Antropologia Visual, inspiramo-nos pela edição anterior para reunir narrativas que abordem a heterogeneidade cultural e social (VELHO, 2004) do ambiente urbano a partir de indivíduos ou coletivos que, praticando a cidade, escapam às totalizações do olhar e estabelecem significados outros à urbe.

Não é trivial que uma edição sobre cotidiano tenha surgido após a coleta de ensaios com “imagens da crise” feitas através do olhar etnográfico que perambula curiosamente pelas ruas das grandes metrópoles (ECKERT; ROCHA, 2013c). Como nos ensina Walter Benjamin (1987), precisamos investir em outro conceito de história em que múltiplas tradições podem nos ensinar que o estado de exceção em que vivemos é regra geral. A fim de perceber, de perto e de dentro, as localizações sociais da memória (HALBWACHS, 2006) dos espaços urbanos, acreditamos em construir conhecimento a partir do cotidiano das alteridades próximas que tantas vezes estão tão distantes de nós.

Desta forma, compreender o cotidiano metropolitano e os personagens que vivem o extradoméstico e o domínio da rua (DA MATTA, 1997) nos ajudam a compreender quais sãos as estratégicas, táticas e lugares praticados (CERTEAU, 1998) que permitem certas figurações sociais dentro das nossas cidades dos trópicos. Considerando essas as delimitações específicas deste editorial, reunimos dez ensaios visuais que abordam essa temática ampla que permite a pluralidade de trabalhos em um mesmo espaço.

Como abertura do dossiê, apresentamos a publicação de Ana Patrícia Barbosa chamada “Fotografias, territórios urbanos e reverberações da memória”. O ensaio publicado é resultado de sua pesquisa de doutorado realizada entre 2014 a 2017 na região da Grande Cruzeiro em Porto Alegre, RS. Através de fotografias autorais e o acervo da Associação de Moradores da Vila Cruzeiro do Sul (AMOVICS) que resgam outros tempos vividos, reuniu um conjunto de imagens para revelar detalhes cotidianos da transformação da Grande Cruzeiro através de múltiplas temporalidades.

O segundo ensaio chama-se “Afromodernidad en Sudamérica: entramados de religión y trabajo en la migración senegalesa transnacional” de Ma. Luz Espiro. O ensaio em espanhol contém fotografias realizadas durante seu trabalho de campo realizado em várias cidades da Argentina, do Brasil e do Senegal de 2012 a 2018. Seu objetivo foi o de construir narrativas outras sobre esses agentes da modernidade que transformam as cidades do sul global a partir de discursos e práticas que, apesar de aparentemente serem meramente da esfera do trabalho, são profundamente religiosas.

A terceira edição é de autoria coletiva coordenada por Fernanda Rechenberg chamado “Na boca do Mercado” que foi resultado de uma experiência fotoetnográfica proposta na disciplina de Antropologia Audiovisual (ICS/UFAL). Paralelo às leituras da disciplina, o grupo se engajou em um trabalho fotográfico buscando vivenciar os desafios, dilemas, reflexões e sentimentos vividos na prática de pesquisa com imagens. O resultado foi um trabalho fotográfico no Mercado da Produção de Maceió, lócus central nas trocas alimentares e sociais urbanas e um polo afetivo para trabalhadores e frequentadores.

Na sequência, publicamos o ensaio de Átila Alexis intitulado “Cidade, cotidiano e personagens do metrô de Porto Alegre” a partir do seu estudo etnográfico em locais de transporte urbano. Através da experiência vivida em viagens de estudo, criou seu trabalho e pesquisa visual através de itinerários urbanos distintos pelas plataformas de embarque e desembarque e pela apreensão do que ocorre cotidianamente nas estações do metrô.

Como quinta contribuição, recebemos o ensaio de Matheus Cervo em que registra uma intervenção artística urbana denominada “A Morte do Carvão”. Devido à realização de um seminário acerca do projeto no Hotel Plaza São Rafael na avenida Alberto Bins — Porto Alegre, RS –, foi feita uma intervenção esteticamente inspirada nas alianças firmadas na COP 23 para eliminação global do uso da matriz energética carbonífera até 2030. Além de expor informações sobre o projeto, o ensaio explora, textual e visualmente, as táticas cotidianas dos interventores a fim de serem vistos em contextos de possível repressão às manifestações públicas contra grandes empreendimentos.

