Qual é o valor de uma Bienal?

Francelle Machado
Aprendiz de Bookaholic
4 min readJan 8, 2018

Entre um clique e uma passada dos dedos na tela, faz parte do cotidiano encontrar um comentário e outro que não façam o menor sentido na Internet. A pessoa nem sabe o que está dizendo, mas está lá, sendo a primeira a comentar e — na cabeça dela — arrasando. Isso é normal.

Há alguns dias, pesquisando sobre a Bienal do Livro do Rio de Janeiro, encontrei uma dessas pérolas na rede do tio Zuckerberg, e sabe-se lá por que, resolvi expandir e ler o bendito comentário. Era um cara revoltadíssimo com o valor exorbitante da entrada da Bienal, reclamando que com os 24 reais cobrados em cada ingresso, ele poderia levar a família inteira no shopping, pagar o estacionamento, comprar presentes para as crianças, um bom almoço para todos e, ainda, comprar os mesmos livros que estão à venda nos pavilhões da Bienal. Ok. Beleza. Palmas para ele.

Imagem: Reprodução/Blog Passaporte Cultural (passaportecultura.com.br)

Normalmente, eu sou a primeira a defender os shoppings como uma opção bem legal e confortável de passeio com o namorado, com os pais, e com todo o resto da família. E não convém aqui defender uma tese sobre o teor capitalista de você só conseguir se divertir em um shopping quando vai preparado — e muito — financeiramente. Tudo ou quase tudo nesse mundo depende de dinheiro, e não dá para negar isso, então o termo “capitalismo” nem entra na questão. A situação é a seguinte, e isso me parece nortear os gastos de toda essa geração: no que estamos gastando? Estamos investindo em alguma coisa, ou apenas jogando dinheiro pela janela ou para os boletos?

Foi-se o tempo (se é que ele existiu) em que as pessoas pagavam apenas por um produto, e hoje o que vale é a experiência vivida. Já que o mundo é movido por dinheiro, que usemos as notinhas em prol da nossa felicidade, de experiências enriquecedoras ou, pelo menos, de um produto que valha a pena. Seguindo essa lógica, observamos que os próprios livros não são considerados, hoje, apenas um amontoado de folhas onde se leem boas histórias. Existem formas diferentes de impressão, alto e baixo relevo, diagramação especial de uma parte do conteúdo, materiais que proporcionam sensações diferentes ao simples ato de pegar o livro nas mãos. Por quê? Exatamente por que os leitores são cativados desde a primeira vez que sentem o cheiro do livro, e uma ilustração mal diagramada pode fazer a diferença na compra da edição “fulana”, fazendo com que a edição “sicrana” venda muito mais.

Se isso é errado? De maneira nenhuma.

Sejamos realistas: todos nós sabemos que é o conteúdo que importa, mas podemos considerar que, se é a experiência sensorial do manuseio do livro (fora os motivos óbvios como a leitura da sinopse e a curiosidade) que nos leva a finalizar uma compra, não ajuda em nada um produto que não nos chame a atenção. C’est la vie.

Assim como a compra de um único livro já passa por toda essa experiência antes mesmo que passemos o cartão, imaginem o sentimento que é despertado no leitor ao entrar em pavilhões enormes, decorados e voltados exclusivamente para a literatura, com imagens enormes dos seus livros favoritos e convites pipocando por todos os lados, quase gritando: venha pegar um autógrafo com a autora daquele livro ótimo! Venha assistir uma palestra! Venha ver a recriação do ambiente igual ao daquele livro que você ama! Venha participar de uma oficina! Traga seus filhos para ouvirem uma história!

Tem coisas que valem cada centavo do que custam, e mesmo que sejamos forçados a aplicar o conceito do custo-benefício com frieza no nosso cotidiano, às vezes precisamos mudar o foco e pensar que o benefício pode ser psicológico, não palpável e não calculável. Avaliando com frieza, a Bienal é um local onde as pessoas caminham, caminham e caminham, compram, compram e compram. Igualzinha a um shopping. Mas tem um pequeno detalhe: a Bienal é pensada e realizada para leitores, estimula o aprendizado e a vontade de ler, e está encaixadinha naquele papo de benefício não palpável. Quem ama ler, ama a ideia de estar em um lugar onde se respira literatura, se conversa sobre literatura e se celebra a existência de cada livrinho ao lado de outras pessoas que são movidas pelo mesmo amor. Os 24 reais possibilitam tudo isso, e, portanto, são um investimento. É simples assim.

Ah, e antes que os portadores daquela frieza de pensamento se perguntem: eu não fui contratada pela assessoria de imprensa da Bienal para defender o valor cobrado pela entrada, ok?! Entendam: esse texto é fruto apenas da empatia e da compreensão pelas aplicações financeiras alheias. Até porque o problema, aqui, não é a entrada da Bienal não ser gratuita. É existir pessoas como aquele cara que eu comentei mais acima, que não conseguem ter a mente nem um pouquinho aberta para compreender que, se quase tudo depende de dinheiro, alguns decidem gastar com o que lhes possibilite conhecimento, evolução psicológica e felicidade.

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Francelle Machado
Aprendiz de Bookaholic

Estudante de Letras, Jornalista de formação e futura tradutora. Revisora textual, estagiária em Produção Editorial e pseudo-cronista nas horas vagas.