Ricardo Vignini

Marcelo Garcia
fotografista
Published in
5 min readOct 3, 2017

20.07.2017, Sesc Pompeia, São Paulo.

De uns vinte anos pra cá, a viola caipira vem ganhando cada vez mais público graças a músicos talentosos que escolheram o instrumento de dez cordas de origem portuguesa para se expressar. Um destes músicos é Ricardo Vignini que, além de produzir álbuns de outros artistas do universo caipira, vem levando sua viola a paragens antes pouco exploradas pelo instrumento através de trabalhos bem peculiares.

Com a banda Matuto Moderno, o violeiro e produtor gravou cinco álbuns misturando a música caipira de raiz — aquela das velhas duplas como Tião Carreiro e Pardinho, Vieira e Vieirinha e outras — com rock e pop. Com o também violeiro Zé Helder, Ricardo montou o duo Moda de Rock e gravou dois álbuns de estúdio e um ao vivo — este com participação de Pepeu Gomes — em que fazem versões para viola caipira de clássicos do rock. Ainda gravou com o power trio Mano Sinistra um álbum em que sua viola elétrica cumpriu o papel da guitarra e em uma receita que não incluía música regional. Pra mostrar que não entende só de misturar o antigo e o novo, Ricardo gravou em 2013, com o amigo e violeiro genial Índio Cachoeira, o álbum Viola Caipira Duas Gerações, em que mantém os dois pés na tradição.

Algumas vezes considerado “moderno demais” pelos fãs de música caipira tradicional e “caipira demais” pelos fãs de rock, Ricardo Vignini felizmente não dá tanta importância para essas críticas e continua compondo e lançando trabalhos inovadores como seu primeiro trabalho solo, Na Zoada do Arame (2010), e, agora em 2017, o álbum Rebento.

A formação básica escolhida para o show foi bastante enxuta. Além do próprio Ricardo Vignini, estavam no palco apenas o guitarrista Ricardo Carneiro e o percussionista André Rass, com participações de Bruno Serroni (violoncelo), Sérgio Duarte (gaita) e Ari Borger (piano) em algumas músicas.

Acompanho o trabalho do Ricardo há tempo suficiente para ver a evolução de suas composições ao longo dos anos. Este show (e a audição do CD Rebento, em seguida), porém, me causaram uma grande surpresa. A forma com que o violeiro vinha trazendo a viola caipira e os rítmos tradicionais para a contemporaneidade, misturando tudo com instrumentação e estruturas mais atuais, estava obedecendo uma evolução gradual e constante até agora. Mas, quando ouvi “Saúvas e Quenquéns” e, logo depois, a belíssima “Indiana”, percebi um salto e tanto na qualidade das composições e arranjos, cheios de sutileza e sofisticação.

Depois de “Dr. Cateretê” e a sensacional “Trevo”, em que fizeram a ponte entre a tradição caipira e a música indiana com uma facilidade impressionante, tocaram “BR 116”, cujas melodias e riffs roqueiros me deixaram boquiaberto. A fusão entre rock e viola continuou com a homenagem a Hendrix em “Beijando o Céu”, que no CD conta com a participação de Lúcio Maia (Nação Zumbi) na guitarra.

Falando em guitarra, durante todo o show a conversa entre a viola de Vignini e as guitarras (de 6 e 12 cordas) de Ricardo Carneiro me impressionou bastante com arranjos em que um instrumento complementou o outro.

Depois de “De Butuca”, gravada no CD que Vignini dividiu com Índio Cachoira, o pianista Ari Borger sobe ao palco para tocar a bela “Ventos de Novembro”, repleta de dinâmicas, e, do primeiro trabalho solo de Vignini, “Alvorada”.

Depois de “Uruguaiana”, “Voo 7577” (executada por Carneiro sozinho no palco) e “Cedro”, já perto do final do show, Sérgio Duarte sobe ao palco com sua gaita blueseira para conversar com a viola caipira como se fossem velhos amigos em “Pé Vermelho” e “Na Zoada do Arame”.

O show acabou com todo mundo “Se Xaxando” (esta faixa de Rebento é nada menos que sensacional) e “Capuxeta” (também de Na Zoada…), mas, como a pleteia queria mais, Ricardo Vignini volta ao palco com banda e convidados para mandar “O Bonde dos Fontes”, em que todos fizeram improvisos à vontade. Nesta música André Rass faz um interessante uso de uma washboard (bastante usada no blues tradicional) e uma queixada de burro (comum na música caipira de antigamente), mais uma vez mostrando que a música de raiz daqui se entende bem com a de qualquer lugar.

“Colar” uma frase de blues aqui, um riff de rock ali e tocar guitarra distorcida em cima de um rítmo caipira até que é fácil, mas beber de todas estas fontes e fazer a música virar uma coisa só, desenvolver uma linguagem própria. Há bastante tempo Ricardo Vignini vem estudando e praticando essas fusões entre a música tradicional caipira e música contemporânea e chegou a um resultado incrível com esse seu mais recente Rebento.

É fácil encontrar na internet os trabalhos de Ricardo Vignini. Tanto Rebento como seus projetos junto ao Matuto Moderno e Moda de Rock estão em plataformas de streaming e no You Tube. Particularmente bacanas são os arranjos de músicas pesadas feitas para viola do duo Moda de Rock, como”Refuse/Resist”, do Sepultura, e “I Want to Break Free”, do Queen, em que, mais do que tocar as músicas em um instrumento acústico de dez cordas, os caras adaptam o arranjo a rítmos caipiras e ao jeitão da viola.

Tem mais fotos deste show em um álbum na minha conta do Flickr.

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