A sexta publicação é da autoria de Ricardo Figueiró Cruz chamada “Amor e devoção: a procissão em homenagem a São Benedito, na irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo/SP”. Sua inspiração visual foi a compreensão dos espaços urbanos como repleta de sentidos que, através do percorrer as ruas, leva-nos e compreender as paisagens urbanas a partir de apropriações diversas. A partir dessa relação com a cidade, foi produzido um ensaio sobre uma festividade Católica em homenagem a São Benedito que foi realizada na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Prestos de São Paulo/SP.

Jeferson Carvalho da Silva apresenta a sétima contribuição deste dossiê através do nome “‘Estou ao lado do açougue’: construindo narrativas etnográficas de espaços cotidianos”. Este ensaio visual busca tratar sobre um pequeno espaço da Praça Marechal Deodoro, Viçosa (MG) onde seu interlocutor, Luiz, trabalha, constrói dois pontos no espaço, inventa seu próprio mapa e se coloca na paisagem cotidiana da cidade.

A contribuição de Marielen Baldissera sob a denominação de “Academia Physical: Jonas e Tubarão” têm como cenário uma academia de musculação no centro de Porto Alegre. Para a autora, o corpo humano pode ser considerado um meio visual de expressão dos indivíduos, e, nesse contexto, a prática da musculação e hipertrofia muscular é uma possibilidade de criação de si mesmo no cotidiano citadino. Neste ensaio, Marielen apresenta dois personagens urbanos que trabalham com um modelo idealizado de corpo masculino por meio do levantamento de peso e do fisiculturismo em que a masculinidade associada à força física aparece como uma virtude almejada nesse estilo de vida.

Nossa penúltima contribuição é de Wendell Marcel Alves da Costa com o título “Lembranças viajantes de espaços poéticos urbanos”. Este ensaio define as lembranças viajantes como atividades mentais de revisitação de imagens de experiências em cidades. Suas fotografias se referem a práticas em espaços “comuns” da cidade como becos, ruas, parques, avenidas, pontes e viadutos para lembramos dos espaços poéticos urbanos que são pequenos e cotidianos. Dessa forma, o autor explora a cidade como um lugar potencial para a imaginação simbólica das pessoas que praticam os espaços “comuns” e fabulam leituras oníricas na dimensão das lembranças viajantes. As cidades representadas neste ensaio são, respectivamente: Barreiras-BA, São Paulo-SP, Fortaleza-CE, Salvador-BA, Brasília-DF, Recife-PE e Natal-RN.

E, por fim, o ensaio de Cristhian Caje e Rafael Venuto chamado “Alvorada do Remo: memória e identidade do Clube de Regatas Riachuelo a partir de narrativas imagética s da cidade de Florianópolis”. Alvorada do Remo tem como objetivo refletir, a partir das imagens da cidade de Florianópolis e de fotografias que compõem o acervo fotográfico do Clube Riachuelo, as relações e as dinâmicas das transformações entre identidade, memória e as várias masculinidades entre gerações de atletas que participam desta sociedade esportiva.

Agradecemos pelas nobres contribuições dos(as) autores(as) que participaram desta edição enriquecendo o conteúdo visual e reflexivo para pensarmos as formas e os devires do cotidiano em contextos urbanos.

Desejamos a todos(as) uma boa leitura!

Referências Bibliográficas

BENJAMIN, Walter. Textos Escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1993. (Coleção Os Pensadores).

CERTEAU, Michel de. Terceira parte — Práticas de espaço. In: A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Ed. Vozes. 3ª ed. Petrópolis, 1998.

DaMATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

ECKERT, Cornelia; ROCHA, Ana Luiza Carvalho. Antropologia da e na cidade. Porto Alegre, Marcavisual, 2013c.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

VELHO, G. Individualismo e Cultura. Notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

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