No Meu Lugar, ou porque o respeito não é questão de escolha

Francelle Machado
Aprendiz de Bookaholic
5 min readJan 10, 2018

Desde que iniciei o projeto Bookish Brasil, me propus a entrar mais em contato com a literatura brasileira, e de modo especial, com autores independentes. Além dessa proposta pessoal, também estou gritando aos quatro ventos que em 2018 vou ler mais histórias sobre o público LGBT, porque eu acho uma fofura, porque quero incentivar esse estilo de livros, e porque é puro amor.

Pois parece que já comecei a cumprir essas promessas pessoais com o pé direito, amores! Me cadastrei e fui selecionada como parceira na divulgação de um novo livro independente. Antes de conversar com o autor, só sabia que o livro seria uma história LGBT e seria lançado apenas em formato e-Book, à venda no site da Amazon BR. Até aí, já estava empolgada.

Obra é publicada de forma independente pelo autor, Jorge Castro

Fui ler a história sem saber muito da sinopse, e me deixei levar pela narrativa. Fazia um tempão que não lia nenhum livro assim, sem saber nadinha, e foi uma experiência surpreendente.

“No Meu Lugar” é narrado em primeira pessoa, e quem nos conta sua história é Pedro, um jovem que vive um período delicado de sua vida. Ele é gay, e esse segredo foi exposto de forma inesperada para sua família. Excomungado e destratado pelos pais, ele não teria onde morar se não fosse por seu melhor amigo Guilherme, que cedeu o quarto da irmã para que Pedro pudesse se recompor do choque sofrido em casa.

O que me cativou na narrativa do escritor carioca Jorge Castro foi, justamente, a sutileza e a sensibilidade que permeia toda essa história. A obra aborda três temas delicados, relevantes e profundos: a depressão, a homofobia e a descoberta da sexualidade. Pedro sofre claramente com as várias decepções que parecem se acumular em sua vida: tanto dos pais, quanto do ex-namorado; sem contar no julgamento negativo que ele próprio faz a respeito de sua realidade.

As dúvidas a respeito de sua identidade, que já costumam se acumular em todo mundo nessa fase da vida, vêm em uma grande bola de neve à cabeça de Pedro. Ele não sabe se o fato de ser gay é algo correto ou imoral, se as dores que sente o fortalecem ou fazem dele apenas mais fraco, ou se realmente merece o carinho dos amigos que o acolhem. Ele sente falta dos pais, sente medo de encarar a vida e as pessoas a sua volta, sente-se paralisado. Em um estado de constante ansiedade e depressão, Pedro se sente um fardo, sente que precisa sair da vida dos que o amam, livrando-os da aura de tristeza e inutilidade que ele próprio carrega.

“Se é mesmo certo, por quê parei na rua? Se a vida é minha, por quê todos a julgam? Quem pode garantir que ser isso é algo bom?”

Pedro é um garoto que não teve tempo de amadurecer a descoberta de sua verdadeira sexualidade, antes de recebê-la em um tapa de hostilidade, das pessoas que deveriam demonstrar carinho por ele. Como era de se esperar, nesse cenário, os sentimentos do personagem se tornam os verdadeiros protagonistas em “No Meu Lugar”. Seus questionamentos e conflitos internos vão tomando uma proporção cada vez maior na narrativa, e a escolha do autor em detalhar cada sensação com o uso de metáforas e associações foi impressionante.

Nos momentos onde Pedro parece entrar em um colapso mental, as frases são curtas. Uma atrás da outra, algumas em constante repetição, fazem alusão a flashes interiores do garoto; transmitem cada impulso inconsciente e cada desejo ou incapacidade de desejar coisa alguma.

Durante a leitura, me tornei parte da mente do personagem, pude me enxergar em seu corpo, e a escrita de Jorge Castro foi primordial nesse processo de reconhecimento entre o leitor e o personagem. A forma narrativa em primeira pessoa, narrando não apenas os detalhes a sua volta como o que acontecia dentro da mente de Pedro, foram recursos literários com os quais eu nunca havia lidado antes. Essa ousadia na escrita foi, nessa obra, o que me manteve ainda mais conectada a cada capítulo.

Outro detalhe que me chamou a atenção no livro foi a ausência das cenas de violência. Por se tratar de uma história dramática sobre intolerância, homofobia e drama familiar, pensei que alguma possível cena de violência contra Pedro seria abordada em detalhes. O fato dessa cena existir e ser mencionada, porém não detalhada, me ganhou nesse livro. A escolha do autor mostra o quanto é desnecessário entrar em contato com a própria cena de violência para compreendermos o trauma que ela ocasiona. A violência física, verbal e silenciosa, nessa história, adquirem a mesma força e poder de destruição.

“As pessoas lançam o mundo ao inferno quando não aceitam algo.”

Falando sobre os aspectos negativos da obra, não encontrei nada tão forte, mas um deles é apenas um complemento que senti falta enquanto me aprofundava na história. Lara, Pablo, Carla e Guilherme são os amigos que todo mundo quer ter, e demonstram um carinho imenso por Pedro. Isso nos cativa de forma real, mas senti falta de saber mais sobre o passado desses amigos, como se conheceram e como vivem suas vidas. Guilherme ainda vai sendo mais detalhado conforme o passar dos capítulos, mas Lara, que é a segunda melhor amiga de Pedro, é abordada de forma um pouco rasa, quando percebemos a força que ela traz nas cenas em que é mencionada.

O segundo ponto negativo da história é o fato de ela ser uma espécie de gatilho para quem já se encontra em crise depressiva, crise de ansiedade ou qualquer outra forma de transtorno mental. Como já citei, os sentimentos que rodeiam Pedro são dignos de uma forte crise depressiva, e para quem está em um momento delicado ou já se encontra em tratamento de disfunções psicológicas, é complicado (e perigoso) ler de forma tão detalhada a até mesmo poética, sobre um problema com o qual lida 24 horas por dia.

De forma geral, a leitura de “No Meu Lugar” deixa muitas lembranças boas, e só assegura o quanto o Brasil tem talentos literários que merecem destaque. Acredito fortemente que Jorge Castro tem um bom futuro como escritor, e adorei entrar em contato com a história desenvolvida por ele. Foi, de verdade, um prazer.

Livro está à venda na Amazon BR, em formato digital (eBook), por R$ 1,99

É uma leitura que indico para todos que se sentirem fortes psicologicamente, e que queiram abrir a mente para exercer a empatia, colocando-se no lugar de alguém que passa por tantas provações apenas por querer ser feliz e amado. É um daqueles livros que vêm para mostrar o quanto a depressão não é uma frescura, o quanto a sexualidade não é uma questão de escolha, e o quanto o respeito não é uma questão de opção.

É, enfim, um livro lacrador!

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Francelle Machado
Aprendiz de Bookaholic

Estudante de Letras, Jornalista de formação e futura tradutora. Revisora textual, estagiária em Produção Editorial e pseudo-cronista nas horas vagas.