No Flamengo de Abel, um mantra que não resistiu a cinco meses de involução

Fred Soares
Cantos, Recantos e Encantos
4 min readMay 3, 2019

Vivemos no futebol brasileiro uma época em que um mantra é propagado como verdade absoluta: “não se pode mandar treinador embora. Só a sequência do trabalho traz resultado”. Será?

Ninguém está aqui para desprezar o fato de que a continuidade é um fator importante para o sucesso de um projeto futebolístico. São várias as estatísticas que embasam esta defesa de tese, mas que não a torna um fato científico. Portanto, justifica-se a manutenção se estiver evidente que nada de útil se vislumbra para um futuro de médio e longo prazo no âmbito esportivo?

As linhas iniciais deste texto são uma espécie de prefácio para falar do Flamengo de 2019. Desde o primeiro jogo oficial na temporada, contra o Bangu, pelo Campeonato Carioca, até o confronto contra o Internacional, pelo Brasileirão, alguém discute que o rubro-negro involuiu, andou para trás?

A conquista do Estadual: uma cena que ilude torcedores e até dirigentes

Por favor, que não se apegue à tolice de usar como argumento contrário a isso a conquista do campeonato regional. O hiato gigantesco de nível de elenco (não de time) entre o Flamengo e seus maiores rivais praticamente o obrigava a levantar a taça, mesmo que isso se concretizasse graças à individualidade de seus bons reforços — como acabou por acontecer.

Na Libertadores, no Brasileirão e na Copa do Brasil, a parada é outra. É coisa séria, pesada. Uma equipe que, em tese, postula estas conquistas e não apresenta um bom padrão de organização, um diversificado repertório de jogadas e a capacidade de apresentar alternativas táticas fatalmente se transformará em carta fora desse baralho. A prova está aí: das quatro derrotas no ano, três foram por estas competições, nas quais apenas sete jogos foram disputados. Para lamento do seu torcedor, o Flamengo está cumprindo certinho o script para terminar mais uma temporada ao lado de um felpudo mico.

No primeiro grande desafio do ano, o Flamengo sucumbiu em casa para o Peñarol

Como escrevi mais acima, o Flamengo amassou o legado de Dorival Júnior. Foi atirado ao lixo tudo de bom que ficou do fim do ano passado, o que permitiu a Abel Braga começar um trabalho sem encontrar terra arrasada, e com a enorme vantagem de contar com excelentes reforços. O time, que apresentava uma sólida defesa, agora é batida em quase todos os jogos (foram sofridos gols em 18 das 24 partidas disputadas). O ataque tem média próxima a dois gols por peleja, mas conta-se nos dedos de uma das mãos o número de vezes em que a meta do adversário foi atingida graças a uma jogada trabalhada ou a uma triangulação insistentemente executada num treinamento. Tome bola na área e vamos ver no que vai dar.

E olha que nem entro no mérito (ou demérito) pela insistência nesse ou naquele jogador. Ou na demora em transformar em titular o mais caro reforço do time que, visivelmente, torna a equipe mais ágil e menos previsível. Ou ainda na decisão de transformar o jogador mais veloz do plantel em um atacante de área. É bem verdade, um avançado que faz gols, mas que por outro lado torna o Flamengo monocórdico em termos de ação ofensiva.

Que se faça justiça. Essa cruz não deve se colocada apenas no ombro do técnico. A diretoria, que até trouxe bons reforços, não atacou o seu maior calcanhar de aquiles: as laterais; e relaxou por contar com uma boa dupla de zagueiros, mas que tem como seus reservas um jogador que passa mais tempo no departamento médico e outros dois, boas promessas, mas ainda muito jovens.

O JB de 24 de julho de 1981 noticia a queda de Dino Sani, na véspera do terceiro jogo do Fla pela Libertadores

Eis aí alguns dos argumentos pelos quais o mantra pela manutenção de treinadores não se encaixa neste Flamengo de 2019. E não é de hoje. No ano de ouro do clube, 1981, o clube dispensou um treinador em meio à disputa da Taça Libertadores, que acabaria se tornando a única do seu palmarés. Dino Sani, que insistia na escalação de Chiquinho e Baroninho, em detrimento de Adílio, caiu na véspera do duelo com o Olimpia, no Maracanã, após desavenças com jogadores, dirigentes e, principalmente, por causa do futebol mal praticado pelo grupo — embora, na partida anterior, o time da Gávea tivesse sapecado um 5 a 2 para cima do Cerro Porteño.

No Jornal dos Sports, a demissão de Dino Sani foi manchete de capa

É isso mesmo: alguém com o poder da caneta no Flamengo enxergou além da obviedade do resultado. Foi percebido que um treinador de ideias ultrapassadas e avesso a talento — sem contar o fato de que não era lá muito educado no trato com aqueles que o cercavam — muito provavelmente levaria aquele time que se tornaria dos sonhos ao fracasso internacional.

Se a História serve para que não se cometam erros do passado, também é útil para oferecer exemplos bem sucedidos e que podem muito bem ser reeditados.

--

--