Vol. 06 num. 12 -2020- Imagens da religião: paisagens e territórios do sagrado

Fotocronografias
Fotocronografias
Published in
5 min readJun 25, 2020

Organização:
José Luís Abalos Júnior[1]
Hermes de Sousa Veras[2]

Quando tiro uma fotografia, não sou eu que fotografo, mas alguma coisa dentro de mim que aperta o clic sem o meu próprio domínio… (Verger, P. 1991)

Religião e fotografia. Imagem e Sagrado. De um lado, a Antropologia Visual e da Imagem. De outro, a Antropologia da Religião. Quais os desafios no debate sobre as fronteiras, aproximações e distanciamentos entre essas duas áreas? A gênese deste dossiê parte da própria trajetória de pesquisa dos organizadores, que têm formação no Núcleo de Antropologia Visual (NAVISUAL/PPGAS/UFRGS), no Banco de Imagens e Efeitos Visuais (BIEV/PPGAS/UFRGS) e no Núcleo de Antropologia da Religião (NER/PPGAS/UFRGS). Ao perceber a Revista Fotocronografias como um espaço interessante para publicações textuais e imagético/fotográficas, que articulem o tema da religião com o da imagem, propomos esse dossiê que, desde a construção da sua chamada, se mostrou, para nós pelo menos, como um horizonte muito interessante de composição.

Agrupamos os trabalhos de narrativas imagéticas em três eixos temáticos que dialogam, de certa maneira, entre si. O primeiro traz referência a uma interessante relação entre religião em movimento, referenciando festas, festejos e peregrinações que parecem ser o foco de muitas produções fotográficas no campo religioso. O segundo eixo é composto por ensaios nos quais os pesquisadores e pesquisadoras, através de uma prerrogativa ética, acessam momentos rituais das religiões pesquisadas, trazendo elementos como gestos, corpos e materialidades. Por fim, no último eixo, expomos as imagens da “encantaria” na qual as estéticas do encanto e do encantar-se são parte sensível, principalmente das imbricações entre religiões de matrizes africanas e indígenas.

Religião em imagem e movimento

Neste primeiro eixo os trabalhos lançam mão de diversos conceitos para construírem suas narrativas. Estão presentes, principalmente, as noções de festa/festejo, peregrinação e a dança. Veremos surgir nos diversos ensaios apresentados o movimento enquanto experiência no território, mas também enquanto ação dele. Neste eixo também visualizamos as correspondências possíveis entre imagem, religião e patrimônio. A importância do registro imagético de celebrações históricas expondo a relevância de tais acontecimentos na memória e na história do Brasil.

Ritual e(é) imagem: gestos, corpos e materialidades.

Como se sabe, ritual é um conceito basilar na antropologia. Tanto se tem dito a respeito dele que pouco podemos acrescentar. Isso quando a pretensão é apenas teorizar. Contudo, junto com as imagens apresentadas neste eixo, acreditamos que as narrativas em questão trazem potências mais criativas do que as noções clássicas e modernas de ritual. Nesse sentido, ritual é imagem na medida em que, a partir de uma operação esteticamente mobilizada e apresentada, tem efeito no mundo. O ritual/ a imagem apresenta um conhecimento corpóreo e vivo desse mundo. Mesmo quando as imagens estão opacas e nebulosas, elas estão dizendo, assim como o ritual.

Os encantos da encantaria: imagéticas do encantar-se

A encantaria é território infinito de possibilidades. Lugar de vários territórios místicos, que podem fazer parte do nosso mundo a partir da interseção com rios, igarapés, cachoeiras, beira-mares e diversos outros lugares. Os encantados são os seres que transitam pelas encantarias e alcançam a nossa realidade, geralmente tendo cooperação de pajés, mestres, pais e mães de santo. Em várias mitologias, os seres encantados são descritos como sujeitos que não passaram pela experiência da morte, sofrendo outro processo antes disso, o do encantamento. Essa mitologia perpassa tanto territórios de matrizes africanas, quanto indígenas, em muitos momentos, sendo tangenciado pelas duas matrizes ao mesmo tempo. Uma noção interessante para pensar a encantaria é a de confluência, pensada pelo mestre quilombola Antônio Bispo dos Santos: nesse aspecto, as diferenças dos coletivos negros e as diversas matrizes indígenas confluem, articulando-se como experiência contra-colonial.

Concluímos que um elemento vinculante entre todos os trabalhos são as articulações criativas entre território, corpo e religião. Ao território expomos uma diversidade de ambiências que constituem paisagens religiosas que, seja no urbano, no rural, seja em suas interseções, no privado e público, dizem muito sobre as práticas que nele ocorrem. No que se refere aos corpos aqui expostos percebemos uma multiplicidade de formas estéticas e performáticas de ser e estar no mundo, seja das pessoas e grupos que dão um consentimento ético para serem fotografadas em suas práticas religiosas, seja pela corporeidade da própria fotógrafa e fotógrafo que “entra” em um campo de pesquisa acompanhado por um instrumento técnico que produz imagens. Por fim, no que diz respeito a religião, em relação esse território e esse corpo, contamos histórias com imagens de diversas matrizes religiosas que, na sua pluralidade de inspirações e formas de vivenciar o sagrado, se fizeram aqui presente através dos olhares de pesquisa das autoras e autores.

[1] Doutorando em Antropologia Social (PPGAS/UFRGS) tem vínculo com o Núcleo de Antropologia Visual (NAVISUAL/PPGAS/UFRGS) e com o Banco de Imagens e Efeitos Visuais (BIEV/PPGAS/UFRGS) realizando pesquisas que envolvem o tema da imagem, arte, cidade e memória.
abalosjunior@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-2821-0969
http://lattes.cnpq.br/2132831693109488

[2] Doutorando em Antropologia Social (PPGAS/UFRGS), participa como membro doutorando do Núcleo de Antropologia da Religião (NER/PPGAS/UFRGS), e do MARES — Religião, arte, materialidade, espaço público: grupo de antropologia (UFRGS/CNPq). Também atua como pesquisador do LEBARA — Religião e Sociedade (UNIFESSPA/CNPq). Realiza pesquisas junto a povos de terreiro e encantaria na Amazônia paraense. E-mail: hermesociais@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-5740-4028
http://lattes.cnpq.br/0623441518771115

--

--

Fotocronografias
Fotocronografias

O portal fotocronografias objetiva divulgar ensaios fotográficos que resultem de pesquisas etnográficas e de estudos antropológicos.