O fracasso em evidência na obra Dupla Falta, de Lionel Shriver

Francelle Machado
Aprendiz de Bookaholic
6 min readJan 10, 2018

Willy Novinski e Eric Oberdorf se conhecem, se apaixonam e se casam. No centro desse relacionamento, uma paixão em comum: as quadras de tênis. Seria tudo muito lindo, mas a característica que os mantém firmes no esporte é a mesma que pode se tornar prejudicial na vida a dois.

Posso dizer que esta não é a história de um casamento feliz, e já ficamos sabendo desse “spoiler” pela própria sinopse do livro, pra não citar esse título bem sugestivo. Uma dupla falta é, no jargão dos tenistas, o nome atribuído a dois saques erroneamente direcionados para fora da área autorizada de jogo. Dois erros consecutivos. Posso estar viajando na batatinha, mas conforme fazia a leitura, enxergava uma forte conexão entre esse título e as atitudes tomadas pelo casal protagonista.

Edição publicada no Brasil pela Intrínseca, em 2011

Eu já havia lido algo sobre Lionel Shriver não florear seus personagens, expondo suas fraquezas e/ou maldades sem medo de chocar o leitor. Ainda não li sua obra mais conhecida, “Precisamos Falar Sobre o Kevin”, sobre a qual o comentário que li se referia, mas posso dizer que essa marca da escrita da autora se reflete claramente em “Dupla Falta”.

A história gira em torno do casal Willy e Eric, e tem início no momento em que ele a conhece durante uma partida de tênis, no início da década de 90. Os dois conversam, sentem atração um pelo outro, e vocês podem imaginar a sequência de acontecimentos a partir daí. Sexo, planos para o futuro, romantismo, mais sexo, partidas de tênis, história das famílias de ambos, casamento, etc.

Fica explícito, desde o início, que a paixão de Willy pelo tênis é maior do que qualquer outro sentimento no coração dela, e a ligação que ela tem com Eric se deve, em grande parte, pelo fato de ele compreender essa paixão e até compartilhá-la, em menor escala. Willy tem fortes inseguranças consigo mesma, e ao mesmo tempo em que tem noção de seu grande talento, sustenta um medo angustiante de perder seu dom de vencer nas quadras. Eric, em contrapartida, tem plena certeza de que é bom em qualquer coisa que faça, mesmo que precise aprender algo novo, como é o caso dele com o tênis.

Imagem: Pexels

Enquanto Willy se mantém no ápice do sucesso, Eric vai aprendendo mais sobre o esporte ao jogar com a namorada; e o fato de vê-lo como um concorrente fraco e despreparado faz com que Willy se afeiçoe ainda mais a ele. Enquanto o sentimento dela cresce, ele vai se especializando no esporte ao ponto de atuar em disputas profissionais e, aos poucos, ir ganhando terreno como um dos grandes tenistas do período.

“Quando um homem ganha, ele se gaba; quando uma mulher ganha, ela se desculpa.”

Quando comprei o livro e li a sinopse, jurei que se tratava de um relacionamento abusivo ou de um relacionamento no melhor estilo de “Garota Exemplar”. O livro se revelou uma história diferente, sem mocinhos ou vilões, e os personagens são bem mais autênticos do que isso. Verdade seja dita: gostei bastante da construção dos personagens, do fato de o passado e presente deles ser apresentado em doses controladas, e como a história deles acaba culminando nos comportamentos atuais. Mesmo que esse seja um enorme ponto positivo para que eu me cativasse pelo livro, a personagem Willy me irritou profundamente, em vários momentos; e Eric não conseguia ver as questões mais óbvias na frente do próprio nariz.

Infelizmente, não rolou aquela conexão legal com os personagens, e o ritmo lento (demais!) da história não ajudou a me prender. Talvez em uma releitura, com mais experiência na vida e mais paciência pra aturar a Willy, eu venha a curtir melhor essa narrativa. Porque, mesmo sendo lenta, a escrita da autora não deixa de ser agradável.

Talvez o contexto pessoal em que eu li essa obra tenha afetado a minha percepção sobre ela, até porque todos temos a noção de que, para cada leitor, um mesmo livro representa uma experiência diferente de leitura. Para mim, “Dupla Falta” foi ok e só isso. Fiquei em dúvida, inclusive, se escrevia ou não uma resenha, por não me sentir inspirada a comentar sobre essa história. Mas no final das contas, decidi falar sobre ela por uma reflexão que a leitura incitou em mim.

“Dupla Falta” é um livro sobre o fracasso. Entenda, não é um livro fracassado em vendas, nem nada disso. A história de Eric e Willy é permeada pelo fracasso, e esse é evidenciado por Shriver e seu narrador em terceira pessoa. O poder de escolha sobre o futuro de cada um lhes é dado, e desde o início da história é possível observar, nas entrelinhas, o quanto algumas coisas (não posso dizer quais, por motivo de spoiler) podem dar errado ou podem ser prejudiciais para a felicidade de um deles. As escolhas — certas ou erradas — são feitas, e observamos o desenrolar das consequências no decorrer do livro. Simples assim. Como é a vida real, se prestarmos atenção.

Em alguns momentos da vida, pensamos que há algo que nos direcione para a felicidade, alguém que nos “sopre” as respostas de que precisamos para seguir em frente ou decidir qual estrada seguir. Não nego que algo assim possa existir, mas pensando friamente, não é apenas esse “algo ou alguém superior” que determina nossa vida, no sentido prático da coisa. Somos os principais responsáveis por escolher o nosso próprio destino. Temos a resignação de aceitar o que não depende de nós, mas também podemos optar pelo sim ou pelo não em boa parte do tempo. Mesmo que, às vezes, seja mais fácil pensar que alguma coisa deu errado por culpa de terceiros, de forças superiores ou do destino.

Podemos escolher ficar ao lado de um parceiro, mesmo que esse relacionamento nos faça infelizes; podemos ficar em um emprego que diminua nossa auto-estima, porque ele paga um salário impecável; podemos dizer que nossos filhos são mal educados porque toda criança é assim; ou ainda, que não vale a pena cuidar da saúde porque um dia vamos morrer de qualquer jeito. Ou podemos fazer tudo isso ao contrário.

Em resumo: para existir algum “final feliz”, temos que fazê-lo acontecer. Nenhuma felicidade vai cair do céu.

Deixando a divagação de lado um pouquinho, o que senti ao ler “Dupla Falta” foi uma reafirmação da certeza de que devo cuidar, e muito bem, do que escolho fazer com a minha passagem por esse mundo. Não adianta esperar os dias passarem, até chegar um ponto em que não há volta, e depois chorar em posição fetal porque deu tudo errado. Não adianta negar a responsabilidade que temos sobre nós mesmos desde que nascemos. E isso nem é algo tão preocupante, só é digno de atenção e foco constantes.

Finalizei a leitura dessa obra porque insisti comigo mesma que finalizaria, e infelizmente me dei conta dessa lógica do poder de escolha e fracasso apenas quando completei o livro. Se tivesse reparado nisso antes, talvez a história fosse mais cativante para mim. Ao mesmo tempo, o final do livro e a sensação que os pensamentos posteriores me causaram foram bem interessantes.

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Francelle Machado
Aprendiz de Bookaholic

Estudante de Letras, Jornalista de formação e futura tradutora. Revisora textual, estagiária em Produção Editorial e pseudo-cronista nas horas vagas.